Mais de um ano depois de ter sido apresentado um estudo da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico com medidas de apoio ao desenvolvimento do mercado de capitais, e ter sido criado pelo Governo um grupo de trabalho para esse efeito, as medidas ainda não saíram do papel, mas o novo presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Gabriel Bernardino, acredita que haverá propostas concretas ainda este ano. E diz que Portugal pode inspirar-se e seguir o exemplo de países, inclusive mais pequenos, que têm um mercado de capitais eficiente, e a cumprir um papel essencial de financiamento das empresas e de alternativa de investimento de poupança de longo prazo para as famílias.
“É importante que haja um conjunto de medidas [de estímulo ao mercado de capitais], que as medidas sejam coerentes entre si e a parte fiscal é uma delas”, afirmou Gabriel Bernardino, presidente da CMVM, na conferência de imprensa de apresentação da estratégia deste regulador para os próximos três anos (2022-2024).
Tem de haver, defende Gabriel Bernardino, uma “visão desapaixonada” sobre o desenvolvimento do mercado de capitais, que deve funcionar em dois eixos, como financiador das empresas e simultaneamente como uma forma eficiente de retorno para as poupanças dos cidadãos.
“É importante que exista um desígnio nacional que entenda que o mercado de capitais não é o objetivo ou o bem em si mesmo, mas que pode ser um elemento essencial do crescimento das nossas empresas, da nossa economia e do que os cidadãos podem retirar do mercado”, frisou. E acrescentou: “Enquanto país e enquanto cidadãos temos todos a ganhar em ter um mercado de capitais que financie a economia. Há necessidade de desenvolver um plano que possa ser o mais concreto possível”.
Questionado sobre a importância da fiscalidade, que há muitos anos não é usada em Portugal, como forma de atrair investidores, sublinhou a sua importância. “A questão da fiscalidade é incontornável, é um elemento essencial pelo sinal que pode dar”. E acrescentou: “O nosso papel é podermos conjugar as vontades de todo o ecossistema”.
“Estive dez anos fora de Portugal e não somos assim tão pequenos. Temos condições de fazer melhor”, considerou. E disse ainda que não se trata, nem deve tratar, de uma questão ideológica, mas de eficiência e uso de todos os instrumentos para financiar a economia. Gabriel Bernardino aconselha inclusive a estudar o que acontece em outros países: ” É olhar para os muitos exemplos que há em alguns países, alguns até mais pequenos do que Portugal, e tentar segui-los. É por aí que temos de caminhar”. E não têm de ser os políticos a fazê-lo, também pode ser a sociedade, afirmou.
O presidente da CMVM admitiu ainda que assim que o Governo tomar posse será a altura para dialogar com o executivo sobre medidas concretas, as quais aliás já estão identificadas pelo grupo de trabalho. “Teremos de ver as medidas do programa de Governo e o que quererá pôr em marcha”, assegurou. A OCDE deixou, no início de outubro de 2020, um conjunto de 20 recomendações para estímulo ao mercado de capitais, que vão desde incentivos fiscais para investidores institucionais e de retalho, a custos mais baixos, simplificação das regras de supervisão, mais privatizações e até à intervenção do Estado para ajudar a criar uma plataforma financeira de apoio às fusões e aquisições.
Em relação à falta de recursos da CMVM, uma queixa recorrente de antiga administração do regulador, admite que há escassez de meios. “Há áreas em que queremos ter uma atuação mais tempestiva e mais próxima, gostaríamos por isso de ter mais recursos financeiros e humanos”, concluiu.
Gabriel Bernardino espera ter o conselho de administração completo depois da tomada de posse do novo Governo. Atualmente, o conselho é composto apenas por homens – o presidente, Gabriel Bernardino, e os vogais, José Miguel Almeida e Rui Pinto – ou seja, não tem diversidade de género, algo pedido às empresas cotadas, como medida de boa governação. Falta ser ocupado o lugar de vice-presidente e de vogal.
Sobre a reforma da supervisão financeira, um dossiê que os governos de António Costa têm tratado, mas sem avançar, disse que não tem sido debatida na CMVM e que tem “ideias próprias” sobre o tema, mas que este não é o momento adequado para falar. Em março de 2020, a CMVM considerou, em parecer, que a então proposta de reforma da supervisão financeira aumentaria os custos e reduziria a independência dos supervisores.