A redução do IRS prevista no Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024) representa, em média, um aumento de cerca de 2% do rendimento disponível das famílias, o dobro do verificado em 2023, indica o Boletim Económico de Dezembro de 2023, do Banco de Portugal (BdP).
E a vantagem económica traz vantagem, sobretudo, às famílias com rendimentos mais elevados, acrescenta a análise do regulador, numa conclusão em linha com as simulações publicadas pelo Expresso.
“Em termos distributivos, o conjunto das alterações ao IRS beneficia relativamente mais os indivíduos situados em decis de rendimento mais altos: 2,4% e 2% no nono e décimo decis, que compara com 0,2% e 0,5% no primeiro e segundo decis”, refere o BdP.
A explicação, indica o boletim, tem de ver com o facto de o impacto da redução das taxas de imposto, “o mais dominante em todos os decis de rendimento”, ser crescente ao longo da distribuição (até ao nono decil). Ou seja, embora o aumento do mínimo de existência beneficie mais quem está na primeira metade da distribuição, “o seu efeito é bastante modesto comparado com os gerados pelas medidas sobre os escalões e as taxas de imposto”.
O OE 2024 traz uma redução transversal do IRS e o reforço de prestações sociais, como o rendimento social de inserção, o complemento solidário para idosos e o abono de família, sintetiza o BdP. Para aferir o impacto destas mudanças, os técnicos do BdP recorreram ao modelo de simulação EUROMOD8 e aos dados do EU-SILC (Estatísticas da União Europeia sobre Rendimento e Condições de Vida) para quantificar os efeitos diretos sobre a distribuição do rendimento disponível, “face a um cenário sem alteração de políticas” – fora da equação ficaram o aumento do salário mínimo e do indexante de apoios sociais, nem foram consideradas, “pela sua natureza, as medidas temporárias em vigor”.
Assim, as alterações ao IRS incluem a redução das taxas marginais do imposto (até ao 5º escalão) e a atualização dos escalões do imposto em 3% para acompanhar a inflação esperada em 2024, bem como a atualização do mínimo de existência em linha com o salário mínimo a vigorar em 2024 (820 euros por mês). “No seu conjunto, estas alterações implicam uma diminuição da taxa média de imposto de 15% para 14%”, indica o boletim.
Concorrência ao IVA
O BdP revela que, entre 2000 e 2022, o peso da receita de IRS no Produto Interno Bruto (PIB) em Portugal aumentou 1,7 pontos percentuais (p.p.) para 7%. Neste período, o IRS aumentou também o seu peso na receita pública total para 15,9%, “posicionando-se como o segundo imposto mais relevante”, perto do grande motor de receitas fiscais, que é o IVA.
“O crescimento da receita de IRS foi mais rápido do que o do rendimento de salários e prestações sociais, resultando no aumento da taxa média deste imposto”, assinala o boletim, esclarecendo-se que tal evolução “pode ser atribuída a modificações na legislação tributária, com um impacto estimado de 1,3 p.p., e a outros fatores, incluindo o efeito combinado da progressividade e das alterações na estrutura salarial da economia, e melhorias administrativas da eficácia na arrecadação da receita”.
Enormes e múltiplas mudanças no IRS desde 2000
As alterações legislativas às quais o imposto foi sujeito desde 2000 “foram numerosas”. Lembra o BdP que durante o Programa de Assistência Económica e Financeira se verificou um agravamento da tributação: a taxa máxima do imposto passou para 46,5% em 2011, o que compara com 40% até 2005 e 42% entre 2006 e 2010, e, em 2013, aumentou para 48%.
Em 2011 e entre 2013 e 2016 esteve em vigor uma sobretaxa de 3,5% e, desde 2012, persiste uma taxa adicional de solidariedade para os rendimentos mais elevados (2,5% nesse ano, sendo acrescentado um novo escalão de 5%, em 2013). Registaram-se, também, diversas alterações no número de escalões, com uma redução de oito para cinco, em 2013, um aumento para sete, em 2018, e nove, em 2022. Além disso, fez-se a “convergência da tributação das pensões para os rendimentos do trabalho e introduzidas limitações aos benefícios e deduções fiscais, em particular para os contribuintes com rendimentos mais elevados”.
A análise do BdP mostra, igualmente, que a “taxa média efetiva de IRS em Portugal é baixa, apesar de a taxa máxima [48%, a que acrescentam taxas de solidariedade, entre os 2,5% e os 5%] ser uma das mais elevadas na área do euro”.
É dito ainda que a comparação da incidência do IRS nos diferentes países deve ser feita a partir das taxas médias efetivas de imposto, já que as taxas máximas, “que geralmente estão mais facilmente acessíveis, têm pouco valor informativo e as taxas marginais não refletem a distribuição do rendimento”.
O cálculo da taxa média efetiva de IRS com base em dados macroeconómicos revela que, após um aumento expressivo em 2013, esta taxa se reduziu progressivamente desde 2015. Aliás, “desde 2000, Portugal tem-se situado quase sempre abaixo da média da área do euro, posicionando-se em 2021 nos 25% dos países com as taxas médias de IRS mais baixas”.
Não obstante, a taxa máxima em Portugal “é uma das mais elevadas da área do euro, mas aplica-se a uma fração muito reduzida dos agregados familiares”.
20% das famílias pagam 70% do imposto
Outra perspetiva do BdP revela que, em Portugal, os 20% de agregados familiares com maiores rendimentos acumulam quase metade do rendimento antes de IRS e suportam 70% deste imposto. “A conjugação da isenção de imposto para rendimentos baixos e taxas de imposto progressivas com a desigualdade na distribuição do rendimento levam a que a receita de IRS esteja muito concentrada nas famílias com maiores recursos”.
A taxa média de IRS é “inferior a 6% nos primeiros três quintis de rendimento disponível por adulto equivalente (até 12.656 euros anuais) e apenas assume um valor superior a 20% no último quintil (mais de 17.253 euros anuais), ilustrando a progressividade do imposto”. É também esta franja de agregados com rendimentos superiores que têm uma taxa média superior à da área do euro (22% e 20%, respetivamente). São agregados com “uma fração do rendimento antes do IRS de 45% em Portugal, superior aos 41% verificados na área do euro, e suportam 70% do IRS”.
Progressividade não elimina a desigualdade
Mesmo assim, embora o IRS seja mais progressivo em Portugal, tal não é suficiente para eliminar a maior desigualdade no rendimento face aos congéneres da zona euro, sublinha o BdP.
“Existem vários indicadores para medir a desigualdade na distribuição do rendimento, sendo o índice de Gini e o rácio S90/S10 dos mais comuns”, refere o regulador para dizer, de seguida, que “em Portugal, a desigualdade do rendimento é superior à média da área do euro de acordo com ambos os indicadores, tanto antes como após impostos”.
A conclusão é de que os 10% de agregados com maiores recursos dispõem, antes de imposto, de um rendimento 10 vezes superior ao dos 10% que ganham menos e a aplicação do imposto permite baixar este rácio para 7,4 vezes.
O BdP deixa a recomendação de que atendendo à estrutura do IRS em Portugal que prevê, nomeadamente, uma nula ou muito baixa tributação dos rendimentos mais baixos, as políticas de redução do imposto devem ser “apenas um dos diversos instrumentos utilizados na política redistributiva”.
Assim, “o papel desempenhado pelas prestações sociais é também muito importante nesta perspetiva, pelo que se impõe uma abordagem abrangente”. Além disso, frisa o regulador, há que ter em conta o impacto orçamental de descidas das taxas: “Como o IRS é uma das principais fontes de receita das administrações públicas, qualquer alteração deve ser conciliada com o espaço orçamental existente, tendo em conta a componente cíclica do saldo e uma perspetiva estrutural de médio-prazo”.