Sistema financeiro

Banco de Portugal não usou toda a potência da bazuca do BCE por falta de oferta no mercado de dívida

Em 2023, o regulador presidido por Mário Centeno foi ao mercado comprar dívida menos de metade das vezes do registado no ano anterior. Tal deveu-se sobretudo à escassez de emissões de títulos nacionais.

TIAGO MIRANDA

O Banco de Portugal teve dificuldade em comprar dívida portuguesa durante o ano passado, ao abrigo dos programa de compra de ativos desenhados pelo Banco Central Europeu (BCE), devido à escassez na emissão deste tipo de título obrigacionista. Em 2023, o regulador efetuou um total de 637 compras de dívida no mercado, que compara com as 1.447 operações efetuadas no ano anterior.

Parte disto justifica-se com a menor frequência de operações efetuadas pelo IGCP, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, que acabou o ano a emitir menos obrigações do Tesouro e bilhetes do Tesouro do que era inicialmente previsto. Tal causou uma lacuna no mercado, e entidades compradoras como o Banco de Portugal – que todos os meses tem um envelope com uma quantidade fixa para ir às compras no mercado – ficaram sem ter dívida portuguesa para adquirir.

A informação consta do Relatório de Implementação da Política Monetária referente a 2023, publicado esta segunda-feira pelo regulador português.

Em situação normal, as compras líquidas de dívida nacional no âmbito do programa de compras de emergência pandémica (PEPP) teriam sido nulas, tal como aconteceu em termos agregados para o resto do Eurosistema. Mas no caso português, estas compras foram negativas em 2,2 mil milhões de euros, indica o relatório. E também no âmbito do PSPP, outra “bazuca”, foram negativas em 1,5 mil milhões, o que significa que, no total, a carteira de obrigações públicas encolheu em 3,7 mil milhões. Em 2022, as compras líquidas tinham sido positivas (3,1 mil milhões).

Ainda assim, o supervisor adquiriu um total de 3,6 mil milhões em novos títulos, com 19 instituições financeiras, mas não chegou para que o saldo tivesse sido positivo.

O Banco de Portugal explica que este fenómeno se justifica com o vencimento de Obrigações do Tesouro cujo prazo caducou a 25 de outubro de 2023 “e do facto de os reinvestimentos não se terem realizado na totalidade”.

“Isto deveu-se à intenção do Eurosistema de manter uma presença regular no mercado português durante o período expectável da fase de reinvestimento do PEPP e à menor disponibilidade de dívida”, justifica.



Centeno detém quase 81 mil milhões de dívida

O mesmo relatório informa que o BdP era dono de 80,5 mil milhões de euros de dívida pública e privada portuguesa no final do ano passado, também à luz dos programas de compra de títulos criados pelo BCE, onde se inclui o PEPP. Uma redução face aos 86 mil milhões de euros registados no ano passado.

Desta carteira de dívida, a esmagadora maioria (97%) diz respeito apenas a dívida pública. Em termos líquidos esse montante é de 78,8 mil milhões de euros, que inclui dívida do Estado português e títulos supranacionais. Depois, existe uma pequena parte (3%) que corresponde a títulos de empresas privadas.

Se olharmos para o total da dívida pública portuguesa apresentada em 2023, de 263 mil milhões de euros, o montante detido pelo supervisor comandado por Mário Centeno detém cerca de um terço - já descontando a dívida supranacional, ou seja, de outros países. O prazo de vencimento médio da carteira de dívida pública é de 7,4 anos.

Esta redução no balanço explica-se pelo fim de alguns dos programas de compra de dívida criados pelo BCE, como é o caso do APP (criado em 2014 na crise de dívida), cujos reinvestimentos tiveram uma redução média de 15 mil milhões de euros por mês entre março e junho de 2023 e cessaram na totalidade a partir de julho.

Com o fim desta “bazuca”, as compras acumuladas de títulos de dívida pública nacional e supranacional reduziram-se na área do euro em 167,4 mil milhões de euros.

As compras de títulos do setor público dos países da área do euro, tanto para o PSPP (a componente de dívida pública do APP) como para o PEPP - criado para dar resposta à pandemia da covid - são executadas pelo BCE e pelos bancos centrais de cada país, como o Banco de Portugal.

Enquanto o BCE compra dívida pública das várias jurisdições, o Banco de Portugal compra dívida pública sobretudo da sua própria jurisdição, mas podendo também ir comprar dívida emitida por entidades de outros países, de forma complementar.