A Rádio Comercial, M80, Cidade FM, Smooth FM e Batida FM são desde junho de 2022 propriedade do grupo alemão Bauer Media, que as comprou ao grupo Media Capital, proprietário da TVI e da CNN Portugal. É um dos maiores grupos de media do mundo, presente em 15 países, essencialmente na Europa, e que tem trazido às rádios portuguesas “foco” e “experiência acumulada” no áudio digital, uma área de negócio para a qual uma análise feita pela empresa de estudos de mercado Marktest aponta um potencial elevado de crescimento. Pretexto para uma conversa com Salvador Ribeiro, o gestor que lidera a operação da Bauer em Portugal, após vários anos ligados aos media, quase sempre a empresas do grupo Media Capital - à exceção do período entre 2004 e 2009, em que passou pela TSF -, e que se manteve ao comando do negócio das rádios após a compra pela Bauer.
A conversa teve lugar nas instalações históricas das rádios no centro de Lisboa, no número 24 da rua Sampaio e Pina, onde às 4h26 do dia 25 de abril de 1974 o Rádio Clube Português emitiu o primeiro comunicado do movimento das Forças Armadas, um dos momentos marcantes da revolução que há 50 anos instituiu a democracia em Portugal.
Quase dois anos depois de o grupo Bauer Media ter comprado as cinco rádios que eram da Media Capital, o que mudou na empresa?
A Bauer Media trouxe foco no negócio do áudio, é um grupo que tem uma operação de áudio muito forte em alguns países europeus, com grande conhecimento do mercado do áudio por essa Europa fora, em países que têm níveis de maturidade do mercado muito maiores que o nosso, nomeadamente os nórdicos e o Reino Unido e a Irlanda. A mobilidade das pessoas no dia-a-dia é feita de uma maneira diferente nesses países, em redes de transportes públicos, e por isso tudo o que é consumo digital é uma necessidade para quem quer estar atualizado. Esse trabalho em mercados mais maduros que o nosso acaba por nos trazer uma experiência acumulada muito grande.
Há algum projeto conjunto que tenham lançado?
Sim. Lançámos há um ano em Portugal o AudioXi, uma plataforma de monetização programática de áudio digital. Era a peça que faltava no nosso puzzle. Nós temos muito conteúdo digital em podcast, em rádios exclusivamente digitais, mas faltava-nos uma peça que nos permitisse a monetização desse áudio digital. O modelo que adotámos é muito semelhante ao que está na Irlanda, na Polónia e na Eslováquia.
Como é que funciona?
Basicamente disponibilizamos ao mercado publicitário através de plataformas programáticas um inventário muito grande de áudio, de produção nossa e de produção de parceiros. Comercializamos também através do AudioXi um conjunto de plataformas de áudio como o SoundCloud, o Deezer ou o TuneIn, disponibilizamos ao mercado esse inventário devidamente segmentado, que nos dá uma capacidade de segmentação grande e, portanto, de viabilização de alguns projetos editoriais em plataformas digitais. A capacidade de segmentar públicos através de conteúdos áudio é a grande valia.
Como está o mercado do áudio, em especial o da rádio, em Portugal?
A morte da rádio já foi ditada várias vezes, e isso também foi dito quando se começou a ver a expansão dos produtos de áudio digital, mas é extraordinário que estejamos num momento em que o áudio digital – apontado como uma grande ameaça à rádio – está a proliferar, ao mesmo tempo que se verifica o maior nível de audiências que a rádio alguma vez registou em Portugal. Isso confirma que estamos a falar com públicos diferentes. Estamos a ir buscar maioritariamente públicos novos e por isso um grupo como o nosso, que é especialista de áudio, tem condições naturais para desenvolver esses conteúdos. Depois, a rádio tem a capacidade de se estender, podemos criar um programa que está no éter, no negócio tradicional, e continuá-lo depois no digital. É muito curioso ver o comportamento das diferentes gerações em termos de consumo de áudio digital: quanto mais novas são, mais consomem, o que significa que a Geração Z, que nasceu entre 1996 e 2010, é grande consumidora, 80% dessa geração consome diariamente conteúdos de áudio digital, seja música, seja rádios em formato digital, seja podcasts, e esses hábitos também existem nos Baby Boomers, pessoas que nasceram antes de 1965 e que, apesar de terem níveis de consumo mais baixos, também ouvem estes conteúdos. 67% do consumo é feito através dos telemóveis, seja no carro, seja noutras ocasiões. É um número esmagador.
Esta evolução é surpreendente?
A utilização que as pessoas dão ao áudio digital não é muito diferente da que dão à rádio: 60% do consumo de áudio digital é feito enquanto se está a conduzir, uma coisa perfeitamente alinhada com a rádio. 55% é na execução de tarefas domésticas, 46% a trabalhar e 45% a relaxar. 80% do consumo de áudio digital é feito em música, logo a seguir vem o humor, depois vem a busca de entretenimento e depois as notícias. Nos podcasts especificamente, quanto mais velhas são as pessoas, mais valorizam a portabilidade, a conveniência. É um conteúdo que se consegue ouvir quando e onde se quiser. As gerações mais novas, millennials e geração Z, não valorizam isso porque para eles isso é um dado adquirido, valorizam antes a partilha dos conteúdos. Há outro dado que diz que 55% das pessoas recomendam os podcasts que acabaram de ouvir, o que mostra que há um ecossistema a funcionar, um círculo virtuoso de partilha. Por isso, quando me dizem que as gerações mais novas já não ouvem rádio, áudio, os números mostram o contrário, eles ouvem menos tempo porque têm a atenção muito mais dispersa por vários tipos de conteúdo e vários aparelhos mas são os maiores utilizadores destas ferramentas de áudio digital. O que mudou foi a forma como consomem os conteúdos.
Nunca houve tanto consumo de conteúdos das empresas de media mas olha-se para a realidade empresarial dos grupos de comunicação social e muitos vivem num ambiente de receitas em queda e corte de custos. Como é que se tira dinheiro deste consumo em níveis históricos, atendendo a que há uma concorrência a nível mundial?
Com as ferramentas que temos conseguimos oferecer ao mercado aquilo que o mercado quer, as audiências, os contactos de qualidade e devidamente segmentados. Vivendo num mercado com a dimensão do português, somos muitas vezes forçados a concorrer com as plataformas mundiais. Os agentes de mercado têm de ter consciência que os benchmarks não podem ser feitos diretamente, o facto de ter conteúdos credíveis, falados em português, tem valor acrescentado e não pode ser confundido com qualquer motor de busca. Acho que os agentes mercado percebem essa diferença, o que são conteúdos de qualidade, confiáveis e, portanto, tendem a premiar esses conteúdos do ponto de vista qualitativo e financeiro.
As marcas de media têm de se refrescar e de rejuvenescer?
A reinvenção dos grupos de media é um desafio permanente. Tem-se falado muito da inteligência artificial, na necessidade de criar limites, regras ou códigos de ética nessa área. Tenho a certeza que o papel do jornalismo vai voltar a ser tão importante como já foi. A ideia de que o que interessa é dar as notícias o mais rápido possível, ser o primeiro, vai acabar mas vai surgir a ideia de que a verificação das fontes, que é outro dos papéis dos jornalistas, vai prevalecer e, portanto, o papel do jornalista enquanto verificador de fontes vai ser absolutamente decisivo para distinguir o trigo do joio. Somos todos convocados a ir alterando um bocadinho o papel que temos com a evolução tecnológica e das sociedades. As marcas de media vão ser os garantes da veracidade das informações que vão sendo vinculadas. Se eu amanhã apanhar numa plataforma qualquer uma fotografia de alguém num comportamento menos próprio, vou ser levado a desconfiar. Mas se essa mesma fotografia foi publicada pelo Expresso ou pelo site da Rádio Comercial ou pelo site da M80 ou por algum outro qualquer meio de comunicação credível com reputação imaculada, eu vou acreditar naquela fotografia. A utilização de ferramentas de inteligência artificial vai exigir um escrutínio muito maior. Vivemos num mundo em que um ruídozinho numa rede social pode ganhar uma escala brutal, cabendo aos media validar a credibilidade ou não dessas informações.
Temos tido uma discussão em Portugal sobre eventuais apoios às empresas de media. Há já um consenso alargado sobre a importância de proteção da comunicação social em Portugal ou esse é um caminho que ainda é preciso fazer?
É um caminho que ainda é preciso fazer. Acho que a necessidade é inequívoca. Mas mais do que medidas de intervenção, sou muito mais apologista de que devemos saber viver em mercados em contextos ágeis, livres de burocracia do que propriamente de medidas corretivas, porque acho que elas são sempre de curta duração. Prefiro muito mais uma sociedade que tem alicerces sólidos e onde não só nos media, mas noutras áreas da atividade económica, os agentes podem criar. No final do dia o consumidor é que dita muito o sucesso ou não dos produtos. Se não oferecemos ao consumidor os conteúdos em que ele tem interesse, que ele procura, é um falhanço.
O sector dos media em Portugal tem conseguido adaptar-se às necessidades dos consumidores?
Acho que sim. Dada a escala do país e os desafios que tem, é um bom exemplo de dinamismo, gosto de acreditar que a Bauer é um dos bons exemplos, com as suas estações de rádio e os seus podcasts, podemos ver isso não só em termos de audiências, mas também nos eventos que produzimos.
Defendem algumas medidas para apoiar o sector dos media?
Penso que é preciso regular a relação das plataformas mundiais com os produtores de conteúdos. É um tema muito complexo, não há respostas fáceis, por isso gosto muito mais de olhar para a qualidade daquilo que nós produzimos e para a capacidade do sector de se reinventar. Não vou elencar medidas que penso que devam ser adotadas, prefiro acenar a bandeira dos mercados pouco burocratizados, mais leves. Há obviamente em Portugal, de uma forma geral e não só no sector dos media, questões de fiscalidade a poderem ser revistas, uma série de temas que não se aplicam só aos media.
O Expresso noticiou que a Bauer esteve a negociar a compra da TSF. Ainda estão interessados?
Tudo o que se possa dizer neste capítulo está no campo da especulação. O que posso dizer taxativamente é que a Bauer está disposta a olhar para tudo o que são oportunidades que entenda que façam sentido no negócio que temos e estamos a falar de rádio, de empresas de conteúdo digital, de tecnologia, de emissores, estamos a falar de todo o nosso ecossistema.
Mas ter uma rádio de informação faria sentido para a Bauer, através de uma compra ou criando uma de raiz? O grupo Bauer tem rádios só de informação nos outros países?
O grupo tem algumas sim. Nós temos uma redação na Bauer Portugal, com muita qualidade, que tem uma nova diretora, a Teresa Mota, e temos a partir da redação a capacidade de desenvolver conteúdos o mais diversos possíveis pelo que não é preciso adquirir seja o que for para produzir esses conteúdos.
Criaram uma área de negócio específica na área dos eventos, a estratégia que tem vindo a ser seguida de levar os programas da rádio para outros palcos é para fortalecer?
Temos muitos exemplos no grupo Bauer que seguimos e com os quais aprendemos mas os nossos eventos são um caso felicíssimo que a Bauer vem observar. Vieram cá já várias vezes colegas nossos de outros países ver o que fazemos e o comportamento dos nossos públicos e é extraordinário ver que nesse campo damos cartas. Vamos querer explorar de uma forma mais profissional e profunda os conceitos de eventos que temos, mas vamos também querer criar conceitos novos à volta das nossas marcas. A rádio tem uma relação emocional insubstituível e a relação que as rádios, não só a Comercial, mas também a M80 e a Cidade conseguem estabelecer com os seus auditórios, leva a que tenham capacidade de criar eventos com algum nível de adesão. São eventos únicos, não comparáveis com outros eventos e por isso temos um potencial muito grande nas nossas mãos.
Qual a percentagem dos eventos nas receitas?
Nós não falamos de volume de negócios nem de resultados. Os eventos funcionam como um dois em um, são um modelo de negócio inequivocamente e por outro lado estabelecem uma relação ainda mais profunda entre os ouvintes e as estações.
Como é que têm conseguido manter a liderança conquistada primeiro em 2012 com a Comercial, a nível de estações, e depois em 2015 com o conjunto das vossas rádios, a nível de grupos?
É muito bom estar na liderança, é o reconhecimento do trabalho que se faz nesta casa, mas é ao mesmo tempo uma exigência muito grande, estar permanentemente a inovar e a surpreender, não só na Rádio Comercial, que é o navio almirante da casa, a estação mais ouvida de Portugal, mas também na M80 que tem um papel muito importante e na Cidade, que lidera entre as estações para os públicos mais jovens. As outras duas, a Smooth FM e a Batida, são mais de nicho. Estamos em níveis históricos de audiências. Quando a Rádio Comercial conquistou a liderança pela primeira vez em junho de 2012, as audiências dos 2 canais mais ouvidos em Portugal, a Comercial e a RFM andavam à volta dos 12% a 14% de audiência acumulada de véspera. A Rádio Comercial hoje tem 21%. Além de termos passado o nosso principal concorrente, ainda acrescentámos muita audiência. E a M80 anda na casa dos 8,5%. É o seu máximo histórico. A Cidade FM na anterior vaga teve o melhor resultado dos últimos 18 anos.
A RFM assumiu-se em setembro de 2022 como líder, o que na altura levou a uma troca de recados entre vocês e eles...
Nem eu nem os especialistas de media detetamos qualquer vestígio de liderança, mas não vou alimentar essa polémica. A Rádio Comercial é líder absoluta de audiências, lidera há muitas vagas consecutivas desde 2012. E isso é um conforto e um sinal de que os públicos nos escolhem.
Como estão a correr os vossos podcasts?
Lançámos recentemente dois, "Histórias fora do jogo" de Paulo Rico, e as “Receitas da tia Cátia”, com a Cátia Goarmon. Estamos a lançar muitos podcasts. Procurámos fazê-lo não só com as pessoas que cá trabalham, os talentos internos, como o Pedro Ribeiro, que teve um grande podcast sobre amizades, "Poucos mas bons", mas também indo buscar fora alguns talentos, como a Inês Castel-Branco, com o podcast "Inacreditável”. Fico muito contente por haver grande concorrência nesta área porque acho mais desafiante ver o grupo Impresa (Expresso/SIC) e o Observador, para dar dois exemplos, a entrarem nesta área com toda a força.
E dão muito dinheiro?
É um negócio no qual eu acredito. Tem um potencial muito grande.
A digitalização tem sido uma aposta crescente e inevitável nos grupos de media mas face à erosão das receitas tradicionais as receitas digitais ainda são baixas?
É um erro enorme pegar nas receitas do negócio tradicional e querer aplicá-las ao digital. Se por um lado o digital nos dá uma possibilidade enorme de produção de conteúdos por outro lado cada conteúdo não vai ter o alcance que os que são distribuídos em plataformas tradicionais vão ter. É um somatório de conteúdos que temos para oferecer ao mercado. Achar que eles são comercializados da mesma maneira e que têm o mesmo nível de sucesso não faz sentido. Nisso a tecnologia ajuda muito porque nos baixa custos, dá mais rapidez e possibilidades. Não sou nada cético ou pessimista, sou muito otimista atendendo aos sinais que as pessoas dão. 40% das pessoas aumentaram o consumo de áudio digital em geral, e de podcasts em particular, no último ano. E 30% esperam aumentar ainda mais este ano. O que significa que nós estamos perante uma área que está a crescer, que se está a desenvolver. 40% é um número absolutamente extraordinário.
É uma questão de volume.
Sim. Nós estamos a aumentar a produção de conteúdos e as pessoas estão a reagir. Se nós tivermos conteúdos de qualidade e boas audiências, o mercado publicitário vai responder. E é nisso que estamos apostados.