"Neste momento, consideramos que o PEPP deverá terminar em março, como inicialmente previsto", avançou Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE) na conferência de imprensa que se seguiu ao final da penúltima reunião de política monetária deste ano.
PEPP é a sigla em inglês do programa de emergência lançado em março do ano passado que tem um envelope para aplicar de 1,85 biliões de euros, dos quais já foram usados em compra de ativos, sobretudo dívida pública, cerca de 79% até 22 de outubro (os últimos dados disponibilizados pelo BCE).
Lagarde admitiu que, com os dados atuais do andamento da economia da zona euro, o programa especial deverá ser descontinuado dois anos depois de ter sido iniciado como resposta aos efeitos da pandemia, mas não adiantou se será ou não usado totalmente (até ao montante de 1,85 biliões de euros). Também não deu nenhuma perspetiva sobre o que poderá ocorrer após março de 2022, tema que deverá ser discutido na próxima reunião a 16 de dezembro.
Reinvestimento vai continuar, mesmo depois de descontinuado o PEPP
A reunião desta quinta-feira confirmou que o volume de compras através do PEPP deverá ser reduzido moderadamente neste último trimestre do ano. Segundo dados do BCE, o PEPP adquiriu 60 mil milhões de euros em títulos em setembro e já comprou 70 mil milhões em outubro, até ao dia 22, o que, segundo alguns analistas, não revela ainda tal moderação.
Mesmo que o PEPP seja descontinuado em março, continuará o programa de reinvestimentos dos valores dos títulos vencidos, pelo menos até ao final de 2023, garantindo aos estados membros do euro mais uma folga temporal para cobertura de uma parte do seu endividamento adicional em resultado da resposta à pandemia.
Depois de Lagarde ter avançado com a data provável de descontinuação do PEPP, subiram as taxas (yields) das obrigações da dívida pública no mercado secundário. Num primeiro impulso, as taxas da dívida portuguesa a 10 anos subiram até 0,46%, para, depois, estabilizarem pouco acima de 0,4%, um nível ligeiramente superior ao fecho de setembro passado, em 0,37%. O mesmo tipo de movimento se pode observar nas taxas das obrigações alemãs a 10 anos, que servem de referência na zona euro.
Há uma desconexão entre o BCE e o mercado
Com as expetativas dos mercados a apontarem, ultimamente, para uma primeira subida das taxas diretoras do BCE ainda no próximo ano, eventualmente no outono, Lagarde aproveitou a conferência de imprensa para ser muito incisiva.
"Há uma desconexão" entre a análise do BCE e as expetativas de mercado, reconheceu Lagarde. Mas a estratégia do banco central mantém-se quanto à sequência apontada na reunião de setembro: as taxas diretoras só sobem depois de descontinuados os programas de aquisição líquida de ativos (o que significa que as compras param, mas os reinvestimentos prosseguem mesmo depois das taxas diretoras subirem), como refere o comunicado oficial, repetindo a orientação futura (forward guiding) que está em vigor.
E a sua subida está, sempre, condicionada por critérios relativos ao comportamento da inflação na zona euro, recordou, diversas vezes, ao longo da conferência de imprensa.
O BCE só dará o passo de subida das taxas diretoras quando se "observar que a inflação atinge 2%, muito antes do final do horizonte de projeção e de forma durável durante o resto do horizonte de projeção, e [quando] considerar que os progressos realizados em termos de inflação subjacente [inflação excluindo as componentes mais voláteis, como a energia, por exemplo] estão suficientemente avançados para serem consentâneos com uma estabilização da inflação em 2% no médio prazo", como se pode ler no comunicado oficial.
Embora não tenha dito que os mercados estão "errados" nas expetativas sobre uma subida das taxas diretoras durante 2022, Lagarde declarou deliberadamente durante a conferência de imprensa que "a nossa análise certamente não corrobora a expetativa dos mercados de que as condições exigidas pela nossa orientação futura estarão satisfeitas no momento da decolagem [das taxas diretoras], nem em qualquer momento logo depois". Segundo os analistas do Commerzbank, os banqueiros centrais teriam aconselhado Lagarde a nunca usar a palavra "errado" ao referir-se aos mercados. Por isso, falou de "desconexão".
No entanto, a presidente do banco central aproveitou para "falar grosso" aos mercados. "Repetirei a nossa convicção" de que o surto inflacionista vai abrandar em 2022 e "se necessitar de mais tempo para a explicar, fá-lo-ei". Lagarde confirmou que esta reunião de outubro foi dedicada largamente ao tema do momento, a inflação. "Falámos de inflação, inflação, inflação. Muito do nosso tempo", ironizou a francesa.
A análise do BCE sobre a subida da inflação - com aumentos em outubro ainda esta quinta-feira divulgados nas estimativas para a variação de preços em Espanha e na Alemanha - é que abrandará ao longo do próximo ano, nomeadamente, com a descida dos preços motivados pelo disparo na componente energética e pelo desajustamento entre a forte procura gerada pela recuperação económica e as disrupções na oferta motivadas por diversas razões, entre elas, os estrangulamentos nas cadeias de fornecimento globais.
O BCE mantém as suas previsões de que a inflação poderá situar-se acima de 2% durante algum tempo e "mais tempo do que esperávamos", mas a trajetória será de descida não atingindo em 2023 o objetivo de 2% que enforma a política monetária. O que impede uma "normalização" das medidas expansionistas como a perspetivam os mercados. Lagarde aproveitou a ocasião para rejeitar, uma vez mais, o cenário de estagflação na zona euro, ou seja, estagnação económica com subida de inflação, adiantado por muitos economistas, analistas de mercados e políticos. "Não vemos nenhuma estagnação económica no horizonte e a inflação descerá ao longo de 2022", frisou.
Repetiu, ainda, que o BCE não se sente pressionado pela estratégia de outros bancos centrais que já começaram ou iniciaram o tal processo de 'normalização' da política monetária. "Não discutimos qualquer efeito de decisões que possam ser tomadas pela Fed (a Reserva Federal norte-americana) ou o BoE (o Banco de Inglaterra)", disse Lagarde. Os comités de política monetária destes dois bancos centrais reúnem-se na próxima semana, a 3 e 4 de novembro.
Weidmann não sai "fatigado" com as decisões do BCE
"Sempre tive excelentes relações com [Jens] Weidmann e lamento que ele saia [da presidência do Bundesbank]", disse Lagarde, comentando o anúncio do banco central alemão de que o seu presidente abandona o cargo no final do ano - o que implica a sua saída também das reuniões do BCE.
"Ele alegou razões pessoais" para abandonar o cargo ao fim de dez anos, e "não vejo essa saída como fadiga em relação às decisões do BCE, acrescentou Lagarde, face à apreciação geral de que um dos mais destacados 'falcões' da política monetária da zona euro abandonava o barco "frustrado".