Miguel Cruz, que trabalhou no Tesouro enquanto secretário de Estado de João Leão de junho de 2020 até março de 2022, só soube da indemnização de meio milhão pelo “Correio da Manhã”, no dia 24 de dezembro de 2022, mais de dez meses depois do pagamento feito pela TAP para a sua cessação de funções.
Na sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, que teve lugar esta terça-feira, 30 de maio, Miguel Cruz disse aos deputados que esse tema não foi tratado pelas Finanças, confirmando aquilo que tem sido dito ao longo dos trabalhos: foi o Ministério das Infraestruturas, de Pedro Nuno Santos coadjuvado por Hugo Mendes, que acompanhou o processo. A indemnização de meio milhão a Alexandra Reis foi conhecida a 24 de dezembro com uma notícia do "Correio da Manhã", mas antes disso havia já rumores desse pagamento, como o Expresso deu conta em maio. Porém, o governante diz só dela ter tido conhecimento naquela véspera de Natal.
Tal saída concretizou-se em fevereiro de 2022, mas meses antes, em dezembro de 2021, Alexandra Reis tinha mandado uma correspondência aos dois ministérios a mostrar disponibilidade para sair, por ter subido a administradora da TAP por indicação dos investidores privados – David Neeleman e Humberto Pedrosa – e já nenhum deles estar no capital da companhia. “A Eng.ª Alexandra Reis não coloca o lugar à disposição. O que diz é que estaria interessada em continuar, mas que estaria na disposição [se o Governo quisesse] de poder vir a renunciar”, defendeu Miguel Cruz.
Aliás, sobre esse e-mail, o antigo secretário de Estado (hoje presidente da empresa pública Infraestruturas de Portugal) disse que indagou junto de Hugo Mendes, contraparte no Ministério das Infraestruturas, sobre se havia vontade de pedir a renúncia a Alexandra Reis: “A informação que tive foi muito clara. Que não havia nenhuma intenção, estavam satisfeitos com o trabalho de Alexandra Reis, não havia nenhuma razão que levasse a querer substituí-la. Do meu ponto de vista, a leitura era exatamente a mesma”. Miguel Cruz lembrou aos deputados, porém, que do lado das Finanças o responsável pelas nomeações e destituições cabia a João Leão, já que o ministro da pasta não tinha delegado esses poderes.
A indemnização de 500 mil euros brutos (de que Alexandra Reis tem de devolver grande parte, por esta ter sido considerada nula pela Inspeção-Geral de Finanças) foi o grande tema que esteve na origem da CPI à TAP.
Não era o momento certo para a saída
Na audição, Miguel Cruz admitiu que falava com o administrador financeiro, Gonçalo Pires, "com muita frequência", nomeadamente em finais de janeiro e princípio de fevereiro de 2022, por causa dos slots que seriam perdidos pela TAP e sobre a possibilidade de um empréstimo com garantia de Estado. Não obstante, assegura: "não falámos sobre a saída de Alexandra Reis".
"Nunca outra questão que não a renúncia foi colocada em cima da mesa", afirmou o ex-secretário de Estado do Tesouro.
Apesar de afirmar que apreciava o trabalho da antiga administradora da TAP, afirma que não pode dizer que fosse próximo de Alexandra Reis. "Mesmo quando a Comissão Executiva era reduzida [Alexandra Reis e Ramiro Sequeira, como presidente interino], os meus contactos eram com o chairman, Miguel Frasquilho". E acrescentou: "Tenho muito respeito pelo trabalho que Alexandra Reis fez na TAP". Acaba mesmo por dizer: "Na minha opinião não era o momento mais adequado para uma saída na Comissão Executiva".
O ex-governante assegura que nunca "teve conhecimento de tensão entre Christine Ourmières-Widener e Alexandra Reis". Reconhecendo, porém, que "eram muito opinativas" e que por vezes "as posições sobrepunham-se", mas nada mais do que isso. A então presidente da TAP apontou para “divergências irreconciliáveis” para desencadear a negociação para a saída de Alexandra Reis.
Cruz defende Hugo Mendes
A reduzida relação entre Finanças e Infraestruturas é outro dos pontos que tem surgido ao longo das audições e, embora a questão da indemnização, Miguel Cruz não admite que houvesse esse problema. “O que posso dizer é que durante quase dois anos de relação, estamos a falar desde junho de 2020 até 31 de dezembro de 2021 – e digo porque é o período de preparaçao e elaboração e discussão do plano de reestruturação – tivemos Finanças e Infraestruturas e particularmente eu com o ex-secretario de Estado Hugo Mendes uma relação muito intensa”.
“Não houve um único sinal de que houvesse algum impedimento que a TAP nos pudesse contactar”, disse ainda Miguel Cruz, referindo-se ao mail que foi conhecido na CPI de que Hugo Mendes informou a liderança da TAP de que era o Ministério das Infraestruturas o seu ponto de contacto com o Governo (quanto a tutela era dupla, juntamente com as Finanças). “Pelo que eu percebi, mas só pelo que ouvi aqui, não posso fazer comentários de intenções, mas tratava-se de um mail com reação a um contacto feito com uma outra tutela que não as Finanças”, desdramatizou o antigo secretário de Estado do Tesouro.