Economia

Projeto da EDP no Alto Lindoso obtém “luz verde” da APA, contra recomendação da comissão de avaliação

A EDP quer construir uma pequena central para poder produzir mais eletricidade a partir dos caudais ecológicos obrigatórios da barragem do Alto Lindoso. Comissão de avaliação da Agência Portuguesa do Ambiente recomendou o “chumbo” do projeto, mas a APA acabou por autorizar

A barragem do Alto Lindoso. Foto: EDP

A EDP obteve da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) uma decisão favorável condicionada para avançar com a construção de uma pequena central hidroelétrica junto à barragem do Alto Lindoso, uma das que estão atualmente com um baixo nível de armazenamento de água. O projeto da EDP chegou a ter uma posição desfavorável da comissão de avaliação da APA, mas acabou por obter “luz verde” da Agência a 17 de janeiro.

O objetivo da EDP é construir uma pequena central com uma potência de 4,74 megawatts (MW) junto ao paredão da barragem do Alto Lindoso (que tem uma potência instalada de 630 MW), que visa aproveitar as descargas obrigatórias para cumprimento do caudal ecológico do rio Lima para produzir eletricidade.

O projeto da EDP esteve em consulta pública entre abril e junho do ano passado, tendo recebido apenas quatro contributos. Além de um cidadão que alertou que este investimento não permitirá baixar o preço da eletricidade, a consulta pública recebeu também alertas do Turismo de Portugal (avisando para impactos negativos na fase de construção), da Direção-Geral do Território (que indicou que a cartografia do projeto usava imagens não oficiais nem homologadas) e da Autoridade Nacional de Aviação Civil (que não colocou objeções).

Depois, em julho de 2021, o projeto da EDP, que prevê um investimento de 5,85 milhões de euros, acabou por receber uma proposta de “emissão de parecer desfavorável” por parte da comissão de avaliação da APA.

Embora reconhecesse que os impactos negativos eram “na generalidade suscetíveis de minimização”, a comissão de avaliação referia, no seu parecer, que “o projeto não cumpre o definido nos artigos 7.º e 20.º do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês” (POPNPG) e que “a realização do projeto é considerada interdita nos termos do artigo 20.º do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN)”.

A recomendação de emissão de parecer desfavorável acabou por não ser seguida pela APA, que no passado dia 17 de janeiro emitiu o título único ambiental (TUA) com uma decisão “favorável condicionada”. Ou seja, a EDP poderá avançar com o investimento, embora sujeita ao cumprimento de um conjunto de medidas.

Segundo o TUA, depois do parecer desfavorável da comissão de avaliação, houve um período de audiência de interessados e “diligências complementares”, a que se seguiu a proposta de declaração de impacto ambiental (DIA) “favorável condicionada”.

Nessa audiência de interessados os argumentos da EDP acabaram por convencer a APA. “Considerando o exposto pelo proponente em sede de audiência de interessados, foi reavaliado o enquadramento do projeto no POPNPG, tendo-se concluído que o projeto não configura uma atividade interdita pelo regulamento daquele instrumento de gestão territorial, não se aplicando assim o disposto na alínea d) do artigo 7.º desse mesmo regulamento. Acresce que a alínea d) do artigo 6.º do Regulamento do POPNPG identifica como ações a promover as que contribuam para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, nas quais o presente projeto se enquadra”, refere a APA.

A declaração de impacto ambiental (DIA) lista mais de meia centena de regras a seguir pela EDP antes, durante e depois da obra, de forma a acautelar algumas das preocupações levantadas durante a avaliação de impacto ambiental. São recomendadas “velocidades moderadas” dos camiões “sempre que se verifique a travessia de zonas habitadas”, a montagem da grua no local da obra deve ocorrer entre outubro e março e os caminhos utilizados pelos veículos afetos à obra devem ser recuperados.

Estas são apenas algumas das regras a seguir pela elétrica e pelos empreiteiros que venham a ser contratados para uma obra que a EDP estima que dure 16 meses. Quando o estudo de impacto ambiental foi apresentado, em abril de 2021, a EDP previa que os trabalhos pudessem arrancar em abril de 2022.

EDP justifica obra com necessidade de assegurar caudal ecológico

A elétrica justifica este investimento com o facto de tecnicamente a barragem do Alto Lindoso não permitir cumprir os caudais ecológicos durante cinco meses por ano, quando há mais água do que aquela que o dispositivo instalado para a gestão do caudal ecológico consegue processar.

“O Contrato de Concessão (CC) relativo ao Aproveitamento Hidroelétrico do Alto Lindoso define um conjunto de condicionamentos ao regime de exploração, dos quais se destaca a obrigatoriedade do lançamento de caudais ecológicos como uma medida necessária para atingir e manter o bom potencial ecológico da massa de água fortemente modificada a jusante da barragem, tendo em linha de conta a Lei da Água, que transpõe para o direito nacional a Diretiva Quadro da Água”, contextualiza a EDP.

“Os caudais a lançar estão definidos num regime de caudais ecológicos, em que se fixam valores mensais de caudal. A barragem do Alto Lindoso está dotada de um DLCE [Dispositivo de Lançamento de Caudais Ecológicos] que não permite o lançamento de caudais superiores a 4 metros cúbicos (m3) por segundo”, explica ainda a elétrica, notando que, desta forma, a barragem não tem capacidade para lançar o regime de caudais ecológicos previsto no contrato de concessão, em cinco meses do ano, que apresentam valores superiores à capacidade máxima de 4 m3 por segundo.

“Atendendo aos regimes de caudais ecológicos definidos e, entretanto, implementados, foi considerado viável o aproveitamento dos caudais ecológicos da barragem do Alto Lindoso para produção de energia elétrica, tendo-se decidido pela solução técnica e economicamente viável para o efeito que agora se apresenta”, apontava a EDP no estudo de impacto ambiental.

A empresa estima que a mini-central que agora construirá permitirá, além de cumprir o caudal ecológico durante todo o ano, produzir 15,65 gigawatts hora (GWh) por ano de eletricidade.

Se considerarmos um valor médio de venda da energia de 50 euros por megawatt hora (MWh), em linha com a média histórica do mercado ibérico entre 2007 e 2020, a pequena central hídrica do Alto Lindoso conseguirá uma receita anual superior a 782 mil euros.

Aos preços grossistas atuais (que refletem uma situação conjuntural de preços altos no gás natural), de mais de 200 euros por MWh, este novo empreendimento da EDP conseguiria faturar 3,13 milhões de euros por ano (e num par de anos faturaria mais do que o valor investido no projeto).

Armazenamento a recuperar, mas lentamente

Os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) mostram que a albufeira do Alto Lindoso, uma das mais afetadas pelo problema da seca em Portugal, tem vindo a recuperar nos últimos dias parte do volume de água armazenado, embora devagar.

Com uma capacidade de 390 milhões de metros cúbicos, a albufeira junto à barragem explorada pela EDP tinha este domingo um pouco mais de 59 milhões de metros cúbicos de água, segundo o SNIRH, ou seja, ligeiramente acima de 15%.

A 18 de janeiro a albufeira do Alto Lindoso chegou a ter 49 milhões de metros cúbicos, de acordo com a mesma fonte.

Esta foi uma das barragens para as quais o Governo decretou restrições quanto ao uso da água para produção de eletricidade, impedindo a EDP de turbinar a partir de determinado limiar mínimo (variável de albufeira para albufeira).