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Afastar ANA da construção do novo aeroporto pode demorar mais de cinco anos

Concessionária tem três anos para apresentar alternativa se discordar da solução do Estado para o novo aeroporto da região de Lisboa. O tempo corre a favor da ANA, que só em 2029 poderá ser afastada da construção de uma nova infraestrutura

MÁRIO CRUZ

Não seria automático o afastamento da ANA — Aeroportos de Portugal da construção do novo aeroporto de Lisboa (NAL) caso a concessionária discordasse da proposta de localização do futuro aeroporto. Há prazos a cumprir e estão definidos no contrato de concessão assinado entre o Estado português e a francesa Vinci, a 14 de dezembro de 2012, quando o Governo de Pedro Passos Coelho privatizou a ANA por três mil milhões de euros. Serão precisos pelo menos cinco anos até que o Estado possa avançar com um concurso internacional e escolher um novo parceiro para a construção da infraestrutura.

A hipótese de concurso internacional foi, inclusive, admitida pela Comissão Técnica Independente (CTI) no relatório preliminar apresentado na semana passada, onde considerou o Campo de Tiro de Alcochete — situado maioritariamente no concelho de Benavente — a melhor localização para o NAL. Considerando o contrato de concessão da ANA um ponto-chave deste processo, a CTI abordou soluções jurídicas a aplicar em caso de discordância face à localização entre a Vinci e o Estado.

Tempo corre a favor da ANA

Vamos a prazos. Se a ANA não concordar com a proposta do Governo para a localização do NAL, a concessionária tem 36 meses para fazer uma proposta com uma localização alternativa e com o respetivo desenvolvimento da infraestrutura. É o que está previsto no artigo 46.1 do contrato de concessão.

Depois, o Estado terá de aceitar ou rejeitar a proposta da ANA. Se rejeitar, a conces­sionária francesa tem mais 12 meses para fazer uma contraproposta (artigo 48.3). E já passaram quatro anos. Findo este prazo, seguem mais seis meses de negociação entre o Estado e a ANA. E só depois, se não houver acordo entre as partes, é que o Estado poderá avançar com um concurso internacional e escolher um novo operador para fazer o futuro aeroporto de Lisboa.

São necessários cinco anos para concluir todo o processo. O tempo corre a favor da ANA. Tendo em conta o atual contexto, com eleições marcadas para 10 de março e a decisão atirada para o próximo Executivo, se fosse este o desfecho, o concurso internacional só aconteceria em 2029. O processo de decisão arrastar-se-ia de novo.

ANA pode ser afastada do novo aeroporto, mas manterá a Portela

Se houvesse concurso internacional, a ANA/Vinci ficaria fora da solução do novo aeroporto, mas mantinha o contrato de concessão, que só termina em 2062 — tem sido essa a leitura da Vinci. Isso significaria então que a ANA manteria a Portela e todos os outros que estão na sua concessão — Madeira, Açores (menos o Pico), Porto e Faro. A Vinci tem defendido ainda que o contrato de concessão só poderia ser resgatado em caso de incumprimento e que isso não se enquadra numa rejeição da proposta do Estado.

Juristas ouvidos pelo Expresso sublinham, no entanto, que, ainda que não estivessem reunidas condições para um resgate do contrato de concessão da ANA, teria sempre de haver uma modificação e renegociação do mesmo, com o respetivo reequilíbrio dos termos da concessão, já que o novo aeroporto retiraria tráfego à Portela.

ANA quer posicionar-se do lado do diálogo

Embora a preferência da ANA para resolver os constrangimentos do Aeroporto Humberto Delgado seja o Montijo, não está, neste momento, em cima da mesa nem uma decisão do Estado, nem a objeção da Vinci a Alcochete. Aliás, a ANA já veio dizer que está numa “posição de diálogo” e que executará a decisão do Estado, e avançará para Alcochete se esse for o caminho. “A ANA vai colaborar com o Estado português e implementar aquela que for a decisão tomada”, afirmou fonte oficial da concessionária.

Não obstante, a ANA continua a defender que a melhor alternativa de curto prazo é o Montijo, como ficou definido no memorando de entendimento que assinou com o Governo de António Costa em 2019. A concessionária tem considerado, inclusive, que o contrato de concessão acomoda, no seu artigo 42.3, a proposta de uma localização alternativa menos dispendiosa — métrica em que o Montijo se enquadra. Tal como na que diz que a alternativa proposta terá de ter uma duração de 10 anos (artigo 45.4), tempo que a ANA acredita que duraria o Montijo. Menos otimista, a CTI estima que o Montijo teria a sua capacidade esgotada em 2038.