Economia

Gestor de Isabel dos Santos denuncia contrato falso da Sonangol para financiar compra de posição na Galp

Mário Leite da Silva enviou uma carta ao Banco de Portugal, ao Banco Nacional de Angola e ao BCE denunciando que a Sonangol forjou um contrato, com data de 2005, para financiar a aquisição de uma participação indireta na Galp

Luís Barra

Mário Leite da Silva, gestor de várias empresas de Isabel dos Santos, enviou a 11 de setembro ao Banco de Portugal, ao Banco Nacional de Angola e ao Banco Central Europeu, entre outras entidades, uma denúncia sobre um contrato de financiamento que diz ser falso para permitir à Sonangol adquirir uma participação indireta na Galp Energia.

Em causa, segundo avançou esta quarta-feira a SIC, está um contrato de suprimento de 193,4 milhões de euros com data de 30 de novembro de 2005 firmado entre a Sonangol e a Esperaza Holding, empresa holandesa que se tornaria o veículo para adquirir 45% da Amorim Energia, a qual detém 33,34% da Galp.

Esse suprimento visava financiar a compra da participação da Esperaza na Amorim Energia e seria reembolsado à Sonangol num prazo indeterminado mas a começar quando a Galp distribuísse dividendos.

Mas a denúncia de Mário Leite da Silva alega a falsidade desse contrato. "Esse contrato é falso e foi levado ao conhecimento oficial pelo Ministério Público de Angola num processo judicial de arresto contra as pessoas da senhora engenheira Isabel dos Santos e seu marido, o empresário Dr. Sindika Dokolo, e contra a minha pessoa", pode ler-se na denúncia a que a SIC teve acesso.

O documento, que a SIC facultou ao Expresso, sublinha que "a Sonangol só entrou no capital social da Esperaza, por aquisição ao grupo Américo Amorim [onde Mário Leite da Silva trabalhava antes de se juntar a Isabel dos Santos], a 30 de janeiro de 2016, tendo procedido ao pagamento faseado do preço, cerca de 188 milhões de euros, entre janeiro e outubro de 2016, nos termos da joint venture formada pelos investidores angolanos, a Sonangol e a Exem Energy [empresa holandesa de Sindika Dokolo que ficaria com 40% da Esperaza]".

Isso leva Mário Leite da Silva a notar que "não seria juridicamente possível a celebração de um contrato de suprimentos entre a Sonangol e a Esperaza" a 30 de novembro de 2015, não sendo a Sonangol acionista da Esperaza nessa data. Segundo Leite da Silva, nesse momento a Esperaza era uma empresa 100% detida pelo banco holandês ABN Amro.

Mário Leite da Silva diz ainda que as contas anuais da Esperaza não revelam quaisquer suprimentos recebidos em 2005, apenas prestações adicionais de capital a partir de 2006.

Por outro lado, quem surge a celebrar o contrato de novembro de 2005, Fernando Santos e Francisco Lemos José Maria, da Sonangol, não tinham quaisquer poderes conferidos pelo ABN Amro na Esperaza.

"E não será despiciendo fazer notar que o contrato em causa se encontra redigido na língua portuguesa ao contrário de todos os documentos oficiais da Esperaza, que ao longo destes anos foram redigidos em língua inglesa ou holandesa", acrescenta a denúncia.

Recorde-se que o Estado angolano, através da Sonangol, mantém há vários anos um diferendo com Isabel dos Santos em torno da participação que a empresária e o seu marido vieram a adquirir na Esperaza, e através dela, na Galp Energia.

Esse diferendo escalou após as revelações de Luanda Leaks, que expuseram um conjunto de transferências da Sonangol para empresas ligadas a Isabel dos Santos no Dubai, quando a filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos administrava a Sonangol. Isabel dos Santos viu vários bens e ativos arrestados em várias jurisdições, desde Angola a Portugal, passando mais recentemente pela Holanda.

Luanda alega que a Sonangol pagou em 2006 a totalidade do preço de compra dos 45% na Amorim Energia, financiando a Exem Energy em 75 milhões de euros para que esta adquirisse a sua posição de 40% na Esperaza. As autoridades angolanas defendem, no processo contra Isabel dos Santos, que esta não devolveu o empréstimo feito pela Sonangol.

Isabel dos Santos já contestou publicamente essa alegação, afirmando ter pago a sua participação indireta na Galp. Não é claro, contudo, se tal efetivamente aconteceu, uma vez que a Exem terá tentado transferir para a Sonangol o valor relativo ao empréstimo em kwanzas dias antes de Isabel dos Santos ser afastada da Sonangol (em 2017), mas a Sonangol não aceitaria essa verba, exigindo que o pagamento fosse feito em euros.