O Ministério Público propõe uma redução global das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência no âmbito do caso conhecido como “cartel” da banca. Mas essa diminuição não é extensível a todas as instituições financeiras, apenas a sete dos 11 bancos com recursos. Quatro bancos devem ver as coimas da Autoridade da Concorrência confirmadas, defende o procurador da República, incluindo porque têm resultados expressivos para suportar as sanções. A sentença do tribunal virá em abril.
Esta quarta-feira, 23 de fevereiro, no início das alegações finais do julgamento que corre no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, o procurador Paulo Vieira considerou que a coima global de 225 milhões de euros, aplicada aos 11 bancos que recorreram para a justiça, deve ser mais baixa, atendando a casos específicos.
Montepio lidera reduções
Justificando com a situação financeira “frágil”, o Banco Montepio deverá ver a sua coima ser reduzida de 26 milhões (paga apenas em 13 milhões, por ter aderido ao programa de clemência), para um máximo de 4,4 milhões de euros (reduzida a metade, à mesma). Foi o único caso em que o procurador apontou um valor específico quando pedia a redução de coima. Nas restantes, pediu a diminuição, mas sem propor um número.
Por exemplo, no BCP, com a segunda coima mais elevada no processo, de 60 milhões, a sanção até devia ser mantida, só que a situação financeira do banco pode justificar que haja uma redução – tudo dependerá, na sua ótica, dos resultados a apresentar na próxima segunda-feira, 28 de fevereiro.
Enquanto enfrenta coima de €60 milhões, BCP sente mais “tensão” nos rácios de capital
Entre as reduções de coimas incluem-se ainda o BES (em liquidação), a UCI, o BIC e BPI (estes dois últimos de forma “marginal”). Até o Barclays, dispensado de pagar por ter sido o denunciante do caso, veria a coima aplicada reduzida, por vontade do Ministério Público.
Resultados explicam manutenções
No montante de 82 milhões de euros, a coima mais elevada, aplicada à Caixa Geral de Depósitos, é para continuar, tal como a do Santander Totta e do BBVA, com o procurador a relembrar que estes dois últimos apresentaram lucros expressivos que não justificam o corte da coima.
No Crédito Agrícola, a posição é manter a coima, mas o procurador ressalvou que ainda não se conhecem os resultados do ano passado – e esse é um ponto central, na ótica do Ministério Público, na hora de definir as sanções.
Evitar novos resgates
Nas justificações, o procurador Paulo Vieira explicou que não quer que as sanções ponham em causa a situação financeira de cada um dos bancos. “O Ministério Público entende que qualquer sanção tenha como seu limite [… a situação] financeira de cada uma das instituições”, declarou.
Segundo o procurador, há necessidade de evitar que o Estado volte a suporte os “elevadíssimos ónus” de coimas elevadas que prejudicassem os bancos. Daí que seja necessário afastar “qualquer risco sistémico”.
O procurador, que alinha com a grande maioria das conclusões da AdC (de que houve troca de informação sensível que não era acedida facilmente pelos consumidores e que falseou a concorrência, entre 2002 e 2013), fez as suas propostas à juíza Mariana Machado. As alegações finais começaram esta quarta-feira, dia 23 de fevereiro, e estendem-se por mais uma semana.
A sentença do tribunal virá em abril. É à juíza que cabe a decisão judicial de aplicação de sanções, aderindo ou não à proposta da AdC e do MP. Qualquer decisão é recorrível pelas partes para tribunais superiores.
Coimas
- Caixa Geral de Depósitos
Coima da AdC: 82 milhões
Coima pedida pelo MP: 82 milhões
O procurador considera que a coima, sendo elevada, representa apenas 7 milhões de euros por cada ano de infração, inferior aos benefícios que terão sido obtidos com a troca de informação. “Afigura-se que esta coima é de manter nos precisos termos” da condenação da AdC. Paulo Vieira criticou a forma como a CGD, apesar de ser um banco de capitais integralmente públicos, tratou do caso: “efetivamente, tem tratado todo este assunto de forma ligeira”.
- Banco Comercial Português
Coima da AdC: 60 milhões
Coima pedida pelo MP: Deve descer se resultados de 2021 forem magros
A coima mostra-se “adequada”, mas o MP não tem certezas, porque depende dos resultados de 2021, a divulgar a 28 de fevereiro. “Caso a solidez do banco venha a ficar afetada, se for o caso, entende-se que a coima deverá ser reduzida”, disse Paulo Vieira.
- Santander Totta (incluindo Popular)
Coima da AdC: 35,65 milhões
Coima pedida pelo MP: 35,65 milhões
“As coimas calculadas mostram-se adequadas, sendo de manter integralmente, atendendo aos resultados de 2021, teve lucros muito expressivos”, justificou o procurador.
- BPI
Coima da AdC: 30 milhões
Coima pedida pelo MP: Abaixo de 30 milhões
“Entende-se que a coima mostra-se adequada, mas, atendendo à correta postura, e à assunção da responsabilidade através do seu presidente da administração, sufraga-se uma redução marginal da coima”, apontou o representante do Ministério Público.
- Banco Montepio
Coima da AdC: 26 milhões, dispensada em metade do valor pelo programa de clemência
Coima pedida pelo MP: Máximo de 4,4 milhões, dispensada em metade do valor pelo programa
O banco aderiu ao programa de clemência da AdC (a segunda adesão, a seguir ao Barclays, pelo que teria direito a dispensa de até 50% da coima). O procurador criticou, porém, a postura do banco, por na fase de julgamento ter uma posição que não é consentânea, e com “atos contrários”, com a clemência. Apesar disso, é de considerar na decisão, defendeu Paulo Vieira, essa adesão. Em relação à sanção, o procurador lembrou a “natureza social” do Montepio, bem como a sua “situação económica frágil” e o facto de o capital ser dos aforradores (os 600 mil associados da mutualista). “Afigura-se, face às necessidades de robustez, que a coima deverá ser substancialmente reduzida, para impedir qualquer tipo de situação. Afigura-se que no seu máximo global não deverá exceder 4,4 milhões, dispensa em metade (2,2 milhões)”, disse ainda o procurador, acrescentando que o Ministério Público “não se oporá a que a coima seja paga em prestações, 100 mil euros cada uma”.
- BBVA
Coima da AdC: 2,5 milhões
Coima pedida pelo MP: 2,5 milhões
“A coima mostra-se adequada, sendo de a manter integralmente”, até porque teve “lucros realmente extraordinários”, explicou o responsável do MP.
- BES
Coima da AdC: 700 mil euros
Coima pedida pelo MP: Simbólica
Não há quaisquer razões de prevenção que justifiquem uma coima elevada, por isso, o Ministério Público pede uma coima de “valor meramente simbólico”.
- BIC
Coima da AdC: 500 mil euros
Coima pedida pelo MP: Abaixo de 500 mil euros
O procurador considera que deverá haver uma “redução marginal da coima”, elogiando o trabalho feito pela defesa. Porém, recusa que não haja coima por as infrações terem sido cometidas pelo BPN, entretanto comprado pelo BIC, pelo simples facto de o NIF do BPN ter sido o assumido pelo BIC.
- Crédito Agrícola
Coima da AdC: 350 mil euros
Coima pedida pelo MP: 350 mil euros
Também se mostra adequada, ainda que o procurador ressalve que ainda não saíram os resultados de 2021.
- UCI
Coima da AdC: 150 mil euros
Coima pedida pelo MP: abaixo de 150 mil euros
É de baixar a coima aplicada à UCI, a mais baixa deste grupo de bancos, segundo o procurador.
- Barclays
Coima da AdC: 8 milhões (dispensa na totalidade por programa de clemência)
Coima pedida pelo MP: menos de 500 mil euros (dispensa na totalidade por programa de clemência)
Foi o Barclays que deu origem ao processo, ao denunciar a existência de troca de informações, no fim de 2012. A coima da AdC, pelas suas infrações, era de 8 milhões, mas com dispensa total, por conta desse programa de clemência. O procurador diz que o cálculo deveria apontar as coimas para os 500 mil euros, mas, atendendo à “conduta”, até esses 500 mil euros devem ser reduzidos. Seja como for, esse valor não terá de ser pago devido à clemência.