"O tempo passa, os investidores não aparecem e nós estamos cada vez mais intranquilos, entre os avanços e recuos do processo de viabilização da empresa", confessa Tiago Salgueiro, um dos 1700 trabalhadores da Qimonda.
Quando entrou na empresa, há quatro anos, animado com o seu primeiro emprego numa multinacional tecnológica de referência, Tiago não imaginava que um dia o seu futuro no Vale do Ave poderia ser tão incerto como o dos colegas do sector têxtil.
Mas os últimos meses mostraram a Tiago e aos 12 mil trabalhadores da Qimonda no mundo que, "afinal, todos os negócios têm debilidades". Aliás, quando terminou o turno, na quinta-feira, este técnico de manutenção não sabia se voltaria à empresa na sexta-feira.
Com a produção reduzida em 75%, "a administração admitiu ter de repetir a paragem de três dias do último fim-de-semana e, na quinta-feira, avisou os que mudaram de turno que seriam contactados caso a unidade parasse novamente entre sexta-feira e sábado", informou o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte e Centro (STIENC).
A viabilidade da multinacional alemã, em processo de insolvência, depende de potenciais investidores. E esta situação, em que Dresden e Vila do Conde são as jóias da coroa, decorre em contra-relógio, uma vez que o capital terá de aparecer até Março.
Antes do primeiro plano para salvar a empresa através de um pacote luso-germânico que garantia a injecção de €600 milhões, a Qimonda tinha já fracassado na procura de investidores.
Inviabilizado esse primeiro plano, Portugal, Alemanha e o estado federado da Saxónia recuperaram os contactos para encontrar compradores e o presidente da empresa, Loh Kim Wah, que esteve esta semana em Portugal, anunciou a existência de "investidores disponíveis". No entanto, admitiu, também, a necessidade de reduzir pessoal a curto prazo, em Vila do Conde e em Dresden. O ministro da Economia, Manuel Pinho, e o administrador judicial Michael Jeffré, que também esteve em Portugal, coincidiram em salientar a "gravidade da situação".
Para já, esta semana fechou a unidade norte-americana do grupo, em Richmond. A da China deve encerrar de seguida e, na Malásia e em Munique, serão dispensadas mil pessoas. Tudo, para reduzir a estrutura e facilitar a viabilização da empresa que fechou 2007 com dois mil milhões de euros de prejuízos, agravados em 2008, com quedas de preços superiores a 85% no mercado de semicondutores.
A verdade é que, pelo menos em Portugal, a Qimonda sempre teve relações difíceis com as estruturas sindicais. A empresa está debaixo de fogo há anos por ter "quase 50% dos trabalhadores em regime precário" e turnos de 12 horas desde 2006, refere o STIENC. Estes horários deram mesmo origem a um processo ainda a decorrer em tribunal, no qual 100 trabalhadores contestam o despedimento colectivo, alegando ter sido colocados numa linha entretanto extinta por recusarem os novos turnos.
Agora, no entanto, a prioridade é salvar a empresa. Por isso, os trabalhadores apelaram às autoridades europeias, alertando para "o interesse em manter os principais grupos europeus de tecnologia de ponta". O comissário europeu da Indústria, Günter Verheugen, disse apenas que os fundos comunitários "não se destinavam a salvar uma empresa", mas em Portugal e na Alemanha todos acreditam cada vez mais que será preciso "uma solução política".
Aliás, trabalhadores e sindicatos receiam que eventuais investidores queiram ver a empresa cair e desvalorizar-se antes de a comprar. Curiosamente, já em reacção ao eventual alívio da pressão da Qimonda no mercado, o preço dos chips de memória começou a subir em Taiwan.
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Com a nova tecnologia Buried Worldline que permite reduzir o tamanho das memórias em 50% e duplicar a sua capacidade pelo mesmo custo, recupera a liderança face à concorrência-
A empresa trabalha para um mercado em retracção nos preços e na procura e depende em exclusivo da Qimonda AG, único accionista, cliente e fornecedorComissário alemão responsávelpelas empresas e indústria
Pensa que a União Europeia (UE) pode desempenhar um papel concreto em relação a este caso? Não, não podemos, não temos dinheiro para isso, tal como toda a gente sabe. O orçamento comunitário não tem dinheiro para salvar empresas, não há um único cêntimo destinado a tal actividade. Isto é uma questão para os estados- -membros, e a Alemanha não pediu nada à Comissão Europeia. Não apresentou qualquer pedido de autorização para conceder uma ajuda de Estado à Qimonda.
Mas um sector que é apresentado como estratégico e de futuro para a economia europeia não devia ser alvo de uma atenção semelhante à concedida ao sector automóvel? Certamente, e eu tenho feito isso. Estou em contacto com o sector há muitos anos, conheço a situação muito bem, mas não posso alterar o facto de 90% dos novos investimentos no sector não serem feitos na Europa, mas noutras partes do mundo. Tal como não posso alterar o facto de as outras partes do mundo serem mais competitivas do que as empresas europeias. Infelizmente, não o posso fazer.
Quer dizer que a bola está do lado dos governos português e alemão? As regras são muito claras: se for considerado conceder ajudas de Estado para salvar uma empresa, esta é uma decisão que cabe ao estado-membro, que tem de notificar Bruxelas. Mas, no caso da Qimonda, isto não aconteceu. E nem podia acontecer, pois o dono dessa empresa não estava preparado para participar numa operação assim. Por isso, a responsabilidade pela situação realmente deplorável que lá se vive - deplorável do ponto de vista estratégico, do ponto de vista da política regional e do ponto de vista económico -, a responsabilidade por essa situação é toda, toda do proprietário, que é uma empresa chamada Infineon.
Depois da declaração de falência, pensa que ainda é possível fazer alguma coisa? Não penso que seja demasiado tarde, ainda se pode encontrar uma solução no quadro da economia de mercado. Trata-se de uma excelente empresa, com pessoas qualificadas, com muitos conhecimentos e boa tecnologia. Devem encontrar novos investidores para continuar o funcionamento dessa excelente fábrica. Se o conseguirem fazer, essa será a melhor solução. E, tanto quanto sei, há conversações promissoras.
Mas não era em situações como esta que mecanismos como o Plano Barroso deviam intervir? Esse plano não prevê subsídios para empresas individuais. Repito: o orçamento comunitário decidido pelos estados-membros, incluindo Portugal, não prevê um único cêntimo para operações de salvamento de empresas individuais. Essa é uma responsabilidade dos estados-membros e de mais ninguém.
Daniel do Rosário, correspondente em Bruxelas
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Fevereiro de 20089