Economia

“Continuidade, cautela e paciência”: atas do BCE confirmam que juros não descem para já

“Continuidade, cautela e paciência são ainda necessárias” na gestão da política monetária restritiva pelo Banco Central Europeu. Segundo os banqueiros centrais, “o risco de um aperto excessivo inadvertido da política monetária foi mitigado pelo facto de os mercados financeiros já estarem a antecipar uma série de cortes de taxas em 2024"

Christine Lagarde não quer que os banqueiros do BCE falem demais e antecipem cortes nos juros, indo atrás das expectativas dos mercados
Thomas Lohnes/Getty Images

“É necessário mais progresso no processo de desinflação [redução da taxa de inflação] antes do conselho [do Banco Central Europeu] estar suficientemente confiante de que a inflação a dirigir-se para o objetivo [de 2%] de um modo sustentável”, lê-se nas atas da reunião do Banco Central Europeu (BCE) realizada a 24 e 25 de janeiro publicadas esta quinta-feira.

O conselho do BCE, presidido por Christine Lagarde, concordou que é necessária “continuidade, cautela e paciência” na gestão da política monetária que continua restritiva, considerando que o processo de abrandamento da inflação em curso “permanece frágil”.

Deste modo, recorde-se, o BCE manteve, em janeiro, as taxas diretoras em 4,5% para o financiamento e em 4% para a remuneração dos depósitos dos bancos (a taxa mais alta de sempre) e considerou “prematuro” qualquer discussão sobre corte de juros.

Os mercados de futuros foram, também, contagiados pela prudência do BCE. Já depois da reunião de janeiro, os mercados apontavam no início de fevereiro para uma redução acumulada de 1,5 pontos percentuais (150 pontos-base) nas taxas diretoras até final de 2024. Contudo, esta semana, desceram as expetativas para um corte de menos de 1 ponto percentual (91 pontos-base) até final do ano.

O que isso significa é que a taxa de referência para o financiamento não desceria em 2024 abaixo de 3,5% e a de remuneração dos depósitos para menos de 3%. Com a queda da inflação média anual em 2024 para menos de 2,7%, a política monetária do BCE manter-se-ia ainda em terreno restritivo até final do ano. A política é restritiva, penalizadora do crédito e da economia, quando as taxas do BCE são superiores à inflação.

A perspetiva é, no entanto, mais otimista. As atas adiantam que o BCE deverá rever em baixa a previsão de inflação para 2024 nas projeções que vai analisar na reunião de março. Em dezembro, as previsões apontavam para uma inflação média anual de 2,7% em 2024. Dizem as atas que, na reunião de janeiro, “foi salientado que, pela primeira vez em muitas reuniões, os riscos para atingir a meta de inflação [de 2%] foram considerados como globalmente equilibrados ou, pelo menos, como mais equilibrados”.

Foi também salientado que “o risco de um aperto excessivo inadvertido da política monetária foi mitigado pelo facto de os mercados financeiros já estarem a antecipar uma série de cortes de taxas em 2024, contribuindo para uma flexibilização das condições financeiras e de financiamento”. No entanto, “também foi argumentado que essa flexibilização poderia ser prematura e poderia inviabilizar ou atrasar um retorno oportuno da inflação à meta”.

O consenso na reunião - onde, desta vez, não votou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, devido às regras de votação rotativa - foi de manter as taxas nos níveis atuais e de não antecipar qualquer decisão futura. A regra continua a ser tomar decisões reunião a reunião com base nos dados concretos macroeconómicos (nomeadamente da inflação) e de andamento do efeito da politica monetária restritiva.

Reunião a 7 de março sem sinais de fumo branco

A próxima reunião do BCE decorre a 7 de março, ainda antes das eleições legislativas antecipadas em Portugal. Os mercados de futuros não esperam qualquer decisão no sentido de um anúncio do ciclo de corte de juros. Os mercados apontam para uma probabilidade de 83% de um primeiro corte só na reunião de junho. Há uma probabilidade alta, segundo os mercados, de que o BCE e a Fed iniciem o ciclo de corte dos juros no mesmo mês ou em momentos próximos no verão.

Na reunião de março não vão votar 4 ‘falcões’ e uma pomba, em virtude das regras de rotatividade, mas os adeptos de maior austeridade monetária estão em larga maioria. Segundo a plataforma Econostream, no conselho do BCE, formado por 20 governadores de bancos centrais nacionais e uma comissão executiva formada por seis membros (incluindo a presidente Christine Lagarde e o vice presidente Luis de Guindos), 13 são ‘falcões’ assumidos, quatro são centristas (atualmente com leve inclinação para o lado dos ‘falcões’, incluindo Lagarde, Guindos e os governadores dos bancos centrais da Finlândia, França e Irlanda) e oito são ‘pombas’, incluindo Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, que vota na próxima reunião.

Recorde-se que as regras de voto por reunião do BCE só permitem 21 votos - seis votos permanentes da comissão executiva e 15 votos rotativos entre os 20 governadores dos bancos nacionais.

As declarações mais recentes dos dois pesos pesados entre o grupo dos ‘falcões’ apontam para as calendas gregas o primeiro passo. Robert Halzmann, o governador do banco central da Áustria, e considerado o mais duro, referiu, a 6 de fevereiro, que “há alguma probabilidade de que não haja nenhum corte este ano, ou, então, só mesmo no fim do ano”. Joachim Nagel, o presidente do Bundesbank, o banco central alemão, o mais importante da zona euro, apelou, a 14 de fevereiro, a uma prudência prolongada: “É uma estratégia mais eficaz ser mais robusto, mantendo um certo nível de taxa de juros por mais tempo e só agir num momento mais tardio”.

BCE prossegue emagrecimento do balanço

Desde o pico do valor do balanço em junho de 2022, quando atingiu 8,84 biliões de euros, o BCE já fez uma cura de emagrecimento de 2 biliões de euros. O balanço caiu para 6,84 biliões de euros a 16 de fevereiro de 2024, um corte de 23% desde o pico do valor do balanço.

Comparando com a Reserva Federal norte-americana (Fed), o BCE procedeu a uma dieta mais rigoroso desde o pico do valor do balanço. A Fed cortou 15%, reduzindo em 1,33 biliões de dólares o balanço, enquanto o BCE emagreceu 23%, cerca de 2 biliões de euros.

Atualmente, a Fed regista um balanço mais elevado do que o BCE: 7,63 biliões de dólares (7,1 biliões de euros, ao câmbio atual) face a 6,84 biliões de euros.

Segundo dados publicados esta quinta-feira pelo BCE relativos ao balanço consolidado do sistema do euro no final de 2023, a redução foi de cerca de 1 bilião de euros em relação ao valor em final de 2022.