A guerra na Ucrânia tem levado várias multinacionais a anunciar um corte de relações com a Rússia, embora esteja ainda por perceber de que forma o farão. No caso de Portugal, a nossa exposição ao gás russo é relativamente reduzida, embora tenha crescido nos últimos três anos. Há quatro grandes empresas que estão a importar gás para Portugal, designadamente a Galp, EDP, Endesa e Naturgy. Mas onde fazem o seu aprovisionamento? E como tem evoluído ao longo do tempo essa contratação de gás?
Comecemos pelos grandes números: Portugal continua a ter na Nigéria a sua maior fonte de gás natural. Chega-nos por navio, sobretudo por via dos contratos de longo prazo que a Galp firmou naquele país africano. Vários desses contratos terminarão nos próximos anos e abrirão a porta ao reforço das importações de gás liquefeito dos Estados Unidos ou de outras geografias.
Mas a exposição ao gás russo, que era nula nos registos da REN – Redes Energéticas Nacionais até 2018, tem subido nos últimos três anos, correspondendo a 3,2% do aprovisionamento português em 2019, a 8% em 2020 e a 14,6% em 2021.
Os dados da REN mostram nos últimos anos uma redução substancial da aquisição de gás por via terrestre, através das interligações com Espanha, refletindo uma menor exposição do nosso sistema ao gás da Argélia. Essa perda de protagonismo deste produtor do Norte de África foi compensada principalmente com um crescimento das importações de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos da América (EUA), mas também com o já referido aumento das compras à Rússia.
Igualmente notório nos números da REN é que o Qatar (outro produtor internacional de referência) tem vindo a perder espaço no aprovisionamento de gás natural de Portugal. O seu peso caiu em 2021 para um terço do que era em 2018.
Esta dinâmica espelha o livre funcionamento do mercado e as diferentes estratégias comerciais das empresas que importam gás para Portugal. Uma parte do gás é importado ao abrigo de contratos de longo prazo, mas outra parte resulta de compras no mercado diário, onde as empresas de energia complementam o seu aprovisionamento, tentando aproveitar oportunidades de cargas em trânsito (mas correndo o risco de pagar mais caro em períodos de forte procura internacional de gás). Comecemos pela maior das empresas que comercializam gás em Portugal, a Galp Energia.
Galp Energia
O último relatório e contas da Galp que detalha dados sobre o aprovisionamento de gás da empresa é o de 2020 e a empresa reportava que 46% do gás que comprou nesse ano veio da Nigéria, por navio, 1% foi comprado no mercado spot [mercado diário, sem contratos de longo prazo] de GNL, 32% no mercado spot de gás natural (via gasoduto) e 21% veio da Argélia (via gasoduto).
Embora os contratos de longo prazo que a Galp tinha através do gasoduto oriundo da Argélia (tendo como fornecedor a argelina Sonatrach) tenham expirado em outubro último, em 2019 a petrolífera portuguesa firmou com a Sonatrach um novo contrato válido por cinco anos, ao abrigo do qual a Galp continua a comprar gás à Argélia (mil milhões de metros cúbicos por ano) para entrega na Península Ibérica.
O maior volume de importação da Galp continua a ser assegurado pela Nigéria. São dois os contratos ainda vigentes com este país africano: um iniciou-se em 2003 e vai até 2023, abrangendo o fornecimento de 0,73 milhões de toneladas por ano; o outro arrancou em 2006 e termina em 2026, para 1,42 milhões de toneladas por ano. Ambos prevêem o abastecimento no ponto de carga de Bonny Island, na Nigéria. O terminal de GNL da REN em Sines será o destino de grande parte (ou da totalidade) desse gás, ainda que os termos do contrato (e a margem que há para esse gás ser desviado para outras paragens) sejam confidenciais.
Um dos navios que fazem o transporte de GNL oriundo da Nigéria (embora não tenha sido possível apurar se opera para a Galp ou outro importador) é o LNG River Niger, que ainda esta segunda-feira, 28 de fevereiro, atracou em Sines, descarregando gás liquefeito, tendo partido do porto alentejano já esta terça-feira à tarde, de volta a Bonny. É um navio de 288 metros de comprimento, construído em 2006, e que tem bandeira das Bermudas.
O mais recente contrato firmado com a Nigéria data de 2020, altura em que a Galp se comprometeu a comprar um milhão de toneladas por ano de GNL à Nigeria LNG Limited durante 10 anos, a começar em outubro de 2021.
Adicionalmente, a partir de 2023 a Galp comprará um milhão de toneladas por ano de GNL à norte-americana Venture Global LNG, num contrato a 20 anos (cujo início coincide com o fim de um dos contratos agora vigentes com a Nigéria). A Venture Global LNG anunciou esta semana a sua primeira expedição de GNL, mas para um outro cliente.
EDP
A elétrica portuguesa é outro dos principais importadores de gás natural para Portugal, não só para abastecer os seus clientes de gás nos segmentos doméstico e empresarial, mas também para suprir as suas centrais de ciclo combinado alimentadas a gás (que opera em Portugal e em Espanha).
No seu relatório e contas de 2020 a EDP não dá detalhes sobre o aprovisionamento de gás (apenas o faz em relação ao carvão, indicando que nesse ano 100% do seu carvão foi comprado na Colômbia).
No entanto, os dados publicados pela GIIGNL, a associação internacional de importadores de GNL, indicam que a EDP tem desde 2003 um contrato de 0,74 milhões de toneladas por ano para importar GNL de Point Fortin, em Trinidad e Tobago, válido até 2023, embora envolvendo um swap pelo qual a espanhola Naturgy adquire esses volumes até ao término do contrato.
Mas a EDP também faz parte de um conjunto de compradores (em que se incluem, entre outros, os grupos EDF e Endesa) que estão a adquirir GNL nos EUA à norte-americana Cheniere. A elétrica portuguesa anunciou ao mercado já em 2014 ter-se comprometido a adquirir GNL por 20 anos (a começar em 2020) ao ritmo anual de mil milhões de metros cúbicos (1 BCM) de gás proveniente de um projeto da Cheniere no Texas.
Já no final de 2021 a EDP comunicou o fim do seu acordo comercial de 14 anos com a argelina Sonatrach (também fornecedora de gás da Galp).
Endesa
A elétrica espanhola é outro dos importadores de gás para Portugal. O seu presidente executivo em Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, assegurou ao Expresso que a empresa não importa gás da Rússia, apontando os EUA como uma das fontes de aprovisionamento.
Segundo a associação internacional de importadores de GNL, a Endesa tem um contrato de gás com a Nigéria (0,75 milhões de toneladas por ano), iniciado em 2006 e com término em 2026, outro com a norte-americana Cheniere (2,25 milhões de toneladas por ano), iniciado em 2019 e com término em 2039, e ainda um contrato com o Qatar (0,75 milhões de toneladas por ano) desde 2005 e que vai até 2025.
Contudo, os dados publicados por aquela associação não permitem perceber que partes dos volumes desses três contratos (Nigéria, EUA e Qatar) se destinam a Portugal e que partes são para Espanha.
Naturgy
A espanhola Naturgy (a antiga Gas Natural Fenosa) é o segundo maior comercializador de gás natural em Portugal, apenas atrás da Galp, segundo as informações relativas a novembro da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
É, segundo as informações recolhidas pelo Expresso, a empresa responsável pela importação da primeira carga de gás russo para Portugal depois do ataque da Rússia à Ucrânia, através do navio Vladimir Vize, que tem chegada prevista a Sines na próxima sexta-feira, 4 de março. O Expresso questionou a empresa sobre esta operação e sobre se tem mais descargas agendadas para Sines ou se tenciona suspender as importações da Rússia, mas não obteve ainda respostas.
O site da Naturgy indica que no gás natural o grupo gere uma carteira de 28 mil milhões de metros cúbicos (28 BCM, o equivalente a mais de cinco vezes o consumo anual de gás de Portugal), com projetos na Argélia, Porto Rico e Omã.
O último relatório anual da GIIGNL, publicado em novembro último e com dados sobre os contratos que estavam em vigor até 2020 (apenas para GNL, não incluindo gás transportado através de gasoduto), indicava que a Naturgy se aprovisiona na Rússia, Austrália, Egito, Nigéria, Trinidad e Tobago, EUA, Qatar, Omã e Porto Rico.
Este aprovisionamento visa a entrega do gás em diferentes geografias em que a Naturgy está presente e inclui também a gestão de carteiras de contratos para terceiros, em que a empresa espanhola centraliza as aquisições de gás, mas depois o redistribui por diferentes empresas de energia.
No caso da Rússia, a Naturgy é um de cinco compradores que em 2018 acordaram comprar o gás à russa Yamal LNG, a partir da unidade de liquefação de Sabetta, no Norte da Rússia. A Naturgy, mas também a CNPC, a Gazprom e a Novatek têm contratos válidos até 2038. A francesa Total também iniciou contrato em 2018, mas com término em 2032. O contrato da Naturgy é para 2,5 milhões de toneladas por ano, sendo impossível saber que parte está reservada a Portugal.
Já no caso da Nigéria, a Naturgy vai igualmente buscar o seu gás a Bonny Island (e à mesma unidade de produção que serve a Galp), com o compromisso de adquirir 1,99 milhões de toneladas por ano. É um contrato iniciado em 2022 e que termina em 2024.