Impostos

IMI das barragens: “A pergunta é bastante simples, o que mais temos de fazer para a EDP pagar impostos?”, lança Mariana Mortágua

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, lembra que alertou para os riscos de caducidade do imposto de 2019 e revela que está concluída a avaliação de 83 barragens e feita a liquidação de IMI de 32 hidroelétricas

A barragem do Alto Lindoso. Foto: EDP

Um requerimento apresentado pelo Bloco de Esquerda (BE) levou de novo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, ao Parlamento, numa marcação de última hora, por causa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) das barragens.

Depois da caducidade do imposto de 2019, com a entrada em 2024, o governante afirmou que, “se não existir nenhuma circunstância anómala, como uma providencia cautelar, haverá condições para a cobrança do imposto de 2020”. Isto porque “partimos de uma posição em que temos a avaliação de mais de 80 barragens concluída – e se não me falha a memória estarão todas as barragens de Bragança, que têm gerado particular atenção”.

Mariana Mortágua, do BE, abriu a sessão dizendo que a pergunta que deve ser feita sobre este assunto é “bastante simples”: “O que mais temos de fazer para a EDP pagar impostos”. Na opinião da deputada, trata-se de a “única questão que marca esta audição”, dada a quantidade “de audições, de perguntas e das vezes em que esta história foi contada”.

“Durante décadas as barragens não pagaram IMI e depois veio o negócio da venda das barragens [pela EDP à Engie em 2020], surge um movimento popular [Movimento Cultural da Terra de Miranda] e de pressão das autarquias [em particular da região de Bragança] – também por parte de alguns partidos – e o Governo muda de opinião e determina que as barragens têm de ser avaliadas e o IMI deve ser pago”, resumiu Mortágua.

Porém, o imposto de 2019 caducou, apesar dos “avisos” que foram feitos e das “garantias que ouvimos de que tudo seria feito para que a avaliação [das barragens] estivesse feita em 2023, para que o IMI não caducasse”.

“Um ano de alertas, dois despachos [do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais], várias audições, reuniões e a AT [Autoridade Tributária e Aduaneira] conseguiu deixar caducar o IMI de 2019”, criticou a líder do BE, perguntando a Nuno Santos Félix: “Porque é que caducou, como é possível e quais são as consequências? Alguém tem de assumir as responsabilidades de um falhanço desta natureza, foi a AT, foi a tutela?”.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assumiu que “o tema da possível caducidade foi aqui amplamente debatido e foi transmitido que a AT estava empenhada em cumprir o despacho e em desenvolver as diligências necessárias [para a cobrança do IMI]”, justificando que “havia um conjunto de direitos e de garantias dos contribuintes que sendo exercidos podiam levar a que não se terminasse o processo em tempo útil para se cobrar o imposto de 2019”.

Nuno Santos Félix fez ainda notar que não está em causa apenas um ano de imposto, mas sim “décadas de não cobrança de IMI”. Na sua opinião, o importante “é que estão a ser concluídas as avaliações e a inscrição nas matrizes para de futuro podermos acautelar a cobrança do IMI”.

O governante adiantou que a informação que lhe foi transmitida ontem, quarta-feira, dia 10, pela AT dá conta da conclusão da avaliação de 83 barragens no país e feita a liquidação de IMI de 32 hidroelétricas.

Por seu turno, Carlos Brás, do PS, destacou, igualmente, o facto de se terem passado décadas sem que houvesse pagamento de IMI, manifestando que não é “surpresa” a caducidade do imposto de 2019, já que é “uma questão complexa e extensa, que tem atravessado vários governos, em que vários titulares passaram por esta pasta e o secretário de Estado [Nuno Santos Félix] teve a coragem para levar em diante a cobrança do IMI”.

Disse ainda que carecia de ser esclarecida a existência de dualidade de critérios nos cálculos da AT, em que nuns casos entra para avaliação o terreno e noutros não, por exemplo.

O problema dos critérios usados na avaliação

O titular dos Assuntos Fiscais reconheceu que “tem existido alguma celeuma na utilização dos critérios de avaliação” e explicou que a AT tem vindo a aplicar no caso das barragens “o método do custo”, à semelhança do que acontece com outros empreendimentos, como os parques eólicos, depois das respetivas avaliações terem dado muita litigância entre o Fisco e as empresas de energia. “A informação que tenho da AT é que procuraram nestas avaliações adotar o mesmo critério para evitarem novos focos de litigância nesta matéria”.

Sobre se o valor do terreno ou até o valor da água devem ser tributados, o governante fez notar que o princípio do IMI é tributar a titularidade dos imóveis, excluindo o Estado. “Se a barragem é uma construção privada da titularidade de uma entidade privada deve ser tributada. Já se o terreno e água devem ser considerados? Depende do entendimento que tivermos sobre a propriedade da água e do terreno”, referiu Nuno Santos Félix.

Já o social-democrata Artur Soveral fez notar que o prazo de caducidade do IMI de 2019 só chegou ao termo porque a AT “não se mexeu”, assinalando que não é correto “culpar os contribuintes por terem usado dos seus direitos”. Quem esteve mal, afirmou o deputado do PSD, foi o Fisco, nomeadamente, “por ter reconhecido tardiamente que existia incidência [para o imposto] e, depois, na quantificação”, que levaram a não ter havido liquidação, nem cobrança atempadas.

“Estou convencido de que se a AT oferecesse boleia a um caracol ele recusaria porque tinha pressa”, apontou Soveral Andrade, frisando que “é a AT a fazer favores aos do costume”, numa situação que priva os “municípios de receitas e que os inibe de aliviar outros custos para os cidadãos como a água”. “Perdões aos poderosos, traduzem-se em mais massacre fiscal para as populações”, considerou.

Por sua vez, Nuno Santos Félix frisou que “a litigância é uma variável incontornável” e, sobre a demora na atuação da AT, atirou a Soveral Andrade: “Porque é que [o processo para a cobrança do IMI] não foi feito há dez ou há 20 anos?”

Insistiu ainda que “houve um momento de mudança” e que, “nestes meses, andou-se mais do que em décadas e essa é verdade que devemos reconhecer”.

O parecer de 2005 da PGR

Pela voz de Rui Afonso, do Chega, vieram críticas ao facto da AT não ter cumprido o despacho de fevereiro de 2023 do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que teve de emitir um segundo despacho, em agosto. “Não é normal que a AT precise de um despacho da sua tutela política para cumprir a sua função de cobrar impostos”, fez notar o parlamentar, classificando o despacho como “um ato insólito”.

Lembrou ainda o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), de 2005, onde ficou estabelecido que as concessionárias são as proprietárias das edificações das barragens.

O segundo despacho de Nuno Santos Félix surge depois de uma série de dúvidas e de pedidos de informação que a AT fez junto da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). O secretário de Estado lembra que foi “assertivo” nesse despacho de agosto “para que ninguém tivesse dúvidas sobre a prioridade que deve ser dada neste domínio”.

A (falta de) equidade fiscal foi o mote da intervenção de Duarte Alves, do PCP. O deputado espera que o requerimento potestativo feito pelo partido na sexta-feira, dia 5, leve ao Parlamento, a breve trecho, o ministro das Finanças, Fernando Medina, pois o IMI das barragens encerra “matéria política que tem que ser esclarecida ao nível da equidade fiscal” – cuja ausência, fez notar Duarte Alves, coloca “em causa a credibilidade no próprio sistema fiscal”. Na sua opinião, estamos perante “uma discrepância entre a forma como a AT trata os pequenos contribuintes e os grandes”.

Disse ainda que a AT não tinha necessidade de ter pedido informações à APA e lembrou, por exemplo, que os “aproveitamentos hidroelétricos já constavam das matrizes e que, em 2017, a APA já tinha enviado a listagem das barragens existentes no país”.

Além disso, acrescentou Duarte Alves, “a AT terá acesso à contabilidade das concessionárias”, lembrando que “existe uma unidade de grandes contribuintes para este acompanhamento, bem como acesso aos contratos de concessão”.

Na sua opinião, houve uma “tentativa deliberada” da AT “para atrasar este processo” e perguntou ao secretário de Estado quais são as “consequências que se tiram da atuação da diretora-geral da AT?”.

Nuno Santos Félix defendeu a AT, dizendo “que nos últimos meses foi feito mais do que nas últimas décadas” e revelou que, também, se questionou porque é que Administração Fiscal “não recorreu simplesmente à informação que tinha nas matrizes”. A resposta? “É simples”, afirmou, revelando que a “informação era antiga e desatualizada e em alguns casos tinha incorreções”.

Além disso, “nem todas as barragens estavam na matriz e não haveria um tratamento uniforme” pela AT de todos os contribuintes em causa, referiu o secretário de Estado, reafirmando que houve a “preocupação” de fazer “um trabalho de tributação sólido para o futuro”. Informou ainda que “não basta ir à informação que está na contabilidade”, até porque, nomeadamente, “não estão lá as plantas das infraestruturas”.

Está marcada para esta tarde, às 18h00, uma audição à diretora-geral da AT, Helena Borges.

(Notícia corrigida no número de hidroelétricas com IMI liquidado)