O Banco Central Europeu (BCE) espera que a inflação na zona euro desça para a meta dos 2% em “meados de 2025”, disse esta quinta-feira a presidente do BCE, Christine Lagarde, na conferência de imprensa que se seguiu ao anúncio de que, mais uma vez, não houve nenhuma mexida nos juros, apesar de “uns poucos” governadores terem defendido na reunião uma descida já.
No entanto, o processo de desinflação na zona euro, de descida do ritmo de subida dos preços, em direção aos 2% “não vai ser linear”, “vai ter solavancos”, com a inflação “a flutuar”, sobretudo por causa das variações nos preços da energia e da resiliência de uma inflação ainda elevada nos serviços, avisou a presidente do banco do euro, que, nesta conferência de imprensa, não exibiu na lapela nenhum alfinete de peito com uma coruja, a ave da sua predileção.
Lagarde não se compromete, mas …
Com tanta flutuação e tantos ‘solavancos’ pela frente no processo de descida da inflação na zona euro, a “incerteza” continua a rondar as reuniões do conselho de banqueiros do euro, o que leva a que Lagarde repita que o BCE “não se compromete antecipadamente com um caminho concreto” para a alteração da política monetária que levou a uma taxa diretora de remuneração dos depósitos dos bancos a um máximo histórico de 4% e uma taxa de refinanciamento de 4,5%.
Apesar de a líder do BCE reafirmar que, na reunião de 6 de junho, o conselho já disporá de novas projeções macroeconómicas e dos dados da evolução da inflação de abril e maio, o BCE não antecipa qualquer corte para junho, que continua a reunir uma alta probabilidade nos mercados de futuros. “Não antecipar” e “decidir reunião a reunião” continua a ser mensagem, mas o discurso do BCE já teve uma adenda no texto dos comunicados oficiais.
Às mensagens habituais afirmando que a política monetária deverá manter-se “em níveis suficientemente restritivos durante o tempo que for necessário”, o BCE acrescentou agora, explicitamente, que “se a avaliação atualizada das perspetivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária reforçar a confiança do Conselho do BCE de que a inflação está a convergir para o objetivo de forma sustentada, seria apropriado reduzir o atual nível de restritividade da política monetária”.
Lagarde já o tinha admitido, mas, agora, fica explícito na comunicação oficial.
BCE não se sente dependente da Fed
O mercado de futuros das taxas na zona euro continua a apontar para uma elevada probabilidade de o BCE optar por aprovar um primeiro corte de juros na próxima reunião em junho, mas o que se está a passar com a inflação além-Atlântico na economia norte-americana deixou os analistas em sobressalto e provocou em Wall Street e no mercado da dívida um solavanco na quarta-feira.
Os futuros da taxa da Reserva Federal (Fed) foram sensíveis à subida da inflação nos EUA em março (para 3,5%), numa primeira estimativa divulgada na quarta-feira, e apontam, agora, para um adiamento do primeiro corte para 18 de setembro (com 70% de probabilidade) e para uma alta probabilidade de que só haja duas descidas em 2024, com a segunda descida a 18 de dezembro (54% de probabilidade).
A materializar-se esse caminho, a divergência entre os juros projetados para final do ano na zona euro e nos EUA seria substancial. A taxa diretora da Fed desceria apenas para um intervalo entre 4,75% e 5%, enquanto a taxa de refinanciamento do BCE poderia descer dos atuais 4,5% para perto de 3,5%. O impacto no mercado cambial entre o dólar e o euro poderia ser significativo.
Aliás, depois do anúncio da inflação nos EUA, o euro já se desvalorizou 1,3%. De 1,086 dólares caiu para 1,074 entre o fecho de terça-feira e agora. Uma depreciação do euro significa que tudo o que se compra em dólares fica mais caro, gerando maior pressão por via da inflação importada.
Apesar deste novo contexto, nas últimas 24 horas, Lagarde respondeu claramente que o BCE não “está dependente” nem da Fed nem da inflação norte-americana. “O que acontecerá na zona euro não é o espelho do que acontece nos EUA”, sublinhou, acrescentando que a gestão da taxa de câmbio do euro não está nas missões do BCE. Contudo, referiu que esses dados serão tomados em consideração na análise que o BCE faz regularmente, e nomeadamente nas próximas projeções macroeconómicas, a serem discutidas em junho.