Sistema financeiro

Caixa vê espaço para mexidas nos créditos à habitação em mais de 30 mil clientes

Já houve quase 3,7 mil créditos à habitação da Caixa Geral de Depósitos reestruturados desde que as taxas de juro começaram a disparar. Banco público nota perda de depósitos para certificados

TIAGO MIRANDA

Lucros inéditos há 15 anos, ajuda da operação estrangeira recorde, dividendos ao Estado como nunca antes visto e solidez suficiente para não perder relevância no sector bancário. Assim é o resumo dos resultados de 2022 da Caixa Geral de Depósitos, que não apagam que há entre 36 e 37 mil famílias em processos que podem levar à renegociação dos seus créditos à habitação.

Abrimos 37 mil PARI [plano de ação para o risco de incumprimento] e, desses 37 mil PARI, houve um conjunto de clientes que mostrou interesse em ver o seu crédito reestruturado”, segundo disse Paulo Macedo, presidente do banco público.

Os PARI são processos em que são acompanhados os clientes que possam sinalizar dificuldades em fazer face ao cumprimento dos seus créditos, para impedir que a dificuldade se materialize. Na conferência de imprensa realizada esta quinta-feira, 2 de março, na sede, em Lisboa, o presidente executivo disse que a CGD já fechou novas condições, com a reestruturação de créditos, com 3,7 mil clientes.

Por outro lado, também tem havido amortização de créditos, algo que este ano não paga comissões, por decisão governamental. “Tem havido uma amortização de créditos à habitação por via dos recursos. Depende do fator poupança, do nível do emprego e do nível das taxas de juros, e uma coisa é o nível das taxas de juro hoje e o que poderá ainda subir”, disse Paulo Macedo, sem dar um grau de grandeza, apenas uma tendência: “não tivemos nenhum grande afluxo aos balcões do banco”.

Depósitos perdem para certificados

Do lado dos depósitos, os juros têm vindo a subir de forma lenta – como em todo o sector –, mas Paulo Macedo defende que a tendência irá continuar. Mas não impediu a fuga dos certificados.

A Caixa também sentiu a concorrência dos certificados de aforro. A maior parte da redução de depósitos foi, de facto, para certificados”, admitiu Macedo.

Mas o líder do maior banco do sistema vê mais mudanças: “vemos [os clientes] regressarem para produtos de fundos de investimento e de seguradoras com rendimentos que possam combater ou ser concorrencialmente apetecíveis face a esses resultados de aforro”.

“Caixa não sente que tenha comissões altas”

Em relação às comissões, Paulo Macedo lembrou que foi o “único banco” que anunciou que não iria aumentar as comissões, dizendo que até vão ser reduzidas pelo efeito da inflação.

Porém, diz que o banco público tem “as comissões mais baixas dos bancos portugueses”. “A Caixa não sente que tenha comissões altas”, declarou o líder da CGD, adiantando que há outros, “pelo menos dois bancos”, que têm “menor dimensão, muito menos clientes”, mas comissões mais elevadas cobradas aos clientes – Macedo até levou uma apresentação com o comparador de comissões do Banco de Portugal para fazer valer a sua posição.

Manter relevância

Uma posição que a CGD, com resultados de 843 milhões de euros no ano passado, os maiores desde 2007, quer manter. “O importante é sermos relevantes. Não faz sentido ser um banco público e ter uma quota que não permita intervir na economia ou influenciar a economia. A Caixa claramente influencia as comissões, ao ter as mais baratas, os spreads [os créditos], ao ter dos mais baratos, das operações de médio e longo prazo, onde é líder”, argumentou.

Essa é a postura perante a consolidação bancária: ser líder, disse, “Não é nenhuma obsessão”, mas é relevante. De qualquer forma, “tem de ter racional”, até porque considerou que nunca são aproveitadas a 100%.

A futura vida será, nos próximos anos, a pagar rendas ao Estado para continuar no edifício-sede em Lisboa, que irá passar para o Estado na forma de dividendo em espécie (ainda a avaliar o seu montante), a juntar aos 352 milhões de euros que serão entregues já como dividendos ordinários. É o maior valor de empresa em dividendo.

Entretanto, a gestão de Paulo Macedo procura um edifício com 30 mil metros quadrados, um terço da atual, já que terá de sair em 2026.

O atual presidente por ali continuará até ao fim do mandato. A hipótese de ir para a TAP, como chegou a ser noticiado, não está em cima da mesa: “Quanto a voar, não tenho nada marcado, nenhum convite, tenho aqui um mandato para cumprir”.