Quatro entidades que operam como gestores do mercado de energia dirigiram uma carta ao regulador dos mercados, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, alertando para consequências negativas que veem na proposta do Governo de limitar os preços do gás natural dentro do mercado grossista da eletricidade - uma medida que foi algo detalhada esta terça-feira, quatro dias após o envio desta carta, a que o Expresso teve acesso. Uma missiva que se junta a outra, dirigida pelas grandes elétricas a Bruxelas, na qual estas apontam também falhas à medida avançada a nível ibérico.
Os autores da missiva, datada de 22 de abril, são o OMIP - Pólo Português e o espanhol MEFF, gestores do mercado regulamentado de derivados de energia, assim como as câmaras de compensação OMIClear e BME Clearing, onde são liquidados os contratos negociados nas duas primeiras entidades.
“Queremos expressar a nossa preocupação sobre os importantes e relevantes impactos que esta modificação terá no mercado a prazo de eletricidade que tem como “ativo subjacente” o preço resultante do mercado diário”, escrevem os autores, referindo-se às notícias que têm vindo a ser divulgadas pela comunicação social, e que apontam para uma intervenção no mecanismo de determinação do preço da eletricidade no mercado ibérico.
Uma intervenção que afete a formação do preço de forma administrativa, no entender destas entidades, compromete a credibilidade do processo de formação dos preços. Isto tendo em conta que o preço da energia que é fixado diariamente no mercado ibérico representa um “ativo subjacente” dos contratos de derivados que se negoceiam nos mercados regulamentados. é que, relembram estas entidades, o mercado grossista da eletricidade não se reduz ao mercado diário no qual os governos ibéricos pretendem intervir - é também composto por um mercado de derivados, e os agentes podem vender e comprar energia em diferentes horizontes temporais.
A Península Ibérica chegou a acordo com Bruxelas para fixar um preço médio de 50 euros por megawatt-hora (MWh) para o gás natural, ao longo de 12 meses, dentro do mercado grossista da eletricidade, com o objetivo de tirar pressão sobre os preços da eletricidade.
Ultimamente, o gás tem puxado para cima os preços da eletricidade no mercado grossista - onde produtores vendem a sua eletricidade, com origem em diferentes fontes, a comercializadores e grandes consumidores. Os preços do gás têm tido esta influência pois têm vindo a galopar na sequência de pressões impostas pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia e pelo contexto de pandemia.
Mas os gestores têm mais argumentos para não estarem de acordo com a imposição de tectos no gás. “Alterações legislativas que afetem apenas o mercado ibérico de eletricidade, desligando-o dos restantes mercados europeus, implicam uma forte redução da liquidez no mercado a prazo espanhol e português”, dizem. Aliás, “a antecipação de uma eventual intervenção administrativa já está a provocar uma forte redução da atividade do mercado a prazo do MIBEL [mercado ibérico de eletricidade], que já de si apresenta indicadores muito inferiores aos dos mercados europeus mais relevantes”, observam, para depois acrescentarem que o setor necessita de investidores e financiadores para levar a cabo os esforços de transição energética.
Tendo isto em conta, as quatro partes que subscrevem o texto sugerem que apenas sejam realizadas alterações ao mecanismo de fixação do preço da energia se as mesmas forem feitas de forma harmonizada com os restantes países da União Europeia e que, a acontecerem alterações, seja determinado um preço único de referência que sirva como subjacente a todos os contratos de derivados de eletricidade no mercado ibérico, aplicável aos contratos já negociados mas pendentes de liquidação. Finalmente, pedem que o período de aplicação da medida de caráter transitório seja claramente determinado.
A oposição dos gestores do mercado é conhecida depois de o jornal Observador ter noticiado que as grandes elétricas se mostravam céticas sobre a proposta ibérica para baixar os preços da eletricidade no mercado grossista, que está a ser negociada com a Comissão Europeia: afirmaram, também numa carta, que esta é mais favorável para os consumidores espanhóis do que para os portugueses, que até poderão acabar a pagar mais. A carta citada foi enviada a três comissários europeus no passado dia 8 de abril, onde afirmam que os custos podem ser superiores às poupanças estimadas.