Sérgio Monteiro, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações diz que a TAP não teria capacidade para fazer o acordo com a Airbus negociado com David Neeleman, o empresário que tinha levado a construtora de aviões europeia para o mercado norte-americano, controlado pela Boeing. “Podia a TAP pública fazer este negócio? Não, de forma nenhuma. A TAP não podia pagar 12 aviões, quanto mais 53. Isso ficou à evidência pelas dificuldades de tesouraria”, afirmou ex-secretário de Estado no Parlamento, na audição sobre a privatização da TAP. David Neleeman, recorde-se, negocou com a Airbus, antes da privatização de 2015, trocar a encomenda de 12 A 350 por 53 A330, A321 e 320 Neo.
“Para nós, o que foi verdadeiramente importante foi a componente de dinheiro não reembolsável na companhia”, destacou. Referindo-se ao facto de os chamados fundos Airbus, no valor de 226,75 milhões de dólares, que tinham sido transferidos por esta para uma empresa do empresário norte-americano, a DNG Corp, e depois entregue pela Atlantic Gateway [consórcio criado por David Neeleman e Humberto Pedrosa] à TAP para a capitalizar pelo prazo de 30 anos.
"Não há qualquer referência em qualquer momento no tempo anterior a setembro [de 2015], que seja do meu conhecimento, da existência de um apoio da Airbus ao agrupamento Atlantic Gateway (AG). O que há em maio é vontade por parte da AG de comprar um contrato que tinha como contraparte a Airbus, não tem nada a ver com fundos da Airbus. Não era do meu conhecimento, nem do conhecimento de intervenientes do momento, nem da Parpública, nem da TAP, nem dos assessores financeiros", frisou o ex-governante. "Uma operação não tem nada a ver uma coisa a ver com a outra. Não havia qualquer valor", sublinhou ainda.
Mas a 12 de novembro de 2015, quando a privatização da TAP foi concluída, - e nessa altura Sérgio Monteiro já não estava no governo - a existência dos fundos Airbus e como eles iriam ser usados para capitalizar a TAP já eram do conhecimento do governo de Pedro Passos Coelho. Há um parecer da Vieira de Almeida e Associados que foi pedido pela TAP ao negócio com a Airbus que estava a ser proposto pela Atlantic Gateway para capitalizar a companhia, e que era um elemento fundamental para que a privatização avancasse. E em causa estavam os já referidos 226,75 milhões de dólares.
Sérgio Monteiro sublinha, na audição, que a Airbus estava à espera que a TAP incumprisse, e que se isso acontecesse perderia o sinal de 50 milhões de euros que já tinha avançado. "Não só a TAP não dispunha daquele contrato livremente, como a convicção que tenho é que nunca a TAP o poderia fazer, porque a Airbus não queria. A Airbus estava à espera que a TAP incumprisse, todo o montante que a TAP já tinha pago, e eram mais de 50 milhões de euros, perdiam-se".
O ex-governante avançou ainda que só se poderia "cingir ao que foi feito em junho", sublinhando que "a estratégia de refinanciamento da TAP dizia respeito aos privados", quanto menos dívida aos bancos. E defendeu que hoje ninguém discute o mérito da proposta apresentada pela Atlantic Gateway de trocar os 12 A 350 pelos 53 Neo.
Assegurou ainda que não feito nenhum acordo para compra de aviões com valores acima do mercado. A 12 de novembro, afirmou, "não só os aviões não entravam [na TAP] acima do valor de mercado, mas abaixo do valor de mercado no montante de 233,4 milhões de dólares".
Vender a Manutenção do Brasil, um sorvedouro de dinheiro
Sérgio Monteiro falou mais do que uma vez no negócio de manutenção no Brasil, feito no governo socialista de António Guterres, defendendo que nunca foi “um ativo estratégico” para a empresa, mas um “sorvedouro de dinheiro”.
“Nunca dissemos que a manutenção do Brasil era um ativo estratégico. Era justificado como a única forma de fazer a operação no Brasil crescer, o que eu tenho para mim que não fosse assim”, salientou.
O ex-secretário de Estado disse que deu, por duas vezes, orientações ao Conselho de Administração da TAP para que a empresa fosse vendida. E adiantou que foram organizados dois processos que acabaram por não ser bem-sucedidos. O governo de então, disse, chegou a equacionar vender a operação.
“Houve um momento em que a tutela financeira deu orientações à TAP, em 2015, para impedir a remessa de receitas de Portugal para o Brasil […]. O Brasil era um sorvedouro de dinheiro”, defendeu.
Em 2022, a área de manutenção e engenharia da TAP no Brasil foi encerrada de forma definitiva, após terem sido acumulados prejuízos de aproximadamente 600 milhões de euros em 13 anos.