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Economia

Acusação a Salgado aponta 148 testemunhas, de Ulrich e Ricciardi ao construtor que deu €14 milhões ao ex-banqueiro

Antigos gestores do BES, como Ricciardi, não foram acusados, mas são indicados como testemunhas. Ministério Público propõe utilizar depoimento prestado por Pedro Queiroz Pereira em vida

Tiago Miranda

Ricardo Salgado e Pedro Queiroz Pereira, dois grandes nomes da economia portuguesa, entraram em conflito em 2013. O antigo banqueiro do BES queria assumir o controlo da Semapa, e Queiroz Pereira (entretanto falecido em 2018) não gostou: o diferendo precisou de intermediários, como o então presidente do BPI, para que houvesse um acordo entre estes herdeiros de famílias anteriormente aliadas. Foi aí que Fernando Ulrich teve conhecimento dos problemas de solidez do Grupo Espírito Santo e é por isso que se cruza com a acusação do Ministério Público a Salgado e a outros 24 arguidos da prática de crimes como burla qualificada e associação criminosa, no âmbito da investigação que ficou conhecida como Universo Espírito Santo.

Fernando Ulrich consta do leque de 148 testemunhas que o Ministério Público elenca no despacho de acusação, a que o Expresso teve acesso, como prova que sustenta a imputação de crimes àqueles 25 arguidos, 18 deles pessoas individuais. Pedro Queiroz Pereira, falecido em 2018, integra igualmente a lista, numa situação específica: o empresário foi ouvido, em vida, perante o Ministério Público, pelo que o depoimento poderá, se for esse o entendimento do tribunal que julgar o caso, ser usado como prova.

Francisco Cary, hoje administrador da Caixa Geral de Depósitos mas à data administrador no grupo BES, também esteve, ao lado de Ulrich, a colocar fim a este conflito e consta também das testemunhas.

Estes são os protagonistas de uma das primeiras parcelas da história que conduziu à queda do BES, já que começou aqui a destapar-se o princípio daquilo que viria depois a constar da acusação agora feita pelo Ministério Público. Crimes de associação criminosa, de corrupção ativa e passiva no setor privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e coletivas são os que constam do despacho.

Ao todo, são 148 testemunhas apontadas pela equipa de procuradores liderada por José Ranito como prova dessa acusação, justificando o número com o procedimento de “excecional complexidade”, “o período temporal em causa, o número de pessoas (ofendidos) envolvidos, os valores pecuniários apurados, o número de crimes imputados, a extensão da prova documental”.

Família Espírito Santo e gestão como testemunhas

No leque de testemunhas, constam membros da família Espírito, como António Ricciardi e José Maria Ricciardi (que ontem logo veio justificar a forma como atuou na guerra com o primo Salgado em 2013). Da família, apenas foram acusados Salgado e José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo.

Fora da acusação também estão antigos membros da administração executiva do BES, situação de Joaquim Goes e João Freixa, que surgem como testemunhas. Rita Cabral, que foi administradora não executiva do BES (conhecida também por ser namorada de Marcelo Rebelo de Sousa), encontra-se na lista de testemunhas. Helder Bataglia, braço-direito de Salgado para os assuntos em África, é apontado igualmente como testemunha pelos procuradores.

O Ministério Público considera ainda que conseguirá sustentar a acusação com a audição de António Ramalho, presidente do Novo Banco (que levou com a herança tóxica do BES), mas também do presidente da KPMG, Sikander Sattar. A auditora já foi, ela própria, alvo de uma condenação do Banco de Portugal pelo seu trabalho de certificação de contas do banco, antes da sua queda.

Dos 25 acusados pelo Ministério Público, 18 são pessoas individuais, sendo que uma parte relevante são membros ligados ao departamento financeiro do antigo BES: Morais Pires, o administrador com o pelouro, e Isabel Almeida, a diretora.

Nota ainda para a indicação como testemunha de José Guilherme, o construtor civil da Amadora que ofereceu 14 milhões de euros ao ex-banqueiro, uma oferta polémica, então justificada como uma liberalidade, pela ajuda dada pelo ex-banqueiro.

O processo cuja acusação foi agora alvo de despacho não é o único em torno do GES e BES, sendo que houve extração de certidões para que se realizem outros inquéritos, como os alegados pagamentos ligados a políticos da Venezuela.

Em relação a este caso que agora conhece a acusação, há agora um caminho pela frente: poderá ser pedida a instrução, com os acusados a tentarem evitar a ida a julgamento. A defesa de Salgado já reagiu, defendendo que não praticou qualquer crime - o Ministério Público aponta-lhe 65 crimes, um deles de liderar uma associação criminosa.