Impostos

Industriais dos produtos à base de carne perguntam: porque é que o queijo e a alheira pagam menos IVA do que o fiambre ou o chouriço?

A alheira vai passar a pagar 13% de imposto em vez dos atuais 23% a partir de 2024 e os empresários que fabricam outros fumeiros apontam que o Estado está a discriminar alimentos idênticos, além de lembrarem que já existia injustiça no IVA face aos produtos feitos a partir de leite

Daniel Rodrigues

“Inexplicavelmente, a alheira, sendo um produto similar a outros enchidos, tais como o chouriço e a morcela, foi incluída na lista de produtos com valor de IVA intermédio, de 13%, a partir de janeiro de 2024”. A frase consta de uma exposição assinada pela diretora executiva da Associação Portuguesa dos Industriais da Carne (APIC), Graça Mariano, onde é denunciada a alegada injustiça no tratamento fiscal de produtos feitos à base de carne e que foi remetida para o Ministério das Finanças.

Em causa está a aprovação, no âmbito do Orçamento do Estado (OE 2024) para o próximo ano, da redução do IVA dos atuais 23% para 13% nas alheiras, o que coloca em desvantagem, considera a APIC, outros produtos similares que permanecem na taxa normal do imposto (23%).

A baixa do IVA nas alheiras é fruto de uma proposta do Partido Socialista (PS), depois de em 2012 o Governo da altura (liderado por Pedro Passos Coelho) ter aumentado o IVA deste bem alimentar para 23%, recorda num artigo disponível na edição online do semanário regional ‘Jornal Nordeste’.

Entretanto, os deputados socialistas eleitos pelos círculos dos distritos de Bragança, da Guarda e de Vila Real apresentaram uma proposta de alteração ao OE 2024 para que as alheiras voltassem à taxa de IVA intermédia.

Distorção do mercado e perda de competitividade internacional

Porém, para a APIC, esta situação vem distorcer o mercado. Na missiva endereçada ao gabinete de Fernando Medina, a associação diz que “muitos dos produtos alimentares, produzidos pelos nossos associados, não estão bem classificados no que concerne ao regime do valor do IVA”, entre os quais, “os produtos à base de carne: salsicha de lata, fiambre, chouriço, bacon, presunto, paio, entre outros”, que têm sido taxados a 23% de IVA.

A organização defende que “não houve critérios plausíveis, nem técnicos e nem justos para eleger os alimentos a constar na lista oficial dos alimentos com redução do valor do IVA, razão pela qual não listaram os produtos à base de carne”, enquanto assinala que não se percebe “se o valor do IVA intermédio a começar em janeiro de 2024 para a alheira, sendo um produto similar a outros enchidos, também se aplicará aos produtos similares”.

Além disso, realça a APIC, “estando Portugal integrado no mercado europeu, sujeito às mesmas regras da concorrência leal, não se compreende que os mesmos alimentos (salsicha de lata, fiambre, chouriço, bacon, presunto, paio e outros similares), sejam taxados em Portugal, com valores que chegam a ser quatro vezes mais do que os praticados por alguns estados-membros” e apresenta uma tabela com os impostos praticados em diferentes estados-membros.

“Portugal aplica o valor do IVA mais alto aos produtos à base de carne”, critica a APIC, dando os exemplos da Polónia, com IVA de 5%, da França, com 5,5%, e da Bélgica, com 6%. A que soma o caso de Espanha, “com quem os nossos operadores económicos têm mais concorrência”, onde os produtos em causa são sujeitos a uma taxa de IVA de 10%.

Assim, “as empresas junto à fronteira com Espanha sofrem ainda mais com o IVA a 23%, uma vez que fornecendo o mercado local, veem os seus potenciais clientes a fornecerem-se na vizinha Espanha, uma vez que os mesmos produtos ficam mais baratos, face ao facto de usufruírem de um valor de IVA muito mais baixo”, menciona a APIC, frisando que “esta enorme diferença promove uma total desvantagem para os consumidores portugueses”.

Situações de discriminação que se multiplicam

A APIC sinaliza outras potenciais discriminações. “Além da diferença competitiva que o próprio Estado português promove aos seus contribuintes”, a associação sublinha que “o valor elevado do IVA ora praticado em Portugal leva a um menor consumo dos produtos alimentares que não usufruem da redução, já que, em termos de exemplo, se o fiambre fica mais caro do que o queijo (porque este tem IVA reduzido), naturalmente o consumidor privilegiará o uso do queijo em detrimento do fiambre”.

A diferença de tratamento pode ser multiplicada “por milhares de vezes”, garante a APIC, o que faz com que “o consumo dos produtos à base de carne” sejam “de facto afetados e consequentemente também o volume de vendas das indústrias dos produtos à base de carne será menor”.

“Não se entende por que razão na listagem oficial de alimentos com valor do IVA reduzido [6%], não se encontram reconhecidos os produtos à base de carne”, já que também “o queijo e as conservas de atum sofrem transformação”, acrescenta a associação. A APIC reforça a crítica com a pergunta: “Qual é o critério para o queijo (produto de origem animal transformado) ter o valor do IVA reduzido e um produto à base de carne, também produto de origem animal transformado, ter a taxa do valor do IVA máximo?”.

A APIC lembra que as empresas produtoras destes produtos à base de carne ou de enchidos se localizam em zonas do interior, “criando postos de trabalho e assegurando a estabilidade necessária para que seja possível dinamizar regiões que de outra maneira poderiam estar destinadas ao abandono”.

São de empresas “responsáveis pela criação de riqueza e merecem ser apoiadas” e que “apenas pretendem ser consideradas da mesma forma que a indústria da conserva do atum e do leite (sendo todos produtos de origem animal) e estando a laborar no espaço europeu”.

A APIC representa 109 empresas distribuídas por Portugal continental e também nas Regiões Autónomas, que empregam mais de 7100 trabalhadores e o sector gera um volume de negócios anual em torno dos 1244 milhões de euros.

(Notícia atualizada às 16h30 com o volume de negócios do sector)