A Turquia é o candidato à entrada na União Europeia (UE) que mais mossa concorrencial vai fazer a Portugal e uma das indústrias onde se afirma como ameaça séria é a fileira automóvel, que pesa 12% nas exportações portuguesas. Nos destinos de exportação, o mercado francês, que é o nosso segundo cliente, surge como o terreno onde a concorrência das novas adesões vai ser mais forte.
Já era sabido que o alargamento da União Europeia a mais oito candidatos teria um impacto sério na economia portuguesa. Mas a avaliação cirúrgica desse ‘custo’ é avançada agora por um estudo detalhado de um grupo de académicos portugueses realizado para o Conselho Económico e Social (CES), no âmbito de um relatório intitulado “Da pandemia à guerra. Impacto das alterações geopolíticas na economia portuguesa”, a que o Expresso teve acesso em primeira mão.
Duas mensagens políticas
O estudo global é coordenado por Sandra Fernandes, da Universidade do Minho, e a análise específica sobre os impactos do futuro alargamento, que envolve a Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Moldávia, Montenegro, Sérvia, Turquia e Ucrânia, é da autoria de Nuno Crespo, professor de economia no ISCTE em Lisboa.
O relatório entregue ao CES tem duas mensagens em relação à ampliação da União. Do ponto de vista político-diplomático, “Portugal deve ser particularmente prudente na apreciação de processos de alargamento demasiado rápidos e demasiado amplos”.
Para as empresas exportadoras, a análise das conclusões da avaliação dos impactos sectoriais e por mercados de destino é fundamental “para antever choques específicos”, incluindo a nível do emprego. O estudo refere que a economia portuguesa é a quarta mais afetada pelos impactos desta ampliação na atual União a 27, depois da Croácia, Polónia e Roménia. Pelo que a situação portuguesa é de particular vulnerabilidade.
O estudo refere que a economia portuguesa é a quarta mais afetada pelos impactos desta ampliação na atual União a 27, depois da Croácia, Polónia e Roménia. Pelo que a situação portuguesa é de particular vulnerabilidade.
Uma ampliação desta envergadura modifica de um ponto de vista geoeconómico o espaço da União e reforça o peso geopolítico de Bruxelas. O estudo enquadra esta possibilidade num cenário que batizou como “cenário mais”, um “cenário extremo maximalista”, que sofreu um ímpeto otimista com a candidatura da Ucrânia sob invasão russa, mas que continua com a negociação congelada com a Turquia, uma das economias do G20 e uma das potências intermédias no xadrez geopolítico a que o estudo faz menção.
Turquia e Sérvia podem afetar mais do que a China
Os dois candidatos que mais mossa podem fazer a Portugal são a Turquia (a 17ª economia do mundo) e a Sérvia (cujo PIB é menos de um terço do português), em virtude de alguma similitude estrutural das exportações. Quanto maior for essa semelhança, maior será a pressão concorrencial num espaço comum. O estudo aponta inclusive que aqueles dois países representam uma “ameaça concorrencial mais significativa, em termos de similitude estrutural, do que aquela que é exercida pela própria China”.
“A Turquia é o caso mais significativo”, refere-nos Nuno Crespo, que sublinha que a pressão concorrencial não vem só da especialização em sectores exportadores idênticos, como da concorrência futura, potencial, a partir de sectores com características semelhantes. A economia portuguesa é a segunda mais afetada pela entrada turca tanto no conjunto da União como nos mercados espanhol e francês, respetivamente o primeiro e segundo clientes das exportações portuguesas.
A economia portuguesa é a segunda mais afetada pela entrada turca tanto no conjunto da União como nos mercados espanhol e francês, respetivamente o primeiro e segundo clientes das exportações portuguesas
A análise feita revela que “a França é claramente o mercado em que poderemos sofrer mais concorrência” por parte dos futuros novos membros da UE, sublinha Nuno Crespo.
O relatório entregue ao CES aponta, por isso, para a importância estratégica de uma diversificação dos mercados de destino das exportações portuguesas. A economia portuguesa tem "um grau bastante elevado de concentração espacial da sua estrutura de exportação", refere o estudo. Mais de metade das exportações destinam-se a quatro clientes da zona euro: Espanha, França, Alemanha e Itália.
SECTORES PORTUGUESES SOB AMEAÇA
Com ameaça elevada ou muito elevada no caso de novo alargamento da UE
Fileira automóvel em risco, mas não só
A fileira automóvel portuguesa - abrangendo os vários tipos de veículos até às componentes e peças - surge como particularmente vulnerável, e no caso dos veículos automóveis nomeadamente por parte da Turquia. O mercado francês é o principal mercado de exportação de veículos de passageiros fabricados na Turquia. Segundo a associação turca dos fabricantes do sector, a produção de automóveis já subiu para 1,3 milhões de unidades por ano (quatro vezes mais do que a produção portuguesa).
Nuno Crespo chama a atenção ainda para o sector da energia elétrica, que “apesar de não sofrer uma ameaça muito elevada por parte de nenhum dos países candidatos, sofre uma ameaça elevada por parte de vários”.
A Ucrânia surge como ameaça em quatro áreas, mas “em termos de concorrência é menor do que a exercida por muitos dos outros potenciais entrantes na União”, acrescenta o académico.
O estudo em profundidade sobre o tecido económico abrangeu mais de uma centena de sectores e tipos de produtos mais específicos, de entre os considerados no sistema da Organização Mundial das Alfândegas.