O Banco Central Europeu (BCE), mesmo depois de um primeiro corte nos juros, eventualmente no verão, não se vai comprometer, antecipadamente, com uma trajetória concreta de descida dos juros a seguir. Tudo continuará a depender da evolução concreta da situação económica (nomeadamente da inflação) e dos resultados da transmissão da política monetária. A revelação foi feita por Christine Lagarde, a presidente do BCE, na conferência “The ECB and its Watchers” que está a decorrer esta quarta-feira em Frankfurt.
“Inclusive depois da primeira descida de juros, não poderemos comprometer-nos, de antemão, com uma trajetória concreta para os juros”, sublinhou Lagarde, quase a finalizar a sua intervenção de abertura da conferência organizada pelo Institute for Monetary and Financial Stability.
A declaração de Lagarde vai mais além do que avançou após a reunião do BCE a 7 de março, em que admitiu, na conferência de imprensa, que o conselho de governadores já começou a discutir a reversão da política monetária restritiva e que, para a reunião de junho, já disporá de “muito mais” informação sobre os dados macroeconómicos, e inclusive discutirá novas projeções avançadas pela equipa de economistas do banco.
Apesar da insistência da presidente do BCE que, para a reunião de junho, o conselho disporá de “muito mais” dados, deixando implicitamente a porta aberta para um primeiro corte nos juros, os mercados de forwards da taxa de curto prazo do euro (€STR) não estão ainda totalmente convencidos.
A descida da taxa de curto prazo projetada para essa altura é de apenas 20 pontos-base (face à norma de um mínimo de corte de 25 pontos-base por reunião). Os forwards apontam para uma descida acumulada de 87 pontos-base até final de dezembro, o que acomoda, pelo menos, três cortes de 25 pontos-base.
Salários, lucros e produtividade serão monitorizados em permanência
A presidente do BCE salientou, esta quarta-feira, que a inflação nos serviços continua alta (tendo estabilizado em 4% desde novembro do ano passado) e que a variação de preços, no que designou por inflação interna (incluindo só as componentes com baixa intensidade de importações), está em 4,5%.
São níveis ainda muito elevados em relação à meta de 2% e muito acima da inflação global, que, em fevereiro, se situava em 2,6%, e mesmo da inflação subjacente (excluindo as componentes mais voláteis), que desceu para 3,1% no mês passado.
Lagarde referiu, por isso, que o BCE vai monitorizar de perto três variáveis: o crescimento dos salários, a evolução da margem de lucro das empresas e o crescimento da produtividade, que em 2024 se projeta ser muito fraco, de apenas 0,1%.
Em final de maio, o BCE conta já ter os dados da negociação salarial no primeiro trimestre do ano e, para a reunião de junho, já disporá das trajetórias das várias medidas de inflação em março, abril e maio.
Nos cenários de risco, avançados por Lagarde esta quarta-feira, aponta-se para três condicionantes que poderão travar a descida dos juros.
Se se registar uma recuperação completa dos salários reais na zona euro até final de 2024, a inflação poderá subir para 3% na média anual de 2025 e só descer para 2,5% em 2026. Isso significaria uma resistência assinalável do surto inflacionista. Nas projeções do BCE apresentadas em março, a inflação média anual deverá descer para 2% em 2025 e 1,9% em 2026.
No caso dos lucros, se as margens aumentarem um ponto percentual em termos acumulados acima das projeções dos economistas do BCE, a inflação em 2025 ainda estará em 2,7% e no ano seguinte em 2,4%.
Nos dois cenários, a meta de inflação do BCE de 2% fica adiada para 2027, o que condicionará fortemente a política de descida dos juros.
Quanto à produtividade, as projeções do BCE sugerem que o crescimento anual pode acelerar para 1,2% em 2025 e 2026. Mas Lagarde alertou que “um novo enquadramento geopolítico” poderá acarretar “em parte” perdas "estruturais” na produtividade das empresas europeias.