Wall Street e o Nasdaq já fixaram na sessão desta quarta-feira nas bolsas de Nova Iorque novos máximos históricos depois das projeções dos membros da Reserva Federal norte-americana (Fed) apontarem para três cortes na taxa diretora até final do ano. O novo mapa de projeções foi publicado esta quarta-feira depois da reunião de dois dias da Fed, em que, por unanimidade, se decidiu manter a taxa de referência no intervalo entre 5,25% e 5,5%. Há cinco reuniões que esta taxa não é mexida.
As projeções avançadas esta quarta-feira pela Fed - no que se designa de dot-plot, um gráfico de pontos refletindo as opiniões dos membros do banco central - coincidem com as expetativas nos mercados de futuros da taxa da Fed, de acordo com as probabilidades apontadas pela plataforma Fed Watch da CME.
Os mercados e os analistas reagiram com alívio, pois temiam que os membros da Fed reduzissem os cortes que anteveem em 2024. Na realidade, a maioria a favor dos três cortes até final do ano foi tangencial. Nos 19 membros, nove projetam no máximo dois cortes nos juros. Em dezembro, cinco membros previam 4 cortes ou mais em 2024; agora esse campo reduziu-se apenas a um membro. O risco de oscilações é enorme.
Contudo, refira-se que essas projeções são apenas o reflexo das opiniões dos membros da Fed e não antecipam qualquer orientação oficial sobre quanto e quando os juros poderão ser cortados. Jerome Powell, o presidente da Fed, voltou a reafirmar esta quarta-feira que as decisões serão tomadas reunião a reunião com base nos dados, uma orientação similar à que o Banco Central Europeu está a seguir.
Processo de desinflação pode ter “buracos”
O medo dos mercados em que houvesse um recuo maioritário na projeção dos cortes nos juros derivava da inflação em fevereiro nos Estados Unidos ter subido ligeiramente para 3,2%, depois de um abrandamento de três décimas em janeiro.
Mas o presidente da Fed garantiu na conferência de imprensa desta quarta-feira que “não iriam reagir de forma exagerada nem ignorar” essa subida em fevereiro. Tranquilizou os mercados dizendo que o processo de desinflação (abrandamento da inflação) poderia ter “por vezes buracos”, descendo “gradualmente”. O que não altera a perspetiva de iniciar um ciclo de cortes de juros “em algum momento este ano”, logo que os membros da Fed se sintam “confiantes” sobre a trajetória de descida da inflação. Devido à “considerável incerteza” atual exige-se que “continuemos atentos aos riscos da inflação”, sublinhou Jerome Powell.
O responsável pela Fed reafirmou que a “mensagem” era simples: “Precisamos de ver mais [no processo de desinflação]”. “É apropriado que sejamos cautelosos na abordagem do problema”, acrescentou.
Os três cortes em 2024 projetados pela maioria conduzem a que a taxa diretora baixe do intervalo atual de 5,25% a 5,5% para 4,6% a 5,1%, na média das respostas dos intervenientes no dot-plot.
Ora, além de uma maioria tangencial nas projeções a favor dos três cortes de juros em 2024, os membros da Fed aumentaram o nível de juros que anteveem para o final de 2025 e 2026. Ou seja, em vez de um ponto médio de 3,6% em 2025, que projetavam em dezembro passado, agora anteveem que a taxa diretora ainda esteja em 3,9% no final do próximo ano. E, em relação a 2026, projetam que, no final desse ano, a taxa ainda esteja em 3,1%, em vez de 2,9% que projetavam em dezembro. O processo de descida dos juros será mais lento, segundo as projeções atuais.
Nos mercados, a plataforma de futuros das taxas da Fed aponta para um a probabilidade de 74% para um primeiro corte nos juros na reunião de 12 de junho, seguido de novas descidas a 18 de setembro e 7 de novembro, segundo os dados do FedWatch da CME. Segundo os mercados, os juros da Fed deverão fechar o ano no intervalo entre 4,5% e 4,75%, um corte acumulado de 75 pontos-base (três quartos de ponto percentual), equivalente a um ritmo de descida de 25 pontos-base por cada reunião.
Otimismo sobre o PIB, mais pessimismo sobre a desinflação
Os membros da Fed estão francamente mais otimistas sobre o desempenho da economia norte-americana. Nas projeções reviram em alta a taxa de crescimento do PIB de 2024 a 2026. Os EUA vão crescer 2,1% este ano, em vez de 1,4% que projetavam em dezembro. E em 2025 e 2026 vão crescer 2% em cada um dos anos em vez de 1,8% e 1,9% respetivamente.
No entanto, na inflação, a projeção para 2025 foi revista em alta de 2,1% para 2,2%, um ligeiro aumento. Mais preocupante é o facto de terem revisto em alta a projeção da inflação subjacente (excluindo as componentes mais voláteis do índice de preços no consumidor) para 2024 de 2,4% para 2,6%.
Abrandar a redução do balanço
A Fed está preocupada com o impacto no mercado da dívida do emagrecimento que está a fazer na sua carteira de títulos, o que é tecnicamente designado por “aperto quantitativo” (quantitative tightening, QT no acrónimo em inglês). Por isso, vai discutir o seu “abrandamento”. “A ideia geral é que será apropriado diminuir em breve o ritmo de escoamento” dos títulos da carteira, disse Jerome Powell. Esse ritmo é de 95 mil milhões de dólares (€88 mil milhões) por mês.
Ao emagrecer a carteira obtida com os programas de aquisição de ativos, a Fed liberta para o mercado títulos que terão de ser absorvidos por este. Ao abrandar esse processo, “corre-se muito menos risco de problemas de liquidez que podem gerar choques e levar a que se tenha de parar o processo prematuramente”, referiu Powell. A Fed recorda-se dos problemas que criou no anterior ciclo de QT entre 2017 e 2019.
O presidente da Fed disse, ainda, que o banco quer dispor de uma “almofada” no seu balanço.
A OCDE no Global Debt Report publicado no início de março alertava para o risco de “inundação” do mercado pelas obrigações de que a Fed e o Banco Central Europeu se vão desfazer nos próximos tempos.