A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) está ainda a investigar “elementos” relacionados com a atuação da TAP para com os seus investidores. Luís Laginha de Sousa, que preside ao supervisor do mercado de capitais, declarou esta quarta-feira aos deputados que só pode dar mais informações se o segredo de supervisão for levantado – uma lembrança que deixou no dia em que toma posse a comissão de inquérito à situação da transportadora aérea, iniciativa parlamentar que tem poderes para pedir tal levantamento de segredo.
Questionado sobre as consequências legais para a TAP do facto de ter dado informações incompletas e incorretas ao mercado aquando da saída da administradora Alexandra Reis, em fevereiro de 2022, o presidente da CMVM não quis falar do caso concreto na sua audição na comissão de orçamento e finanças, mas referiu, em traços gerais, o que está a ser feito.
“A principal preocupação de um supervisor é assegurar que os investidores, particularmente aqueles que estão investidos em ações, mas também naturalmente aqueles que têm obrigações, têm toda a informação relevante, atual, correta, para poderem exercer aquilo que é a sua decisão em concreto perante esse emitente”, começou por referir o antigo administrador do Banco de Portugal, que, desde novembro, preside à CMVM.
Ainda que com as ações concentradas no Estado, a TAP tem obrigações cotadas e dispersas por investidores, pelo que tem regras de mercado a cumprir.
Segundo explicitou Laginha de Sousa na audição desta quarta-feira, 22 de fevereiro, no Parlamento, a CMVM “faz essa monitorização”, e, detetando que não estão a ser cumpridas tais regras, “tem ao seu dispor mecanismos”: “levar a que as entidades em causa reponham a situação, e informem o mercado, sem prejuízo de, em função disso, ver se há elementos que possam levar a que sejam tomadas decisões no plano contraordenacional”.
Ora, na situação em concreto da administradora que saiu da TAP com uma indemnização de 500 mil euros antes do fim do mandato por desacordo com a presidente, a CMVM obrigou a que a transportadora aérea fizesse um comunicado ao mercado para deixar claro que a saída se deveu a uma iniciativa da empresa. Depois disso, a autoridade assumiu que estava a avaliar outras “consequências legais”.
PS só vê informação "incompleta"
O tema TAP foi transversal aos partidos presentes na audição: foram feitas perguntas pelo PSD, Chega, IL e PCP, sendo que o PS só levantou o assunto na segunda ronda, após as questões feitas pelos restantes partidos.
E num dos pontos o PS posicionou-se: a TAP não mentiu quando falou na saída de Alexandra Reis. “O que está lá é muito claro. Houve rescisão de Alexandra Reis”, declarou o deputado socialista Carlos Pereira.
“Quando muito, é possível dizer que estava incompleta”, disse Carlos Pereira. O que estava “oculto” é que houve um “processo negocial” anteriormente. “Parece-me evidente que é possível conciliar que, antes da rescisão, houve processo negocial”, disse. Um posicionamento do PS que surge antes mesmo de tomar posse a comissão de inquérito da TAP (o que acontecerá esta quarta-feira à tarde).
O comunicado da transportadora de fevereiro de 2022 falava na rescisão, dizendo que Alexandra Reis apresentava a “renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios”.
Dez meses depois, com a pressão da CMVM após as notícias sobre a indemnização, é referido pela TAP que a saída “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra Reis e a TAP”.
O deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, considera que os dois comunicados são inconciliáveis, não vê apenas incompletude da informação, como o PS: “as duas coisas não são a mesma informação”.
Sem prazos
Sobre o futuro, nomeadamente as “consequências legais”, Laginha de Sousa não se quis estender. Admitindo que “todos” gostariam que os processos fossem rápidos, “é preciso recolher” dados; é isso que está a acontecer.
O objetivo é que as equipas internas tenham “todos os elementos que consideram adequados para produzirem as suas recomendações e propostas de decisões” – que depois têm de ser ratificadas, ou não, no conselho de administração. “É isso que se aplica a todos os casos e, se é a todos, aplica-se também a este”, frisou.
O antigo responsável da gestora da Bolsa de Lisboa (Euronext) deu apenas uma garantia: “O que venha a ser decidido será divulgado o mais rápido possível”. “A minha expectativa é que não demore muito tempo ter esse resultado, mas não quero indicar uma data. Não estamos a falar seguramente de meses”. Não se sabe quando será, nem se chegará a tempo da comissão de inquérito à TAP, que toma posse esta quarta-feira, e que tem 90 dias de duração (que poderá ser estendida aos 120 ou mais, se suspenso o calendário).
Tal como a CMVM, a Inspeção-Geral das Finanças (IGF) está a investigar o que aconteceu na TAP para os moldes da rescisão de Alexandra Reis, mas também não dá indicações de prazo para as suas conclusões.
Segredo a levantar
“Não podemos entrar no caso em concreto, há um estatuto, um segredo que se aplica à supervisão”, declarou. “Independentemente do que às vezes possa ser a vontade de cada membro do conselho, a CMVM tem de ser o garante da aplicação do que é esse estatuto e das regras a que está sujeita de sigilo sobre cada caso concreto”, continuou, com um acrescento: a CMVM “respeitará todas” as decisões que sejam tomadas, e que cumpram “todos os preceitos legais que levantem o sigilo”.
As comissões de inquérito, por terem poderes parajudiciais, têm previsto no seu regime a quebra do segredo quando há recusa de prestação de depoimento, entrega de documentos ou apresentação de informações.