A auditoria especial da Deloitte destinada a escrutinar a injeção de 1035 milhões de euros por parte do Fundo de Resolução no Novo Banco revela que o Banco Central Europeu identificou falhas na contabilização de imparidades para créditos no valor de 610 milhões. O banco viu-se obrigado a reforçar.
Uma inspeção do Banco Central Europeu ao Novo Banco em 2019 destinada a "avaliar a gestão de colaterais, NPL (crédito malparado) e ativos recuperados" identificou necessidades de o banco liderado por António Ramalho contabilizar adicionalmente imparidades de 610 milhões de euros, das quais 394 milhões relativas a imparidades para crédito e 216 milhões de euros por conta de desvalorizações de imóveis. Esses valores tinham como referência o fim do ano de 2018.
Segundo a auditoria da Deloitte divulgada esta sexta-feira, 9 de abril, depois de rasurada de informações sob sigilo, pode ler-se que, no âmbito da inspeção do BCE, "o Novo Banco registou perdas de 317 milhões de euros em 2019 relativas a exposições abrangidas" pela inspeção feita pelo BCE. Fê-lo a 6 de dezembro. Quanto às exposições a imóveis o banco liderado por António Ramalho, depois de "ter efetuado o processo de reavaliação anual, aprovou o registo de uma perda adicional de 95 milhões de euros".
A auditoria especial da Deloitte debruçou-se sobretudo sobre as vendas de várias carteiras de ativos em 2019, como o sejam o projecto Sertorius (imóveis) o Projecto Nata II (créditos) e a conclusão do projecto Albatros (créditos e imóveis da sucursal de Espanha), o qual havia sido iniciado em 2018. O mesmo aconteceu com a venda da seguradora GNB Vida.
"Uma parte muito substancial das perdas registadas em 2019 resulta de ativos originados maioritariamente em período anterior à constituição do Novo Banco e que já apresentavam perdas ou desvalorizações relevantes de anos anteriores". O pagamento solicitado pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução por conta das perdas apuradas em 2019 ascendeu a 1037 milhões (corrigido para 1035 milhões), no decurso de prejuízos de 1066 milhões em 2019.
O trabalho desta auditoria, obrigatória por lei quando há injeções de dinheiros públicos em bancos, iniciou-se em novembro de 2020 por isso este trabalho foi também marcado pelas restrições decorrentes da pandemia tendo o trabalho sido feito à distância "através de utilização de uma plataforma para disponibilização da documentação e da definição de processos para realizar as necessárias interações com os colaboradores do Novo Banco".
Conflitos de interesse analisados só após as vendas
A Deloitte refere no relatório que em algumas das operações analisadas não havia documentação no que diz respeito à análise das contrapartes e conflitos de interesse no momento da venda das carteiras, apesar de não terem sido à posterior detetadas desconformidades.
E exemplifica os casos: "No processo de venda da carteira Albatros (créditos e imóveis sa sucursal de Espanha), as análises de conflitos de interesses e de partes relacionadas sobre as entidades adquirentes da carteira foram realizadas posteriormente à assinatura dos CCV (contrato de compra e venda)".
Já no que diz respeito à carteira de imóveis denominada Setorius, o parecer do departamento de compliance do banco relativo à analise de contrapartes só foi emitido "em momento posterior à deliberação do CAE [conselho de administração executivo] do Novo Banco para alienação da carteira", embora este tenha sido anterior à assinatura do contrato de venda.
E, no que concerne ao portefólio de crédito da carteira Nata II, o parecer do departamento de 'compliance' sobre a análise de contrapartes em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo da entidade compradora "foi emitido em momento posterior à assinatura do contrato de venda da carteira".
Na auditoria pode ainda ler-se que quanto à análise de conflitos de interesse realizada à entidade compradora da carteira Sertorius, apesar de "não terem sido contemplados todos os elementos integrantes dos respetivos órgãos sociais", o departamento de compliance do banco "não identificou pessoas ou entidades relacionadas" com o Novo Banco ou o seu acionista, a Lone Star.
Falha em políticas e normativos internos
A Deloitte sublinha que foi identificado "a inexistência de políticas ou normativos internos que regulassem a realização sistemática de uma análise das entidades compradoras", apesar de haver políticas e princípios normativos, no que diz respeito a matérias de branqueamento de capitais, conflitos de interesses e partes relacionadas.
A auditora também acrescenta que esta situação mudou. "De referir que em junho de 2020 o Novo Banco publicou um normativo que versa sobre os procedimentos a executar nestas matérias em processos de desinvestimento de ativos não produtivos", lê-se no documento.
O banco solicitou "genericamente" às contrapartes o preenchimento de questionários para prevenir a situação de conflitos de interesse, requerendo eventuais relações diretas ou indiretas com entidades do grupo Lone Star. "Os questionários foram posteriormente analisados pelo departamento de 'compliance' do Novo Banco, o qual emitiu um parecer positivo quanto a esta matéria", segundo o documento.
Pelo Novo Banco "foram analisadas as estruturas de detenção acionista" dos compradores, tendo a instituição obtido informações de que "nenhum dos participantes detinha mais de 25% das entidades compradoras das carteiras", não qualificando "como últimos beneficiários efetivos". Por este facto, não sendo possível obter informação sobre o nome do comprador, último beneficiário, foram "considerados últimos beneficiários efetivos os membros dos órgãos de administração da sociedade gestora dos fundos de investimento envolvidos nas transações", como indica a lei.