Governo e PS saudaram esta quarta-feira as propostas da esquerda para reduzir horários de trabalho, aumentar as férias, endurecer as condições de despedimento e reduzir a precariedade, mas, na hora das votações, só deixaram passar uma delas. Aliados ao PSD, ao CDS e à Iniciativa Liberal, os socialistas voltaram a travar alterações a medidas laborais que foram introduzidas no tempo da troika e deixaram um sinal claro sobre as suas linhas vermelhas para negociar com a esquerda a viabilização do orçamento do Estado para 2022.
Um grupo de propostas a ficar esta quarta-feira pelo caminho respeita ao tempo de trabalho. No plenário da Assembleia da República, PCP e Bloco de Esquerda (nalguns casos acompanhados pelo PAN e pelo PEV) voltaram a propor que os trabalhadores recuperassem os 25 dias de férias a que tinham direito antes de 2012, com a chegada da troika (embora desta vez sem restrições quanto à assiduidade), e que o setor privado passe a trabalhar as mesmas 35 horas que o setor público.
Diana Ramos, do PCP, defendeu que o “avanço tecnológico tem de estar ao serviço dos trabalhadores” e que “de nada servem as preocupações com o tempo que as crianças passam na escola se depois não se mexe no horário de trabalho dos pais e mães”. José Soeiro, do BE, acrescentou à argumentação que nos últimos anos os salários se reduziram de várias formas encapotadas: os empregados trabalham horas extra sem serem pagos e a redução dos dias de férias nos tempos da troika mais não foi que um aumento do trabalho não remunerado.
Mas a medida acabou por ficar pelo caminho com os votos contra do PS, PSD, CDS e Iniciativa Liberal.
Despedimento: Tsunami ou boa surpresa?
Outro conjunto de propostas que esta quarta-feira foram a votação dizem respeito às regras de despedimento. Numa altura em que se sucedem anúncios de despedimentos na Altice, TAP, Eurest, Global Media, Ryanair, Cofina, BCP e Santander, a esquerda quis limitar as condições dos despedimentos coletivos e do despedimento individual por extinção do posto de trabalho e revogar o despedimento por inadaptação. PCP e BE defenderam também a reposição do valor das indemnizações que as empresas têm de pagar por cada ano de trabalho, e que os trabalhadores que recorram aos tribunais para contestarem o seu despedimento não percam o direito a receber a indemnização, como atualmente acontece.
Contudo, também estas medidas, destinadas a travar o que os deputados classificaram como “um verdadeiro tsunami”, acabaram por morrer na praia, com os votos contra do PS, PSD, CDS e Iniciativa Liberal.
Neste campo, Miguel Cabrita, secretário de Estado Adjunto e do Trabalho, recusou alarmismos porque nem Portugal tem uma taxa de desemprego muito elevada, nem as regras de despedimento são facilitistas. “Se há um ano atrás nos dissessem que hoje estaríamos com uma taxa de desemprego a escassas décimas acima da de 2020 diríamos que não era possível, e foi possível graças às regras de apoio” do Governo. Além disso, no conjunto dos países da OCDE “temos uma legislação protetora nos despedimentos, quer nos coletivos quer no despedimento individual, sustentou.
Combate à precariedade é para aprofundar
O PS, que durante o debate se referiu à iniciativa e às propostas da esquerda, em particular do PCP, em termos elogiosos, acabou por apenas aprovar uma delas: a proposta alargada dos comunistas que prevê, entre outras medidas, uma redução do recurso aos contratos a termo e termo incerto, e a revogação dos contratos especiais de muito curta duração, a revogação do aumento do período experimental para 180 dias nos casos de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração.
Este conjunto de alterações transita agora para a discussão na especialidade e poderá ser conjugada com as propostas em que o Governo tem vindo a trabalhar e deverá apresentar nas próximas semanas a partir do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.
Miguel Cabrita diz que o Governo não tem dúvidas de que “há trabalho a fazer no combate à precariedade”, mas não deixou de reclamar o que já fez muito nesta área: limites legais na celebração dos contratos a termo, redução da duração máxima do trabalho temporário e do seu número de renovações são exemplos de “avanços importantes que convivem bem com as diferenças que temos”, ripostou Miguel Cabrita ao Bloco de Esquerda.
Código do Trabalho não serve de moeda de troca para o PCP
O debate desta quarta-feira ficou ainda marcado por uma querela entre direita e esquerda sobre os verdadeiros motivos por detrás do agendamento desta sessão. PSD e CDS não têm dúvidas de que os comunistas voltaram a colocar este tema no debate porque se aproxima a votação do orçamento do Estado, e o PS está nas mãos da esquerda.
“O PCP está a vender o seu apoio” e a usar “o Código do Trabalho como alavanca para aprovação do Orçamento do Estado”, atirou Pedro Roque (PSD). Na réplica, João Oliveira, do PCP, sossegou as hostes, garantindo que os comunistas discutem e negoceiam no orçamento apenas os temas laborais que lá tenham enquadramento, e fora dessa sede todas as outras.
E, se dúvidas houvesse, Jerónimo de Sousa voltou a repetir: “Nem que o PS aprovasse todas as nossas propostas elas serviriam de moeda de troca para aprovarmos o orçamento do Estado”. Só aprovou uma, mas António Costa pode ficar descansado: a aprovação do OE não passará por aqui (para os comunistas).