Economia

Macedo, Maya, Ramalho e mais 100 presidentes da banca europeia recebem aviso do BCE

Supervisor deteta falhas na forma como os bancos europeus estão a olhar para os créditos no atual contexto de pandemia. BCE deixa caminho sobre os procedimentos que têm de ser seguidos para diferenciar o risco de empresas que são viáveis e aquelas que vão acabar. E há alerta: há uma ampla vaga de instrumentos a usar para que todas as regras sejam cumpridas

DANIEL ROLAND/Getty

Paulo Macedo, Miguel Maya e António Ramalho, presidentes da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Banco Comercial Português (BCP) e Novo Banco respetivamente, receberam uma carta vinda de Frankfurt. O Banco Central Europeu (BCE) decidiu enviar uma missiva a todos os presidentes executivos dos mais de 100 grandes bancos europeus que supervisiona diretamente com um aviso: avaliem bem o risco que têm nas carteiras de crédito.

A carta para as instituições de crédito significativas (as maiores da região, onde constam os três bancos portugueses) vem de Andrea Enria, o presidente do conselho de supervisão do BCE, e é acompanhada por uma publicação no blogue da autoridade de supervisão, da autoria de Elizabeth McCaul, membro do mesmo conselho de supervisão. Nos dois documentos, a mensagem é a de que é necessário melhorar a forma como o risco é calculado e monitorizado nos bancos. Por exemplo: como é que se reconhece antecipadamente que dado empréstimo não vai ser reembolsado na totalidade.

A pandemia de covid-19 eclodiu e, com ela, o BCE foi dando indicações aos bancos sobre como deveriam ir contabilizando os impactos e como deveriam, num contexto de incerteza elevada, diferenciar os créditos a empresas que iriam recuperar após a pandemia e aqueles concedidos a companhias que já não serão viáveis.

Só que, pelo que se percebe da publicação de Elizabeth McCaul, têm sido detetadas muitas falhas na gestão do risco de crédito e há, além disso, um tratamento muito diferenciado entre os vários bancos europeus. Há, inclusive, casos “preocupantes” em que os bancos “relaxaram” os modelos de análise desse risco.

O que o BCE tem observado

Há bancos que não têm uma capacidade de identificação dos sinais de probabilidade de incumprimento que seja adequada à situação de pandemia (e que permita distinguir problemas estruturais de problemas causados apenas pela covid-19). E nem adequam essa análise aos sectores das empresas que receberam os empréstimos.

Na publicação de McCaul, há até a indicação de que há bancos que não dispõem dos recursos efetivos para fazer uma avaliação aprofundada nesta temática, mas não só: os indicadores que eram utilizados na gestão de risco anteriormente não são adequados ao atual contexto (até porque existem moratórias de crédito, que limitam o pagamento de prestações) e há instituições que ainda não se adequaram.

“Também observámos diferenças nas práticas de provisões para perdas com créditos”, indica a mesma publicação, onde a responsável do conselho de supervisão do BCE diz que estas não são práticas que detetaram em todos os bancos – até há alguns que melhoraram os seus modelos.

Assim, na carta enviada aos banqueiros, Andrea Enria deixa inscrita aquelas que são as questões a que devem estar atentos, para que a gestão de risco de crédito seja eficaz. O BCE quer que os órgãos internos de cada um dos grandes 100 bancos europeus discutam internamente a missiva, que deverá ter uma resposta, para ser discutida com a equipa de supervisão até 31 de janeiro do próximo ano.

Sem mensagem para países e bancos

“Se não se esforçarem agora para compreender e refletir com precisão a qualidade de crédito das suas carteiras, os bancos pagarão um preço mais tarde, e possivelmente um mais elevado”, avisa Elizabeth McCaul, deixando um exemplo: as perdas com os créditos não podem ser só reconhecidas quando as medidas de apoio estatais forem eliminadas.

De qualquer forma, a autoridade de supervisão não manda, aqui, nenhuma mensagem específica para nenhum banco em particular nem para nenhum país. Nem há indicações individuais para os grupos bancários que têm já um legado tóxico da crise anterior (Portugal está aí em destaque, já que o peso do crédito malparado está acima da média europeia).

O aviso final

Na carta de avisos aos banqueiros, Andrea Enria deixa um alerta final de que o que ali está escrito é mesmo para cumprir: “O BCE pretende usar uma ampla gama de instrumentos de supervisão para dar seguimento a todos os aspetos inscritos nesta carta”. O envio de missivas para os presidentes dos bancos não é inédito e a última vez que tinha acontecido foi em julho, precisamente para pedir aos banqueiros cuidado na forma como determinam as remunerações numa época de crise económica.

Os grandes bancos nacionais, na ótica do BCE, são a CGD, BCP e Novo Banco (através do veículo Nani). Já o BPI e o Santander são avaliados através das casas-mãe espanholas. O Banco Montepio e o Crédito Agrícola, bem como os restantes bancos de menor dimensão, têm supervisão direta do Banco de Portugal.