A estreia do mecanismo de limitação de custos no mercado ibérico de eletricidade (Mibel), através de um preço de referência para as centrais de ciclo combinado a gás natural, teve o dom de ajudar a baixar o preço grossista diário da eletricidade em Portugal e Espanha. Mas com um senão: a compensação a entregar às centrais de ciclo combinado pela limitação administrativa terá um custo substancial.
O preço grossista da eletricidade contratada para esta quarta-feira, 15 de junho, baixou 22%, ou quase 50 euros por megawatt hora (MWh), face ao da energia contratada para terça-feira.
Mas esse benefício, que poderá ser aproveitado por quem tenha tarifas de energia indexadas ao mercado grossista (o que em Portugal ocorre sobretudo na indústria e em alguns milhares de clientes domésticos, mas em Espanha tem uma expressão muito maior), vai ser quase integralmente anulado por uma rubrica de ajustes, que se estreia com o início desta intervenção ibérica no Mibel.
O preço dos ajustes para esta quarta-feira, segundo a plataforma OMIE, cifra-se em 59 euros por MWh. É o equivalente a 5,9 cêntimos por kilowatt hora (kWh), que os comercializadores de eletricidade irão pagar e repercutir nos seus clientes com tarifas indexadas ao mercado grossista, a acrescer ao preço diário, que esta quarta-feira baixa 48 euros, para 165,6 euros por MWh (ou seja, uma redução de 4,8 cêntimos por kWh).
Desta forma, o ajuste (59 euros por MWh) será maior do que a redução no preço diário grossista (48 euros por MWh). Todavia, há que considerar que o volume de eletricidade de centrais a gás será substancialmente maior esta quarta-feira, por efeito de uma redução significativa da produção eólica. Esse maior recurso às centrais a gás provoca habitualmente um disparo do preço grossista da eletricidade.
Segundo fontes ouvidas pela publicação especializada "El Periódico de la Energia", caso não houvesse limitação aos preços das centrais a gás, o preço grossista desta quarta-feira ascenderia a 237 euros por MWh (um valor que fica 13 euros acima do que resulta do custo do preço diário de quase 165 euros e do ajuste de 59 euros).
Assim, em termos líquidos, o benefício teórico da intervenção ibérica no Mibel não irá, neste primeiro dia de operação do novo mecanismo, além dos 13 euros por MWh (o equivalente a 1,3 cêntimos por kWh).
Ricardo Nunes, presidente da Acemel (Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado), admite ao Expresso que "a ideia de fazer o decoupling [separação] do gás da produção de eletricidade não é por princípio errada, e faz ainda mais sentido numa altura em que o preço do gás tem valores incrivelmente altos, seja pela pressão da transição energética, seja pelo conflito na Ucrânia".
Mas o mesmo responsável tem muitas dúvidas sobre a eficácia da intervenção dos governos português e espanhol. "Os riscos de a medida ser ineficaz são muitos, sejam eles operacionais, com os agentes a ajustarem o seu comportamento, sejam de mercado, pois medidas temporárias e avulso trazem instabilidade e riscos de reputação ao mercado ibérico, e podem inclusive afastar investidores internacionais que vêm a estabilidade regulatória como um ativo decisivo para os seus investimentos", afirma.
"Honestamente, penso que medidas diretas de apoio ao consumo (cheque energia ou redução fiscal, por exemplo) seriam muito mais eficazes, e mais facilmente perceptíveis para todos os consumidores", acrescenta o presidente da Acemel.