Tenho aqui um filho no auditório que vai começar a trabalhar comigo na segunda-feira.” Manuel Violas, o presidente do grupo Violas, começou assim a sua intervenção na conferência de apresentação do Barómetro Europeu das Empresas Familiares da KPMG que decorreu a semana passada no Porto, em parceria com o Expresso. Não será para o substituir, porque o empresário ainda está longe de abandonar a liderança da empresa, mas percebeu-se bem o orgulho de Manuel Violas na revelação que tinha acabado de fazer. O mesmo que demonstrou mais à frente durante a conferência, quando mencionou que também já tem uma filha a trabalhar na empresa.
Como o nome indica, nestas empresas, sejam elas grandes ou pequenas, a tradição dita que haja vários elementos da família a trabalhar na companhia, que o sucessor seja um descendente direto, como um filho ou um neto, e que a propriedade se mantenha dentro da família. E é por isso que este processo se pode tornar mais difícil. “Como se faz para lidar com um funcionário que é também o nosso irmão?”, nota o presidente da Associação das Empresas Familiares (AEF), Peter Villax. Para o dirigente, que é também CEO numa empresa familiar, a Hovione, estas questões não podem ser vistas de ânimo leve, principalmente quando se chega ao momento da sucessão, e devem ser pensadas com antecedência.
A ourivesaria David Rosas é um exemplo disso. “Ainda nos faltam um bons 15 ou 20 anos, mas começámos este ano a pensar nesse processo de sucessão, porque é algo que tem de ser bem estruturado”, diz o CEO Pedro Rosas, que assumiu o cargo recentemente. E uma das formas de preparação passa por ter acordos escritos, como mencionaram, na conferência, Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive (do grupo Têxtil Manuel Gonçalves), e também Tomás Jervell, CEO do grupo Nors (ex-Auto Sueco). Aliás, nesta última empresa já existem acordos “que permitem que se deixe de ser accionista”, revelou Tomás Jervell.
Formação é o mais importante
Independentemente de haver uma preparação prévia e de se assumir que, como dita a tradição, será um descendente direto ou um membro da família a suceder na liderança, a escolha desse sucessor traz vários desafios. O Barómetro da KPMG, que inquiriu mais de 1600 empresários em 27 países da Europa, incluindo Portugal, identifica a transferência da gestão e/ou da propriedade como um momento crítico e revela quais as maiores preocupações dos empresários. Nos resultados gerais, os conflitos familiares estão no fundo da lista e o maior problema assinalado quando se faz a sucessão é a identificação do sucessor. Já em Portugal, os conflitos também surgem no final da lista, mas a maior preocupação dos empresários é a formação do novo líder.
“A sucessão não me preocupa no imediato, é algo que acontecerá naturalmente, mesmo não existindo um sucessor já apontado. A preocupação é que as pessoas tenham formação. Tenho dois filhos, o Manuel, que é o mais velho e vai começar agora a trabalhar comigo, tirou o curso e esteve seis ou sete anos a trabalhar fora, na Unilever, e achamos que era altura de ele integrar a empresa. A minha filha também estudou e trabalhou fora e, neste momento, está a trabalhar na Super Bock não como diretora, mas como funcionária no departamento de marketing. Isso é que lhes dá a potencialidade de um dia integrarem o grupo e fazerem parte de uma equipa profissional”, conta Manuel Violas.
Sucessão não pode ser imposta
Em Portugal, pelo menos recentemente, os sucessores têm surgido de forma natural e os processos têm sido pacíficos e sem prejuízo para os negócios. Os exemplos são muitos (ver caixa), como o caso do grupo Amorim, cuja presidência passou para Paula Amorim; da farmacêutica Bial, com António Portela a assumir a liderança; ou do grupo Rangel, onde Nuno Rangel ascendeu a CEO. Mas a profissionalização destas empresas está a fazer com que estejam menos presas à tradição.
De acordo com os resultados do Barómetro e com as intervenções dos vários gestores na conferência da semana passada, neste momento, quando se prepara a sucessão, o que importa mais são as competências do futuro líder e não tanto se é ou não descendente ou sequer parte da família. “A sucessão não pode ser imposta. A nova geração tem de estar preparada e se não for esse o caso é preferível vir alguém de fora”, diz Pedro Rosas. Uma opinião partilhada por Nuno Rangel. “Sou apologista de que os filhos não têm de ser os sucessores. Há muitas formas de governação”, diz.
Isto porque “as empresas familiares sabem que para liderar é preciso alguém excecional, muito talentoso e trabalhador. Essas são as qualidades obrigatórias e às vezes são encontradas na geração seguinte, mas outras vezes o líder certo pode estar fora da família”, comenta no Barómetro, o responsável pela KPMG na Grécia, Vangelis Apostolakis.
De facto, afirma Isabel Furtado, “não podemos partir do princípio de que todos os descendentes estão aptos ou querem trabalhar na empresa. Tenho três filhos e todos trabalham fora da empresa. É importante que não se sintam pressionados ou que já têm o futuro definido. Deve ser deixado ao critério e necessidade dos descendentes”.
É, por isso que, de acordo com o Barómetro da KPMG, a tendência aponta para que haja cada vez menos elementos das famílias a assumir cargos de CEO e presidente. “As famílias vão sentir, cada vez mais, que podem precisar de experiência de fora para ajudar o negócio”, diz um dos responsáveis da KPMG International, Tom McGinness, citado no documento.
Esta realidade torna-se mais relevante tendo em conta que, segundo o Barómetro, até 2030 vão realizar-se, no mundo, transferências de gestão e de propriedade nas empresas familiares no valor de 15,4 mil milhões de dólares (€13,8 mil milhões), dos quais 3,2 mil milhões (€2,8 mil milhões) serão na Europa.