A privatização da ANA – Aeroportos de Portugal tem sido ao longo dos últimos anos apontada muitas vezes como um ‘mau negócio’ para o Estado português – o atual líder do PS e candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos chegou a classificá-la como “um péssimo negócio para o Estado”. Foi numa entrevista ao Expresso em janeiro de 2020, enquanto ministro das Infraestruturas: “Foi a privatização mais danosa para o interesse público e não há forma mais doce de o dizer”.
Agora, quatro anos após esta declaração, o Tribunal de Contas vem confirmar que a venda da concessionária dos aeroportos portugueses ao grupo francês Vinci, concretizada em 2013 pelo governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho, “não salvaguardou o interesse público, por incumprimento dos seus objetivos”, “face ao regime legal aplicável e aos contratos de concessão de serviço público aeroportuário celebrados com o Estado Português”.
Na auditoria que conduziu à operação, pedida pela Assembleia da República, o tribunal refere que não foi “maximizado o encaixe financeiro resultante da alienação das ações representativas do capital social da ANA”. Além disso, não se verificou “o reforço da posição competitiva, do crescimento e da eficiência da ANA, em benefício do sector da aviação civil portuguesa, da economia nacional e dos utilizadores e utentes das estruturas aeroportuárias geridas pela ANA”. E, por fim, também não foi “minimizada a exposição do Estado Português aos riscos de execução relacionados com o processo de privatização, não se tendo assegurado que o enquadramento deste processo protegeria cabalmente os interesses nacionais”.
“A urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respetivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro. Agravando os riscos destes desfasamentos, a avaliação intempestiva da ANA não supriu a sua falta de avaliação prévia, que era legalmente exigível”, adianta o Tribunal de Contas no documento tornado público esta sexta-feira à noite.
“O Estado concedeu à Vinci os dividendos de 2012, quando a gestão ainda era pública, e suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão, tendo o preço da privatização (1.127,1 milhões de euros) sido 71,4 milhões de euros inferior ao oferecido e aceite (1.198,5 milhões de euros)”, pode ler-se também no relatório.
Outra das conclusões evidenciadas pelo Tribunal de Contas nesta auditoria é a de que “o Estado privilegiou o potencial encaixe financeiro com a venda da ANA, no curto prazo, em detrimento do equilíbrio na partilha de rendimentos com a concessão de serviço público aeroportuário no longo prazo”. Isto porque “as disposições sobre a regulação económica da concessão transitaram, durante o processo de privatização, da lei aplicável para o contrato, fragilizando a regulação e com prejuízo para a estabilidade processual e para a transparência e publicidade daquelas”.
Diz ainda o Tribunal de Contas que “a privatização da ANA comportou a concessão de um monopólio fechado por 50 anos num setor estratégico para a economia do país, com desperdício da oportunidade de introduzir os benefícios da concorrência”.
É também apontado que “as desconformidades e inconsistências detetadas no exame do Relatório previsto no artigo 13.° do Caderno de Encargos, para as quais a Parpública não tem explicação, são graves e revelam risco material de falta de fidedignidade de documentação processual que foi determinante para a escolha do comprador”.
E que “a falta de controlo público evidenciada no processo de privatização da ANA (e impulsionada pela urgência da sua concretização em contexto já de si adverso) prolongou-se durante a primeira década da ANA privada, nomeadamente devido à falta de acompanhamento apropriado da gestão dos contratos de concessão de serviço público aeroportuário e à falta de controlo da receita pública proveniente da concessão de serviço público, deficiências para as quais o Tribunal alertou e recomendou medidas para as suprir que continuam por implementar".
O Tribunal de Contas aproveita a oportunidade concedida por este relatório de auditoria para que o reconhecimento das suas funções “nomeadamente através de solicitações da Assembleia da República para realizar auditorias, seja extensivo ao acolhimento das recomendações formuladas para corrigir as deficiências detetadas através das auditorias realizadas”.