Sistema financeiro

Centeno avisa que aumentar juros acima do necessário pode destruir "investimentos e aspirações" dos trabalhadores

O governador do Banco de Portugal emitiu esta segunda-feira uma nova análise macroeconómica feita a título pessoal (mas com o selo da instituição a que preside). Neste documento, Centeno recusa a ideia de uma espiral preços-salários na zona euro e avisa que as decisões de política monetária devem considerar a natureza particular do mercado de trabalho europeu

Horacio Villalobos

Mário Centeno voltou às análises pessoais com selo do Banco de Portugal, e desta vez foi sobre salários e inflação. Num comunicado distribuído apenas em inglês, o governador do banco central português considera que é muito improvável criar-se uma espiral negativa em que os aumentos salariais “alimentam” a inflação. Mas faz diversos avisos: os ordenados só devem subir em linha com a produtividade; e a contração excessiva da política monetária pode ter um impacto negativo no mercado de trabalho.

Esta nova análise surge apenas três meses depois de, a 4 de setembro, Mário Centeno ter publicado, através do Banco de Portugal, uma análise ao momento da economia. Na nota então divulgada, o banco central indicava que “a análise do governador Mário Centeno é publicada com uma periodicidade anual”. A estreia desse formato de intervenção causou alguma surpresa pública, levando Mário Centeno, semanas depois, a declarar que “era o que faltava o governador não poder partilhar a sua opinião com os portugueses”.

Agora a análise de Centeno incide sobre o mercado laboral. “As políticas monetárias e fiscais devem reconhecer os desafios do mercado de trabalho, admitindo que a procura por trabalhadores é uma ”procura derivada" da atividade económica. Preservar os investimentos e aspirações dos trabalhadores é incompatível com contrações acima do necessário", escreve o governador.

“A cautela deve presidir aos aumentos salariais, que devem ser guiados pelos ganhos de produtividade, tal como observado nos últimos 35 anos. O sucesso de uma economia não é medido apenas através do seu desempenho geral, mas também pelo sucesso dos que têm fraca inclusão ou dos que estão excluídos. Agir nas margens é essencial”, acrescenta.

Estas conclusões seguem-se a vários parágrafos nos quais Centeno faz uma análise do mercado laboral europeu, sem particularizar em relação a Portugal em nenhum momento.

Neste documento, de título “Praise to the euro area labor market: we are doing it better” ("Elogio ao mercado de trabalho da zona euro: estamos a fazer melhor", na tradução para português), Centeno apresenta vários indicadores que tentam provar que, durante a crise criada pela pandemia da covid-19, “na Europa o mercado de trabalho tem funcionado como um escudo, defendendo os rendimentos dos impactos imprevisíveis de choques inflacionários exógenos do lado da oferta".

"A zona euro parou de crescer há um ano. Se não fosse pelo emprego criado, a inflação e a estagnação da economia teriam significado ”estagflação". Evitámos a “estagflação” porque as empresas interpretaram corretamente a inflação como sendo um fenómeno transitório que, em linha com a procura, não exigia ainda ajustes no emprego", escreveu.

O governador atribui este sucesso à “credibilidade do Banco Central Europeu”, que conseguiu “ancorar as expetativas de inflação”; ao facto de a inflação se dever a problemas do lado da oferta, notando-se “na redução imediata” do ritmo de subida de preços “mal se dissiparam os choques na oferta”; a “políticas fiscais que evitaram posturas abertamente expansionistas, com pressões subsequentes na procura”; e a “um mercado de trabalho mais flexível e móvel”, que “conteve de forma eficaz efeitos de segunda ordem”.

Centeno alerta, porém, que qualquer “complacência é injustificada” e que quaisquer ajustes no mercado de trabalho durante épocas de recessão ou de desaceleração do crescimento não serão graduais. “A destruição de emprego e o congelamento de novas contratações são mais sincronizados durante as recessões do que durante os períodos de crescimento. Demorou três anos até recuperarmos as tendências de emprego do pré-pandemia; irá ser necessário menos tempo para reverter estes ganhos históricos”.