Economia

A propósito da situação de Portugal, Lagarde lembrou 1755 (e reafirma: “está fora de questão” subir os juros do BCE em 2022)

Christine Lagarde disse esta quarta-feira em Lisboa, e fê-lo duas vezes, que subir as taxas de juro do Banco Central Europeu já no próximo ano está fora de questão. Em entrevista à TVI disse ainda que dá nota positiva à recuperação económica de Portugal e, sem querer comentar a crise política no país, recomendou aos portugueses que olhem para o que se passou no terramoto de 1755 em Lisboa

Christine Lagarde, presidente do BCE, na sua mais recente visita a Lisboa
NUNO FOX

"Está fora de questão em 2022 subir as taxas" do Banco Central Europeu (BCE), garantiu de novo Christine Lagarde, desta vez em entrevista à TVI esta quarta-feira. A declaração já havia sido avançada na intervenção que havia feito, também esta quarta-feira, na comemoração dos 175 anos da criação do Banco de Portugal.

Lagarde, que se deslocou a Lisboa a convite do Presidente português para participar numa parte da reunião desta quarta-feira do Conselho de Estado, reafirmou que as taxas de juro vão continuar baixas e "sugeriu" que os investidores e os governos aproveitem esta conjuntura de condições financeiras favoráveis.

A presidente do BCE deu nota positiva à recuperação económica em Portugal, falando de uma "boa recuperação e forte", em que "os números são bons e são mais altos do que a média da zona euro". Recusando-se a "comentar assuntos internos", como a crise política em Portugal, considerou que a "estabilidade" é uma palavra-chave,

E aproveitou para recomendar que os portugueses sigam o exemplo da resposta dada pelos governantes de então ao terremoto de 1 de novembro de 1755 em Lisboa, o que já havia feito na intervenção feita na comemoração dos 175 anos do Banco de Portugal.. O que foi então crucial "foi a determinação, a coragem e a capacidade de fazer reformas", disse na entrevista à TVI, esperando que "a mesma coragem e resiliência" se manifestem agora.

A ausência do Marquês de Pombal da "lição de Lisboa"

No entanto, Lagarde, nem na entrevista, nem na intervenção no Banco de Portugal, se referiu concretamente ao político que liderou tal movimento de "coragem e resiliência" e de "reformas" após o Terremoto que custaria 20.000 a 30.000 mortes e um colapso entre 32 e 48% do PIB português, citou a francesa. Contas feitas por um historiador do começo do século XX, Lúcio de Azevedo, apontam para uma perda total de 2.284 milhões de libras francesas (de Tours, ou libras tornesas), que hoje, grosso modo, equivaleriam a um desastre de 36 mil milhões de euros.

O homem chave de então chamava-se Sebastião José de Carvalho e Melo, verdadeiro primeiro-ministro (sem nunca ter sido nomeado escrivão da puridade que era o cargo correspondente) de José I, mais tarde Conde Oeiras, já depois do terramoto, e que ficaria consagrado para a história como Marquês de Pombal desde 1770, cuja gigantesca estátua é uma figura dominante em Lisboa.

Christine Lagarde resumiu o momento político de então dizendo que "o terremoto proporcionou ao governo um momento de “agora ou nunca” para uma reforma abrangente da economia. Portugal lançou uma série de medidas, incluindo políticas de desenvolvimento industrial, destinadas a revitalizar o país na segunda metade do século XVIII". A francesa designou o ocorrido então como "lição de Lisboa". "Tal como Portugal conseguiu uma revitalização tão fundamental da sua economia no século XVIII, a Europa também o pode fazer no século XXI. A Europa deve seguir esta lição de Lisboa", disse a presidente do BCE.

O historiador Francisco António Correia, do início dos anos 30 do século passado, elencou sobre este período na sua "História Económica de Portugal", uma série de medidas e reformas: além da reconstrução pombalina, da expulsão dos Jesuítas do ensino, da criação da Aula do Comércio (a primeira escola técnica de comércio criada na Europa), da demarcação da região do Douro produtora do vinho do Porto, até à primeira Feira das Indústrias em Oeiras, a primeira no seu género na Europa, à criação do porto franco da Junqueira e a um conjunto de medidas de proteção das indústrias até à criação do Erário Régio em 1761 (o avô do Ministério das Finanças que nasceria da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda).

Sobre o apoio que a chamada 'bazuca' europeia vai dar, agora Lagarde sublinhou que "implementar, implementar é a questão-chave, o que não é fácil mas é um desafio".

O "modelo" que detesta a "doença estúpida" machista

A presidente do BCE confessou, na entrevista à TVI, que não se considera um "símbolo" mas que ficou satisfeita por uma funcionária do aeroporto em Lisboa lhe ter dito que a considerava "seu modelo". A francesa repudiou "a doença estúpida" do machismo que ainda vê de lado o papel das mulheres em lugares de destaque mundial.

Lagarde esteve no Banco de Portugal e numa parte da reunião do Conselho de Estado convocada por Marcelo Rebelo de Sousa no dia em que o banco central dos Estados Unidos decidiu dar início já em meados de novembro a um plano de redução mensal das compras de ativos que deverá terminar em junho do próximo ano.

Apesar da crise política em Portugal e do contágio potencial do corte de estímulos monetários nos Estados Unidos, os juros da dívida portuguesa no prazo de referência, a 10 anos, desceram esta quarta-feira ainda mais em relação ao pico de 0,6% registado no primeiro dia de novembro. À hora da entrevista na TVI, as taxas no mercado secundário fecharam em 0,42%.

Subida das taxas diretoras em 2022 "muito improvável", disse Lagarde no Banco de Portugal

"Não obstante a atual subida acentuada da inflação, as perspetivas quanto à inflação a médio prazo permanecem fracas e, por conseguinte, é muito improvável que essas três condições [definidas pelo BCE em relação à sustentabilidade de uma taxa média em torno de 2%] sejam preenchidas no próximo ano", disse Lagarde na intervenção que fez na cerimónia dos 175 anos do Banco de Portugal.

Recorde-se que a inflação subiu para 4,1% em setembro, o nível mais alto desde 2008, mas mesmo assim abaixo da inflação registada nos Estados Unidos, que se mantém acima de 5% desde junho. As previsões atuais do BCE - que só serão atualizadas na reunião de dezembro - apontam para uma descida da inflação ao longo dos dois próximos anos, ficando abaixo da meta de 2% nesse horizonte.

Sobre o programa de aquisição de ativos, Lagarde sublinhou que "por enquanto continuamos a utilizar o PEPP [o programa de emergência lançado em março do próximo ano] para salvaguardar condições de financiamento favoráveis e assegurar que os custos do crédito para todos os sectores da economia não se tornam indevidamente restritivos". A presidente do BCE acentuou que a prudência na redução dos estímulos - que chama 'recalibração' - se deve ao facto de considerar que "um aumento indevido da restritividade das condições de financiamento não é desejável numa altura em que o poder de compra já está a diminuir devido a faturas de produtos energéticos e de combustível mais elevadas e representaria um fator adverso injustificado para a recuperação".

O BCE decidiu recalibrar o volume mensal de compras através do programa PEPP, reduzindo-o moderadamente neste último trimestre do ano e Lagarde já adiantou que esse programa de emergência deverá terminar em março do próximo ano.

"Quanto à calibração das compras de obrigações num mundo pós-pandemia, anunciaremos as nossas intenções em dezembro. Mesmo após o esperado termo da situação de emergência pandémica, continuará a ser importante que a política monetária – incluindo a calibração adequada das compras de ativos – apoie a recuperação e o regresso sustentável da inflação ao nosso objetivo de 2%", concluiu.