José Neves demitiu-se do cargo de CEO da Farfetch. A decisão, com efeito a partir desta quinta-feira, foi comunicada aos trabalhadores através de um e-mail a informar que o fundador do primeiro unicórnio de ADN português é substituído por Bom Kim, dono da Coupang, na liderança interina da empresa. Fonte oficial da empresa disse ao Expresso que José Neves também deixou o cargo de presidente.
A mensagem, a que o Expresso teve acesso, dá conta de “atualizações importantes” relativas ao negócio (venda da Farfetch à Coupang) e de “decisões críticas para assegurar o futuro" da empresa, o que passa por “simplificar” para “operar a partir de uma posição de solidez financeira” e vai significar despedimentos.
O foco está no que a Farfetch “faz melhor: oferecer experiências excecionais para marcas, boutiques, clientes FPS e clientes”. E a nova organização, “mais bem estruturada, continuará a avançar com velocidade para desbloquear todo o potencial do espaço de luxo online em que a Farfetch foi pioneira”, afirma a mensagem.
Mudanças nos próximos dias
Com José Neves, nesta fase, deixam também a empresa Helder Dias, Kelly Kowal, Edward Sabbagh, Sindhura Sarikonda, Tim Stone, Luis Teixeira, Nick Tran e Elizabeth Von Der Goltz, o que significa que muitos dos trabalhadores da empresa passam a reportar a novas chefias.
Nas redes sociais circulam mensagem de outros quadros do grupo dando conta de mudanças nos próximos dias, deixando subentendidos despedimentos, mas sem os quantificar. “Temos tido várias discussões sobre orçamento com a Coupang nas últimas semanas, e agora estamos prontos para partilhar o design da nova organização”, diz uma dessas mensagens, atribuída a um responsável da área da engenharia.
No calendário apresentado nesta comunicação, “os colegas em Portugal e na Índia terão informações sobre os seus casos individuais amanhã (sexta-feira)”, os do Reino Unido e dos EUA serão informados na segunda-feira, e no Brasil as notícias devem chegar no final do mês.
“Sei que tem sido difícil e frustrante para todos, mas estamos prestes a encerrar este capítulo para começar um novo para aqueles que ficam”, diz esta comunicação interna divulgada nas redes sociais.
À procura de capital fresco para viabilizar a continuidade da empresa que fundou, José Neves acabou por chegar a acordo para a venda à Coupang em dezembro do ano passado e, na altura, foi anunciado que continuava à frente da Farfetch.
“A Farfetch Limited e os seus consultores financeiros conduziram um processo completo e extenso para garantir liquidez adicional para a Farfetch Limited e as suas subsidiárias. Sem essa liquidez, a Farfetch Limited e as suas subsidiárias não teriam conseguido continuar em atividade”. Foi assim, a 18 de dezembro último, que a Farfetch comunicou o acordo com a Athena Topco, liderada pelos sul-coreanos da Coupang para vender a empresa, com a sua consequente saída de bolsa.
O negócio envolve um empréstimo-ponte de 500 milhões de dólares (€457 milhões) da Coupang, considerada uma espécie de Amazon da Coreia do Sul, à Farfetch, a pagar com o capital da própria empresa, enquanto os acionistas ficaram com os seus títulos a valer zero.
O que mudou na Farfetch depois da pandemia
Na última apresentação de resultados, o unicórnio ainda previa alcançar uma margem de lucros antes de impostos e juros (EBITDA) positiva em até 1% e chegar a um EBITDA ajustado de €365 milhões até 2025.
Saída da pandemia a beneficiar do aumento das compras online e da liquidez reforçada de populações trancadas em casa, a Farfetch acabaria por tropeçar a seguir por razões várias, da derrapagem pós-covid, à saída da Rússia, o terceiro maior mercado da empresa, com uma quota de 7% nas vendas e um crescimento de 70% ao ano, a par do impacto dos constrangimentos impostos pela pandemia na China".
Um período crítico terá sido vivido entre 6 e 28 de novembro, os dias em que anunciou a apresentação de resultados do terceiro trimestre para 29 de novembro e depois cancelou essa apresentação, remetendo-se ao silêncio.
A verdade, é que a diversificação do negócio ditada pela ambição de crescimento rápido, do mercado, à loja com departamentos online, retalhista físico, empresa de tecnologia e proprietária de marcas, vinha sendo apontada pelos analistas como um problema que teria de ser resolvido com “foco num core”.