O presidente da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), Nuno Araújo, disse à Lusa que "há espaço para mais operadores ferroviários em Portugal" nas mercadorias e que a empresa está a "trabalhar nisso".
"Quando falo em ferrovia, já não falo só em ter infraestruturas. Acho que da mesma forma que estamos a investir nas infraestruturas, achamos, e estamos a trabalhar nisso, que há espaço para mais operadores ferroviários em Portugal", disse, em entrevista à Lusa, o responsável da APDL, que termina o seu mandato no final do ano e não o renovará.
Segundo Nuno Araújo, "essa será, porventura, a peça de falta" para a APDL poder "oferecer soluções logísticas diferentes das que existem hoje".
"Hoje há dois operadores ferroviários que estão a fazer investimentos, mas que estão a pensar nas suas próprias organizações, é natural, são duas empresas privadas", disse, referindo-se às duas empresas portuguesas do setor, Medway e Takargo.
Segundo Nuno Araújo, há "uma verticalização do negócio" logístico a nível mundial, e "alguns dos armadores hoje em dia têm os navios, têm os terminais, têm as empresas de camionagem, têm a ferrovia, o transporte ferroviário, e os terminais rodoferroviários".
"A dada altura, o mercado está retido por estas empresas globais, as quais não conseguimos contrariar nem sequer beliscar. Então nós percebemos que para ter soluções diferentes, temos que ter mão nas infraestruturas", disse à Lusa.
Nuno Araújo rejeita "ver um porto como o de Leixões a definhar" e "sem capacidade de responder" à região que por ele é servida.
Empresas a recorrer a portos a 400 km? “Não há nada que o justifique”
"Não aceito que empresas desta região estejam a movimentar os seus produtos por outros portos que ficam a 300 ou 400 quilómetros de distância. Não há nada que justifique isso", disse, em entrevista à Lusa.
O administrador portuário reiterou o objetivo de ter 20% de carga movimentada por ferrovia em 2023 (atualmente são 8%), contando com o contributo da passagem do terminal da Infraestruturas de Portugal (IP) em Leixões para a APDL.
Atualmente, "um contentor que venha para um terminal marítimo, e que vá [primeiro] para o terminal [ferroviário] de Leixões, tem que sair, ir para a via pública, percorrer 18 quilómetros e entrar em Leixões para vir para o terminal marítimo, que está ali a 100 metros ao lado".
"Num país, em pleno século XXI, em 2022, estar a contar uma história deste género ainda parece surreal", caracterizou, adiantando que as estruturas e trabalhadores da IP no terminal passam para a APDL em 01 de fevereiro.
Questionado sobre se o atraso nas obras na linha da Beira Alta e a respetiva ligação direta da região à Guarda (onde o terminal de mercadorias é gerido pela APDL) condiciona os objetivos, Nuno Araújo acredita que conseguirá atingir a meta dos 20%.
"É verdade que vai ser mais difícil porque a linha da Beira Alta está atrasada. Mas mesmo assim acho que vai ser possível", disse à Lusa, falando num "ganho indireto, automático", da utilização da ferrovia.
Para Nuno Araújo, "duplicar a capacidade de carga do porto de Leixões não pode representar, necessariamente, duplicar o número de camiões" e a aposta na ferrovia dá-se "por uma questão logística e de capacidade", mas também "por uma questão ambiental".
Na Guarda, está já "definido qual é o 'layout'" de um futuro novo terminal, e o que existe atualmente "irá operar rapidamente", após "alguns investimentos na infraestrutura que existe, mas nada de grande significado nem de grande monta".
"Estamos a olhar para a rede que existia para chegar até Madrid", desenhando o eixo Leixões - Guarda - Salamanca - Medina del Campo e a capital espanhola, adiantou.
Ainda quanto à ferrovia, lembrou a falta de uma conexão ao porto de Viana do Castelo, também administrado pela APDL, e que "que não está neste momento no Plano Ferroviário Nacional", apresentado em novembro e agora em consulta pública.
"No âmbito desta consulta pública, nós iremos fazer a questão de a colocar como prioritária para nós", adiantou Nuno Araújo à Lusa.
Segundo o responsável, foi feito "um estudo de mercado para se perceber o que vale aquela região do ponto de vista de mercadorias, quais são as soluções logísticas que as empresas precisam, para perceber como é que o porto de Viana do Castelo pode responder melhor às necessidades dessa indústria".
Para o atual líder da APDL, que irá para "o setor privado" depois de sair da administração portuária, Viana do Castelo é, precisamente, "o porto do país que tem mais capacidade de terraplenos para se expandir" no âmbito de projetos de "investimento massivo em energias renováveis oceânicas".
Nuno Araújo assinala que "são cerca de 400 mil metros quadrados de área de expansão do porto de Viana do Castelo, local onde já há uma forte predominância de energias alternativas oceânicas".
"O desafio do Governo [a nível nacional] são 10 gigawatts, obviamente que isso são leilões no plano de água, mas é preciso que as nossas infraestruturas portuárias sejam capazes de responder a isso", algo que Nuno Araújo não considera que aconteça, atualmente, "de uma forma transversal".
Quebra-mar de Leixões custa mais 54 milhões de euros e fica pronto no final de 2023
Na mesma entrevista, Nuno Araújo, disse que a obra de extensão do quebra-mar de Leixões estará pronta no final 2023, com custo acrescido de 54 milhões de euros.
"A dragagem está concluída, o quebra-mar estará pronto no final do próximo ano", disse. Devido à inflação, houve uma "passagem de 131 para 184 milhões de euros" nos custos da obra face à adjudicação inicial, ou seja, cerca de "mais 54 milhões de euros", fora os custos da fiscalização da empreitada, "cerca de três milhões".
A APDL teve de "congelar procedimentos concursais que tinha em curso", especificamente "o novo posto de inspeção fronteiriço" e "a doca 1 norte [cujo financiamento foi aprovado na terça-feira]", que conjuntamente perfazem 35 milhões de euros.
A solução, para a administração portuária, foi tanto a suspensão destes concursos como "mexer naquilo que é a única fonte de receitas", ou seja, as tarifas portuárias, que serão aumentadas em 2023.
"Este aumento permite que a APDL tenha capacidade de endividamento", disse o gestor à Lusa, detalhando que assim pode recorrer a uma linha do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 35 milhões de euros "que é possível ir até aos 60 milhões de euros, e com isso pagar e amortizar os empréstimos" em curso.
Quanto a detalhes da empreitada do quebra-mar, "o núcleo já existe, está debaixo de água, se se for lá hoje já se vê as ondas que quebram", adiantou.
"Espera-se que no final do próximo ano esteja completamente fora, neste momento está submerso, há de estar fora da água, e aí iremos ter um real impacto na questão das ondas", disse Nuno Araújo à Lusa.
A APDL aponta que "possa haver uma diminuição -- isso está medido, é cerca de 20% - da onda numa zona da praia", o que poderá ter efeito na economia associada ao surf e desportos de ondas.
"Houve um diálogo permanente que foi estabelecido com todas as partes afetadas, no âmbito do grupo de trabalho, na altura, criado pelo Governo" acerca dos impactos do quebra-mar em "todos aqueles que, no fundo utilizam o mar" ou "que viessem a ser afetados, direta ou indiretamente, pela obra".
Segundo Nuno Araújo, a APDL crê que a nova infraestrutura "pode atrair outras coisas, obviamente, mas pode afastar determinado tipo de surfistas, por exemplo, mais exigentes ou mais profissionais".
"As escolas poderão continuar a funcionar, e porventura quem utiliza a praia para a prática balnear poderá beneficiar, porque as ondas são mais pequenas e poderá, até, ser mais agradável", acredita o responsável, que irá para "o setor privado" após sair da APDL.
Nuno Araújo disse que "se alguma empresa fechar, se há diminuição na faturação, disso vão resultar algumas indemnizações" a pagar pela APDL, ou então "medidas para mitigar" impactos.
Quanto a outro impacto relevante no concelho de Matosinhos, o da ponte móvel, Nuno Araújo disse à Lusa que a APDL terá de efetuar uma manutenção prolongada durante alguns meses, mas em 2024.
"Estava previsto, até aos 15 anos de idade [da ponte], fazer uma paragem, uma manutenção geral na infraestrutura", e "isso será um investimento de grande envergadura" na ordem dos cinco milhões de euros.
Segundo Nuno Araújo, "a intervenção na ponte móvel tem de ser na ordem de meses" estando a APDL a estudar, com o município de Matosinhos, qual a "melhor solução, aquela que há de ter menos impacto na mobilidade das pessoas".
Há a possibilidade de permitir a "circulação alternada" durante as obras, por exemplo, com limitações de horários, mas isso pode significar passar de "fazer a obra em três meses para a fazer em cinco", com o consequente aumento de custos.
"Já não caberá a mim anunciar quando é que vai ser", disse à Lusa, mas garantiu que "o trabalho está muito adiantado" com vista ao lançamento do concurso público.
O responsável recordou que foram identificados "um erro de projeto, de conceção, e um erro de construção" da estrutura, em que "o centro de gravidade dos tabuleiros não é exatamente aquele que estava previsto".
Também as rótulas "não têm os graus de liberdade que deveriam ter", desgastando-se mais cedo, e os hidráulicos dos tabuleiros "não falam entre si", fazendo com que, por vezes, um deles faça "todo o esforço de abertura ou de encerramento da ponte".
Quanto a novos investimentos no porto de Leixões, Nuno Araújo apontou ao "novo terminal de contentores, que é hoje o terminal multiúsos e será reconvertido" numa infraestrutura também multifuncional.
"O concurso está muito brevemente para ser lançado, um investimento considerável a ser feito por privados, é certo", permitindo "receber os navios de maior dimensão".
Segundo Nuno Araújo, quando os investimentos estiverem concluídos, Leixões voltará "à fasquia" que já teve no passado, podendo receber "cerca de 70% da frota mundial" de navios, ao contrário dos 40% atuais.
"O novo terminal é uma coisa que custa 250 milhões de euros, e o futuro terminal a norte, que está em Estudo de Impacto Ambiental, pode custar 450 milhões de euros", elencou.