Para Brittany Kaiser, a antiga diretora de estratégia de negócio da Cambridge Analytica, os cidadãos estão hoje tão desprotegidos como em 2016, ano em que a empresa de consultoria política usou dados dos utilizadores do Facebook para influenciar as eleições norte-americanas.
“O que eu vi em 2016 foram casos avançados de instrumentalização dos dados das pessoas”, sublinhou esta terça-feira na Web Summit, em conferência de imprensa, a também cofundadora da fundação Own Your Data.
Mas em 2020 os cidadãos de todo o mundo ainda estão desprotegidos por vários motivos, acrescenta: falta de literacia digital, falta de legislação e regulação que os proteja (mesmo o Regulamento Europeu de Proteção de Dados devia ser reforçado, considera) e falta de soluções tecnológicas que permitam às pessoas monetizar e rastrear os seus dados de forma transparente.
O RGPD não é suficiente, sublinha. “Levante o braço quem aqui leu os termos e condições de alguma app nos últimos tempos”, questionou. Nem uma mão na sala se levantou. “É a prova que a maioria das pessoas não os lê”, acrescenta. “Os termos e condições devem ser simples; se uma empresa vende dados a outra isso deve estar escrito de forma simples, explícita e com o propósito bem definido.”
Kaiser reconhece que não é fácil ser uma denunciante de uma empresa como a Cambridge Analytica (que trabalhou com a campanha presidencial de Donald Trump para influenciar o voto dos eleitores nas eleições presidenciais de 2016), mas realça que continua a falar publicamente sobre o tema porque acredita “que pode mudar as coisas”.
E propõe três formas diferentes de o fazer: atualizar o sistema de educação para incluir a literacia digital, introduzindo um novo standard para além do QI (o DQ); dar a todas as pessoas no mundo o direito de posse sobre os seus dados; e investir em novas soluções tecnológicas. “O Facebook já podia ter feito isso, se pusesse data scientists [cientistas de dados] a fazê-lo”, atira a denunciante, sempre crítica do Facebook e de Mark Zuckerberg.
Respondendo a uma questão sobre se o Facebook deveria fazer como o Twitter e banir anúncios políticos da rede social, Kaiser responde que a melhor resposta não deveria passar por aí. “Os anúncios políticos são necessários para levar as pessoas a votar. Mas as grandes tecnológicas deveria investir mais recursos em analisá-los, de modo a proteger os cidadãos.”
Questionada sobre o caso do denunciante português Rui Pinto, detido pelas autoridades portuguesas por causa das revelações no âmbito Football Leaks, a ex-diretora da Cambridge Analytica responde: “Não conheço esse caso em específico. Mas falo muitas vezes sobre como proteger os denunciantes (whistleblowers) e encorajo a Comissão Europeia e os Estados Unidos a passar legislação para proteger os denunciantes.”