Economia

Mercados financeiros ainda não fizeram 'julgamento' do novo quadro político

Bolsa caiu ligeiramente na primeira semana após as eleições e os juros da dívida a 10 anos subiram para 3%. No entanto, o prémio de risco da dívida baixou e Portugal colocou €1001 milhões taxas mais baixas

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Os mercados de ações e de dívida não reagiram à vitória tangencial da coligação AD nas eleições de 10 de março nem com euforia nem com pânico. Os resultados finais das eleições só serão conhecidos na próxima semana.

A Bolsa de Lisboa fechou a semana em alta, impulsionada pelos ganhos da Galp Energia e do banco BCP, e os juros da dívida a 10 anos voltaram a subir para 3%, depois de um recuo entre 5 e 13 de março. A subida dos juros das obrigações portuguesas, no entanto, esteve em linha com a trajetória altista nas restantes dívidas da zona euro, e o prémio de risco da dívida portuguesa (spread em relação à divida alemã) até baixou de 66 para 63,4 pontos-base. O custo da dívida alemã subiu mais do que o da dívida portuguesa.

SPREAD DA DÍVIDA EM QUEDA

Prémio de risco em pontos-base

Nesta primeira semana de mercado, após as eleições legislativas antecipadas realizadas a 10 de março, o índice PSI da bolsa lisboeta perdeu ligeiramente 0,4%, em linha com o recuo similar a nível das praças europeias (índices MSCI Europa e MSCI Euro). A ligeira queda semanal em Lisboa não registou, por isso, qualquer diferença em relação à média nas praças europeias.

Os movimentos registados na bolsa lisboeta e nos juros da dívida portuguesa não indiciam, ainda, um ‘julgamento’ pelos mercados sobre os resultados das eleições de domingo, que deram uma vitória tangencial à coligação da AD e a passagem do PS, o partido do governo nos últimos oito anos, à oposição, e a formação de uma maioria de direita expressiva nas bancadas no hemiciclo português. Apesar deste novo quadro político radicalmente distinto, o teste no mercado da governabilidade de um novo executivo e de reputação da dívida ainda não foi feito.

“A semana bolsista revelou um contexto sem maiores cautelas em resposta ao panorama político que parece ser de mudança e final de um ciclo ideológico”, diz João Queiroz, responsável pelo trading no Banco Carregosa, que acrescenta, que, em matéria de dívida, os investidores terão continuado “sem se afastar do tema central do início do ciclo de descida de juros”. Ainda segundo este especialista, “os investidores não aparentam estar desconfortáveis com a atual incerteza política, refletindo o alívio e alguma esperança”. Com um “cenário misto”, conclui Queiroz, “o PSI parece indicar uma economia dividida entre a confiança num novo governo e a cautela face ao desconhecido, equilibrando as preocupações decorrentes do clima externo e os desafios da competitividade das suas cotadas”.

LISBOA FECHA SEMANA EM ALTA

Variação dos índices em %

Emissão de dívida correu bem

Apesar dos riscos de ingovernabilidade e de cenário de novas eleições avançado pela agência de notação DBRS, a colocação no mercado da dívida de 1001 milhões de euros em obrigações a vencer em 2031 e 2042 correu bem para o Tesouro, com as taxas pagas situando-se abaixo das registadas em emissões anteriores. Os investidores continuam a ocorrer aos leilões portugueses tendo em conta a reputação melhorada da dívida portuguesa, agora, com o pleno de notações de rating no escalão A, e ainda não consideram iminentes os riscos potenciais associados a um novo governo.

Os investidores continuam a ocorrer aos leilões portugueses tendo em conta a reputação melhorada da dívida portuguesa, agora, com o pleno de notações de rating no escalão A, e ainda não consideram iminentes os riscos potenciais associados a um novo governo.

No prazo mais longo, em menos de dois meses, o Tesouro português baixou o juro pago de 3,462%, no leilão de 24 de janeiro, para 3,262% no leilão de 13 de março. E, no prazo a 7 anos, Portugal pagou muito menos do que Espanha num leilão realizado a 7 de março. Na linha a vencer em outubro de 2031, o Tesouro português pagou 2,645% e o Espanhol pagou 2,965%. Recorde-se que, no país vizinho, o governo central continua sem a aprovação de um orçamento para 2024 e as eleições antecipadas na Catalunha, convocadas, esta semana, para 12 de maio, atrasam ainda mais o processo.

Na próxima semana, o Portugal testa o mercado com dois leilões de Bilhetes do Tesouro a 6 e 12 meses.

Mercado reagiu em alta nas três eleições anteriores

Em quatro eleições legislativas, desde 2015, é a primeira vez que a bolsa lisboeta fecha em terreno negativo, ainda que ligeiro.

Em outubro de 2015, o índice PSI reagiu com alguma euforia, com um ganho na primeira semana de 5,8% à vitória da coligação PàF liderada por Passos Coelho, que chefiara o governo durante o período da troika.

No entanto, sem capacidade de gerar uma maioria parlamentar de apoio, o novo governo caiu depois da aprovação de uma moção de rejeição a 10 de novembro e duas semanas depois o PS formava governo que gozou do apoio parlamentar de uma maioria politicamente batizada de ‘geringonça’. O índice PSI reagiu negativamente de imediato, mas fecharia o ano com um ganho de 0,8% em relação à data de indigitação de António Costa.

Ao fim de uma legislatura, Costa ganhou as eleições de outubro de 2019, ainda que sem maioria, e a bolsa lisboeta reagiu positivamente, com um ganho na primeira semana de 2%, mais modesto do que em 2015.

Finalmente, nas eleições antecipadas de 30 de janeiro de 2022, o PS conseguiu obter uma maioria absoluta e a bolsa reagiu com um ganho semanal de 1,5%.

EVOLUÇÃO DA BOLSA DE LISBOA APÓS ELEIÇÕES

Variação do PSI na primeira semana em %

No mercado da dívida, os juros a 10 anos subiram sempre a seguir às eleições anteriores de 2015, 2019 e 2022, mas os movimentos estiveram em consonância com o ciclo de políticas monetárias do Banco Central Europeu (BCE).

Os juros portugueses desceram a pique de 2017 a 2020, beneficiando da política expansionista do BCE liderado, primeiro, por Mario Draghi e, depois, por Christine Lagarde, e da progressiva melhoria do rating da dívida portuguesa face aos resultados orçamentais. Recorde-se que a dívida portuguesa só começou a sair da classificação de dívida especulativa, vulgo ‘lixo financeiro’, a partir de 2017.

O custo médio da emissão de nova dívida portuguesa caiu de 2,6% para 0,5% naquele período de quatro anos. A trajetória, depois, inverteu-se, com o custo médio da emissão a subir para 3,5% em 2023. Nos dois primeiros meses de 2024, o custo desceu para 3,2%.

EVOLUÇÃO DOS JUROS A 10 ANOS APÓS ELEIÇÕES

Yields em %

Corte de juros pelo BCE vai ser determinante

Os juros da dívida a 10 anos deverão manter-se em dezembro em torno dos 3% - o nível atual -, segundo as projeções do algoritmo do portal World Government Bonds. Os futuros da taxa Euribor a 3 meses apontam para uma descida persistente dos atuais 3,9% para 3,68% em junho e 3% em dezembro.

O principal factor para o não agravamento do custo da dívida portuguesa nos próximos três trimestres será o início do ciclo de corte nos juros do BCE, que deverá iniciar-se em junho, segundo as perspetivas no mercado e a maioria das declarações dos governadores dos bancos centrais integrantes do sistema do euro.

A não ser que a trajetória orçamental e de redução da dívida seja colocada em causa pelo próximo governo português, e que a reputação junto dos investidores seja penalizada pelas agências de rating - que vão avaliar a notação já a 22 de março, no caso da Fitch, a 17 de maio pela Moody's e a 30 de agosto pela S&P -, o comportamento dos juros da dívida portuguesa serão determinados pela atuação do BCE.

Christine Lagarde, a presidente do BCE, após a última reunião do conselho deixou a porta aberta a uma decisão de viragem em junho, no caso dos dados macroeconómicos e das novas previsões a apresentar pelos economistas do banco, derem suficiente “confiança” de que a trajetória de desinflação em direção a 2% (o objetivo da política monetária) se mantém sólida. A francesa confirmou que o BCE já começou a discutir a reversão da política restritiva, o que, esta semana, foi repetido por Olli Rehn, governador do banco central da Finlândia, que apontou “o próximo verão para começar, lentamente, a aliviar a política monetária”. Philip Lane, o economista-chefe do BCE, sintetizou a abertura prudente: “É preciso assegurar que a mudança na política monetária seja feita corretamente”.

A não ser que a trajetória orçamental e de redução da dívida seja colocada em causa pelo próximo governo português, e que a reputação junto dos investidores seja penalizada pelas agências de rating, o comportamento dos juros da dívida portuguesa serão determinados pela atuação do BCE

A orientação lançada por Lagarde foi seguida, esta semana, por outros governadores que se pronunciaram publicamente, uns de um modo mais assertivo, outros com mais cautela. Yannis Stournaras, o governador do banco central da Grécia, considerado uma das destacadas ‘pombas’ do conselho, afirmou â Bloomberg a necessidade de “começar a cortar em breve” e que o BCE poderá inclusive iniciar o ciclo de descida dos juros mais cedo do que a Reserva Federal norte-americana (que se confrontou em fevereiro com uma subida da taxa de inflação). Mais cautelosos, governadores considerados ‘falcões’, como Klaas Knot, dos Países Baixos, Peter Kazimir, da Eslováquia, e Gaston Reinesch, do Luxemburgo, insistiram em que é preciso “esperar” até haver dados mais sólidos, mas colocaram no horizonte “o verão” como altura para o início dos cortes.