Economia

Novo Banco pede €598 milhões ao Fundo de Resolução, mas Fundo tem dúvidas sobre €166 milhões

Banco liderado por António Ramalho regista novamente prejuízos acima de mil milhões. Pede mais dinheiro ao Fundo de Resolução, mas este veículo quer analisar minuciosamente 27% desse montante

António Ramalho, presidente do Novo Banco
Tiago Miranda

O Novo Banco agravou os prejuízos em 2020: situaram-se acima de 1,3 mil milhões de euros. Para manter os rácios de capital, o banco precisa de €598 milhões ao abrigo do mecanismo acordado com o Fundo de Resolução. Porém, o Fundo sublinha ter dúvidas sobre se €166 milhões desse montante podem ser solicitados.

Em 2019, o banco presidido por António Ramalho obteve perdas de 1.058 milhões de euros. Agora, o valor cresce para os 1.329 mil milhões.

"Em resultado das perdas dos ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente e das exigências regulatórias de capital, o Novo Banco irá solicitar uma compensação de 598,3 milhões de euros ao abrigo do mecanismo de capital contingente", indica o comunicado divulgado esta sexta-feira, 26 de março.

Ainda ficam €320 milhões por gastar

O pedido ao Fundo de Resolução é feito no âmbito do mecanismo de capital contingente acordado em 2017 quando vendeu 75% do capital à Lone Star. Esse escudo, que pode estender-se até 2026, ainda tinha 912 milhões de euros disponíveis, dos quais saem agora os quase 600 milhões.

“O valor total das compensações solicitadas entre 2017 e 2019 e a solicitar relativamente a 2020 totalizam 3,57 mil milhões de euros”, aponta o comunicado do banco. "Vale a pena enquadrar na perfeição o que foi o cenário estabelecido em 2017 e que a pandemia veio prejudicar. Os montantes previstos situavam-se entre 3,3 mil milhões e 3,9 mil milhões", declarou António Ramalho na conferência de imprensa.

Na prática, caso o Fundo capitalize com os 598 milhões, ficam por usar apenas cerca de 320 milhões, menos de 10% da dotação inicial.

Fundo de Resolução tem dúvidas sobre €160 milhões

Enquanto a gestão do Novo Banco realizava a conferência de imprensa, o Fundo de Resolução emitiu um comunicado, em que assume que o pedido do Novo Banco é de 598 milhões de euros, mas que tem dúvidas sobre esse montante. Mais precisamente, dúvidas sobre €160 milhões.

"Nos termos do contrato, serão agora realizados os procedimentos de verificação do valor calculado pelo Novo Banco, como aliás tem sucedido nos últimos anos", começa por referir o Fundo de Resolução, presidido pelo vice-governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos.

"Acresce que, relativamente a determinadas matérias, se encontra ainda em análise se os respetivos impactos nas contas do Novo Banco estão abrangidos, nos termos do contrato, pelo mecanismo de capitalização contingente. As matérias em análise representam um montante que excede os 160 milhões de euros", admite a entidade.

Em causa estão exatamente 166 milhões de euros. O "potencial conflito entre as partes", como classifica o Novo Banco, está "relacionado com a provisão para operações descontinuadas em Espanha". A sucursal está a ser vendida, mas, como o Expresso noticiou, havia dúvidas sobre como contabilizá-las.

Tendo em conta este diferendo, o Novo Banco, por "prudência", decidiu não reconhecer o impacto destes 166 milhões nos seus rácios. Com a sua inclusão, fica nos 12%; sem este valor, o principal rácio de capital CET1 fecha 2020 nos 11,3%.

Já há dúvidas sobre outros €226 milhões

Esta diferença de opinião não é nova. De recordar que há já um diferendo de 226 milhões com o Fundo de Resolução a ser discutido num tribunal arbitral (pelo entendimento diferente sobre a aplicação da norma contabilística IFRS 9).

Se a decisão desse tribunal arbitral for favorável ao banco, o Fundo terá de pagar esses 226 milhões ao banco, pelo que, nesse caso, ficaria com menos de 100 milhões para usar ao abrigo do mecanismo - o banco, como espera apresentar lucros a partir deste ano, acredita que pode não precisar dos valores que ainda ali restam.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal
Pedro Nunes/REUTERS

Centeno expectante

Em simultâneo, o Novo Banco apresentava contas, o Fundo de Resolução emitia o comunicado e o Banco de Portugal realizava uma conferência de imprensa sobre projeções económicas. E, aí, Mário Centeno falou sobre o Novo Banco.

"O que conhecemos é o pedido de acionamento de capital contingente pelo Novo Banco. Há um processo de avaliação desse pedido, que decorrerá nas próximas semanas. O Banco de Portugal seguirá esse processo. O mais importante para o governador do Banco de Portugal é que os acordos sejam cumpridos", disse o líder do supervisor.

E depois ainda acrescentou: "É um pedido, tem de ser avaliado. É o que faremos nas próximas semanas".

Novo Banco além da previsão do Governo

O valor calculado pelo banco a pedir ao Fundo é superior ao que o Governo tinha inscrito na sua proposta do Orçamento do Estado para 2021: aí, constava uma verba de 476 milhões de euros para o Fundo de Resolução poder transferir para a instituição financeira.

Uma maioria parlamentar chumbou essa pretensão e o Fundo ficou sem qualquer dinheiro para transferir este ano.

Dúvidas sobre como será feita a injeção

O Novo Banco conta com a capitalização para que os seus rácios fiquem salvaguardados, mas ainda não está definido como é que o dinheiro lhe pode chegar, tendo em conta o travão colocado pelo Parlamento ao Fundo de Resolução.

Os partidos não quiseram permitir essa injeção sem que houvesse uma auditoria do Tribunal de Contas que, neste momento, está a realizar um trabalho para verificar a validade sobre a venda de ativos. Além disso, também a Deloitte elaborou a obrigatória (por lei) auditoria por, no ano passado, ter sido feita uma injeção no banco.

Sobre este tema, António Ramalho não quis responder, dizendo apenas que o histórico mostra que os compromissos dos seus acionistas têm sido sempre satisfeitos.

(Notícia atualizada às 17h48 com mais informações)