Economia

Auditoria ao Novo Banco revela imparidades insuficientes e falhas nas vendas de grandes créditos 

Deloitte revela que houve falhas na análise de conflitos de interesse por parte do Novo Banco nas vendas de grandes carteiras de ativos

JOSÉ CARLOS carvalho

A auditoria especial da Deloitte destinada a escrutinar a injeção de 1035 milhões de euros por parte do Fundo de Resolução no Novo Banco revela que o Banco Central Europeu identificou falhas na contabilização de imparidades para créditos no valor de 610 milhões. O banco viu-se obrigado a reforçar.

Uma inspeção do Banco Central Europeu ao Novo Banco em 2019 destinada a "avaliar a gestão de colaterais, NPL (crédito malparado) e ativos recuperados" identificou necessidades de o banco liderado por António Ramalho contabilizar adicionalmente imparidades de 610 milhões de euros, das quais 394 milhões relativas a imparidades para crédito e 216 milhões de euros por conta de desvalorizações de imóveis. Esses valores tinham como referência o fim do ano de 2018.

Segundo a auditoria da Deloitte divulgada esta sexta-feira, 9 de abril, depois de rasurada de informações sob sigilo, pode ler-se que, no âmbito da inspeção do BCE, "o Novo Banco registou perdas de 317 milhões de euros em 2019 relativas a exposições abrangidas" pela inspeção feita pelo BCE. Fê-lo a 6 de dezembro. Quanto às exposições a imóveis o banco liderado por António Ramalho, depois de "ter efetuado o processo de reavaliação anual, aprovou o registo de uma perda adicional de 95 milhões de euros".

A auditoria especial da Deloitte debruçou-se sobretudo sobre as vendas de várias carteiras de ativos em 2019, como o sejam o projecto Sertorius (imóveis) o Projecto Nata II (créditos) e a conclusão do projecto Albatros (créditos e imóveis da sucursal de Espanha), o qual havia sido iniciado em 2018. O mesmo aconteceu com a venda da seguradora GNB Vida.

"Uma parte muito substancial das perdas registadas em 2019 resulta de ativos originados maioritariamente em período anterior à constituição do Novo Banco e que já apresentavam perdas ou desvalorizações relevantes de anos anteriores". O pagamento solicitado pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução por conta das perdas apuradas em 2019 ascendeu a 1037 milhões (corrigido para 1035 milhões), no decurso de prejuízos de 1066 milhões em 2019.

O trabalho desta auditoria, obrigatória por lei quando há injeções de dinheiros públicos em bancos, iniciou-se em novembro de 2020 por isso este trabalho foi também marcado pelas restrições decorrentes da pandemia tendo o trabalho sido feito à distância "através de utilização de uma plataforma para disponibilização da documentação e da definição de processos para realizar as necessárias interações com os colaboradores do Novo Banco".

Conflitos de interesse analisados só após as vendas

A Deloitte refere no relatório que em algumas das operações analisadas não havia documentação no que diz respeito à análise das contrapartes e conflitos de interesse no momento da venda das carteiras, apesar de não terem sido à posterior detetadas desconformidades.

E exemplifica os casos: "No processo de venda da carteira Albatros (créditos e imóveis sa sucursal de Espanha), as análises de conflitos de interesses e de partes relacionadas sobre as entidades adquirentes da carteira foram realizadas posteriormente à assinatura dos CCV (contrato de compra e venda)".

Já no que diz respeito à carteira de imóveis denominada Setorius, o parecer do departamento de compliance do banco relativo à analise de contrapartes só foi emitido "em momento posterior à deliberação do CAE [conselho de administração executivo] do Novo Banco para alienação da carteira", embora este tenha sido anterior à assinatura do contrato de venda.

E, no que concerne ao portefólio de crédito da carteira Nata II, o parecer do departamento de 'compliance' sobre a análise de contrapartes em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo da entidade compradora "foi emitido em momento posterior à assinatura do contrato de venda da carteira".

Na auditoria pode ainda ler-se que quanto à análise de conflitos de interesse realizada à entidade compradora da carteira Sertorius, apesar de "não terem sido contemplados todos os elementos integrantes dos respetivos órgãos sociais", o departamento de compliance do banco "não identificou pessoas ou entidades relacionadas" com o Novo Banco ou o seu acionista, a Lone Star.

Falha em políticas e normativos internos

A Deloitte sublinha que foi identificado "a inexistência de políticas ou normativos internos que regulassem a realização sistemática de uma análise das entidades compradoras", apesar de haver políticas e princípios normativos, no que diz respeito a matérias de branqueamento de capitais, conflitos de interesses e partes relacionadas.

A auditora também acrescenta que esta situação mudou. "De referir que em junho de 2020 o Novo Banco publicou um normativo que versa sobre os procedimentos a executar nestas matérias em processos de desinvestimento de ativos não produtivos", lê-se no documento.

O banco solicitou "genericamente" às contrapartes o preenchimento de questionários para prevenir a situação de conflitos de interesse, requerendo eventuais relações diretas ou indiretas com entidades do grupo Lone Star. "Os questionários foram posteriormente analisados pelo departamento de 'compliance' do Novo Banco, o qual emitiu um parecer positivo quanto a esta matéria", segundo o documento.

Pelo Novo Banco "foram analisadas as estruturas de detenção acionista" dos compradores, tendo a instituição obtido informações de que "nenhum dos participantes detinha mais de 25% das entidades compradoras das carteiras", não qualificando "como últimos beneficiários efetivos". Por este facto, não sendo possível obter informação sobre o nome do comprador, último beneficiário, foram "considerados últimos beneficiários efetivos os membros dos órgãos de administração da sociedade gestora dos fundos de investimento envolvidos nas transações", como indica a lei.