Economia

Wall Street hesita depois de Powell alimentar ainda mais incerteza em Jackson Hole

Os índices bolsistas em Nova Iorque entraram em queda depois do presidente da Reserva Federal dizer esta sexta-feira que os juros reais já estão em terreno restritivo mas que continua a haver sinais de que a economia dos Estados Unidos ainda não “arrefeceu” o esperado. Os mercados apontam para uma pausa na subida dos juros em setembro, com o regresso de um aumento em novembro

Kevin Dietsch/Pool via REUTERS

A intervenção de Jerome Powell na abertura do simpósio económico anual em Jackson Hole não agradou aos mercados financeiros. Os índices nas bolsas de Nova Iorque passaram para o vermelho depois de o presidente da Reserva Federal (Fed) alimentar ainda mais a incerteza sobre o curso da política monetária norte-americana até final do ano. Entretanto, voltaram ao verde, mostrando forte hesitação.

Powell reconheceu que a taxa real (deduzida a inflação) de juros do banco central já está em terreno positivo, claramente restritivo, mas acrescentou, mais adiante, que a Fed está “atenta a sinais de que a economia pode não estar a arrefecer como esperado”, o que significa que pode ser necessário ainda apertar mais a política monetária. “Evidência adicional de um crescimento persistente [da economia] acima da tendência pode colocar em risco a [descida da] inflação e exigir mais aperto por parte da política monetária”, referiu o presidente da Fed.

No mercado de futuros das taxas de juro da Fed seguido pela plataforma FedWatch da CME, a probabilidade de uma pausa na subida dos juros na próxima reunião a 20 de setembro mantém-se nos 80%, mas a probabilidade de um regresso a uma subida de juros na reunião seguinte a 1 de novembro aumentou para mais de 50%. Em suma, os mercados admitem que a Fed pode repetir o movimento que fez recentemente: decidiu uma pausa em junho e aumentou 25 pontos-base em julho.

A atenção dos mercados em relação a Jackson Hole vira-se. agora, para a intervenção de Christine Lagarde ainda antes do fecho dos mercados em Nova Iorque.

Juro real já é positivo, mas economia precisa de arrefecer mais

Em virtude da descida da inflação em julho para perto de 3% e da subida dos juros do banco central para o intervalo 5,25%-5,5%, a taxa real - deduzida a inflação - já é positiva, sublinhou Powell em Jackson Hole. Uma taxa real positiva, ou seja, juros nominais do banco central já acima da inflação, significa que a política monetária está claramente em terreno restritivo. “As taxas de juro reais são agora positivas e muito acima das estimativas convencionais da taxa de política neutra. Vemos a atual orientação da política [monetária] como restritiva, exercendo pressão descendente sobre a atividade económica, as contratações [no mercado laboral] e a inflação. Mas não podemos identificar com rigor a taxa de juro neutra e, portanto, há sempre incerteza sobre o nível preciso de contenção da política monetária”, explicou o presidente do banco central norte-americano esta sexta-feira.

A Fed mantém, por isso, uma enorme dose de incerteza sobre o curso da inflação, pois a designada inflação subjacente (de onde são excluídas as componentes mais voláteis), que estava em julho em 4,3%, “ainda está elevada”, sublinhou Powell. “Ainda não sabemos se as descidas da inflação [a que temos assistido] vão continuar”, reforçou. A Fed precisa de estar “confiante de que a inflação está a evoluir sustentadamente para o objetivo [de 2%, da política monetária]”.

A Fed lida, ainda, com outro fator de incerteza sobre que se está a passar na economia norte-americana. “Estamos atentos aos sinais de que a economia pode não estar a arrefecer como esperado”, alertou Powell. Ele deu como exemplos: o crescimento do PIB está acima das expetativas e acima da tendência de longo prazo; os dados recentes nos gastos no consumo têm sido particularmente robustos; há retoma no sector imobiliário; e os salários reais estão a aumentar devido à queda da inflação.

Na visão da Fed, a economia tem de arrefecer e não manter focos de aquecimento - como os referidos. Ora, para garantir que a economia arrefece mesmo o necessário, o banco central pode ter de subir os juros acima dos 5,5% atuais. É essa incerteza que permanece nos mercados e no discurso do próprio Jerome Powell.

O que também coloca os banqueiros centrais num caminho estreito. “Estas incertezas, tanto antigas como novas, complicam a nossa tarefa de equilibrar o risco de apertar demasiado a política monetária com o risco de apertar demasiado pouco. Fazer muito pouco poderá permitir que a inflação se consolide acima da meta e, em última análise, exigir que a política monetária elimine uma inflação mais persistente, com um custo elevado para o emprego. Fazer demasiado também pode causar danos desnecessários à economia”, explicou Powell.

A concluir, o presidente da Fed sublinhou: “Nessas circunstâncias, as considerações de gestão de risco são críticas. Nas próximas reuniões, avaliaremos o nosso progresso com base na totalidade dos dados e na evolução das perspetivas e dos riscos. Com base nesta avaliação, procederemos com cautela ao decidirmos se devemos apertar ainda mais ou, em vez disso, manter a taxa diretora constante e aguardar mais dados”.