Sistema financeiro

BCE fecha 2022 com pior resultado em 15 anos e não haverá dividendos para o Banco de Portugal

BCE teve de consumir parte da provisão para não reportar prejuízos em 2022, mas deverá mergulhar neles no médio prazo. Este é o resultado mais baixo em 15 anos

Christine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu

Já se sabia que os resultados do Banco Central Europeu (BCE) iam piorar devido à subida dos juros que se começou a experienciar no ano passado, e tal concretizou-se com a apresentação de perdas na sua atividade operacional. Porém, a autoridade monetária consumiu parte do dinheiro que tinha colocado de lado para situações deste tipo e, assim, conseguiu sair de prejuízos e apresentar um resultado líquido nulo. Porém, nos próximos anos, as perdas deverão mesmo ser uma realidade.

O resultado zero compara com os 192 milhões de euros que foram alcançados pelo BCE em 2021, depois de ter atingido o pico com os 2,4 mil milhões de euros em 2019. Desde 2007 que não havia um resultado tão magro como aquele que a entidade sediada em Frankfurt divulgou esta quinta-feira, 23 de fevereiro.

Com estes números, a decisão da autoridade presidida por Christine Lagarde foi não distribuir dividendos pelos “acionistas”, que são os bancos centrais do euro. Algo que não acontecia desde 2004.

O que justifica estes resultados

Esta descida dos resultados do banco central contrasta com os melhores lucros (muitos recorde) que o sector da banca comercial está a apresentar, que aproveitam a subida de juros ditada pelo BCE para alargar as suas margens.

Uma das partes relevantes com peso neste magro resultado do BCE está relacionada com o sistema de transferências em tempo real europeu, o TARGET2, em que os custos do BCE perante os bancos centrais nacionais dispararam em 2022 – a taxa a que são calculados disparou.

Houve igualmente uma muito maior amortização (reconhecimento total da perda de valor) de carteiras de ativos próprios e em dólares americanos, tendo em conta a subida significativa das taxas a eles associadas (as chamadas yields).

Com base nestes contributos, os resultados operacionais da instituição bancária foram negativos. Mas o BCE tem uma provisão para riscos gerais, que vai “enchendo” ou “esvaziando” consoante a avaliação de riscos que faz. Foi o que aconteceu.

“Na sequência da revisão anual, o Conselho do BCE decidiu libertar 1,6 mil milhões de euros da provisão para riscos financeiros para compensar as perdas incorridas em 2022, após o qual os resultados financeiros do BCE passam a zero”, indica o relatório divulgado. A provisão passou a ter 6,6 mil milhões de euros.

Em 2022, o BCE continuou a ver crescer o seu balanço, ainda que de forma mais moderada, agora em 2,8%, atingindo os 689,9 mil milhões de euros, tendo em conta a sua participação nas compras de ativos nos programas que pretendiam ajudar a economia (e que deverão entrar numa fase de abrandamento e retração).

Prejuízos vão continuar

Dentro do BCE há uma desvalorização deste período de perdas que se irá seguir, já que o seu mandato é assegurar a estabilidade de preços (2% no médio prazo), e não obter lucros – de qualquer forma, a verdade é que, não reportando lucros, não seguem dividendos para os bancos centrais nacionais e isso pode ter impacto nos dividendos que estes entreguem aos Estados.

Em 2021, por conta do ano anterior e tendo em conta a reduzida participação de capital face a bancos centrais de países como a Alemanha ou França, o Banco de Portugal recebeu cerca de 9 milhões de euros.

No curto e médio prazo, a entidade sediada em Frankfurt deverá continuar a apresentar prejuízos, mas não há um prazo certo dado pelo BCE – médio prazo é um horizonte temporal que a autoridade refere para não se comprometer perante os investidores (o Parlamento Europeu este ano pediu um esclarecimento mais concreto sobre este prazo, essencial para o cumprimento do mandato do BCE).

É expectável que a inversão da política monetária do BCE (bem como de bancos centrais internacionais) tivesse esta influência nos resultados. Como forma de combate à inflação generalizada e galopante, os bancos centrais subiram a taxa de juro e isso contrasta com o período em que o BCE comprou a baixos custos dívida pública recorde, que inchou o balanço - e agora assim está, ainda, apesar do novo enquadramento.

Os bancos centrais da zona euro deverão começar a apresentar as contas de 2022 a partir da próxima semana.