Não chegou a durar 20 anos: a fundação que juntou o Estado e José Berardo (conhecido pelo nome Joe) foi para liquidação e esse processo já foi concluído, segundo determinou o Governo. Já as obras de arte do empresário continuam a ser expostas no Centro Cultural de Belém, até que o tribunal determine se servem, ou não, para pagar dívidas de Berardo a três dos principais bancos portugueses.
A oficialização do fim da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, criada em 2006 quando era José Sócrates o primeiro-ministro, foi determinada pelo Governo ainda comandado por António Costa. Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, é quem tem sido o rosto do fim desta união.
O Governo decidiu extinguir o acordo de comodato que estava na base desta fundação, que permitia ao CCB expor as obras da coleção; decidiu-o, aproveitando o facto de as obras estarem sob arresto e depositadas junto do presidente do CCB (no âmbito do processo judicial que opõe Berardo à CGD, BCP e Novo Banco, que defendem que as obras devem servir para ressarcir os mil milhões de euros de dívida que imputam ao universo empresarial de Berardo). Para isso, invocou até "interesse público", para não ser travado pelas investidas judiciais do empresário madeirense.
Sem razão de existência, a extinção da fundação estatal foi determinada no fim de 2022, antes da passagem de ano, mesmo contra o parecer do Conselho Consultivo das Fundações. Foi em abril que a comissão liquidatária começou os seus trabalhos. Tinha 120 dias de prazo para atuação, mas foram necessários outros tantos, e no fim do prazo ainda houve uma nova extensão, mas desta vez mais reduzida.
O relatório final, com as contas da liquidação encabeçadas por Carlos Sousa Mendes, foi entregue a 6 de dezembro deste ano. Foi agora que o ministro das Finanças, Fernando Medina, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, homologaram esses documentos, que ditam o encerramento da liquidação, segundo publicaram em Diário da República.
Até 31 de janeiro podem ser dados passos mais burocráticos, mas tudo está já decidido e fechado – só os documentos não foram tornados públicos. Vai haver um sumário do relatório final que irá explicar o inventário dos ativos e passivos da entidade, e para onde passaram as obrigações existentes (como as laborais – os trabalhadores passaram para o CCB), a publicar até sexta-feira, dia 15.
Adão e Silva usa trunfo da justiça
Entretanto, o Ministério da Cultura enviou às redações um comunicado a dar conta do encerramento da liquidação, mencionando outro aspeto que dá mais certeza à decisão.
“Em novembro, o Governo foi notificado da decisão do Supremo Tribunal Administrativo que determina a improcedência do recurso sobre o processo cautelar relativo à extinção da FAMC-CB, apresentado pela Associação Coleção Berardo e por José Berardo”, indica o comunicado.
O empresário e a sua associação, que eram partes e foram instituidores da fundação, tinham ido para tribunal para travar a extinção, mas a providência cautelar que também apresentaram não foi bem-sucedida.
Um ponto que é celebrado por Adão e Silva, citado nesse comunicado: “O facto de a justiça ter dado, em novembro, novamente razão ao Governo, e o fim da liquidação da FAMC-CB coincidem com um momento de viragem no Centro Cultural de Belém. O CCB recuperou a gestão do módulo 3, o que permitiu inaugurar, em outubro passado, o MAC/CCB e começar uma articulação entre os seus três núcleos: o centro de artes performativas; o centro de arquitetura; e o museu de arte contemporânea”. Uma inauguração para a qual Adão e Silva não convidou o empresário.
O embate continua, mas ministro vai mudar
A luta na justiça não ficará por aqui, e não é só relativa a esta entidade. O empresário continua a disputar com os bancos o destino das obras de arte da coleção Berardo. A Caixa Geral de Depósitos, o Banco Comercial Português e o Novo Banco puseram em tribunal entidades da esfera de Berardo para provar que estas são garantias dos empréstimos concedidos e que estão por pagar, num valor que ascende a mil milhões de euros. O empresário contesta, diz que os bancos é que o enganaram e que eles é que têm centenas de milhões de euros a pagar-lhe.
Será esta sentença judicial, a determinar se as obras são ou não garantia dos créditos, que vai ditar o futuro da coleção: porque será aí preciso outro acordo para que as pinturas possam continuar a ser expostas publicamente, seja negociando com os bancos se tomarem posse das obras, seja com o empresário se continuar o seu proprietário.
A decisão já não virá com o atual ministro da Cultura – que disse publicamente que o tempo de Berardo “acabou” –, ficando a negociação para quem vier a ser o seu sucessor, com a queda do atual Governo.