Economia

Hidrogénio: indústria portuguesa anseia pelas oportunidades, mas também tem as suas dúvidas

A estratégia do Governo prevê investimentos de 7 mil milhões de euros num “cluster” de hidrogénio verde até 2030. Eis o que pensam os responsáveis de algumas das maiores empresas industriais

Martifer está focada na construção metálica, indústria naval e energia renovável
Rui Duarte Silva

O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, afirma, sem hesitações, que “o cenário que mais garantias nos dá de sermos neutros em carbono até 2050 é aquele em que a economia mais cresce”, notando que “o hidrogénio verde é da maior relevância” no quadro de uma política de descarbonização. O secretário de Estado da Energia, João Galamba, sublinha tratar-se de “uma extraordinária oportunidade” para o país. Mas o que pensa afinal a indústria da aposta que o Governo está a fazer no hidrogénio?

O Executivo promoveu esta quarta-feira uma conferência virtual com representantes de três dezenas de empresas industriais que operam em Portugal, para recolher os seus contributos e preocupações no quadro da promoção do hidrogénio verde, num momento em que está ainda aberta a consulta pública sobre a estratégia nacional do hidrogénio. Ora, se a generalidade dos empresários e gestores admite que a aposta no hidrogénio pode trazer oportunidades de negócio, quase todos manifestam, também, dúvidas sobre a concretização da estratégia.

Cláudia Pinheiro, administradora do grupo A. Silva Matos, considera que “esta estratégia é muito importante para a área da metalomecânica, porque vai abrir outras oportunidades”.

Carlos Martins, um dos fundadores da Martifer, nota que “o hidrogénio constitui-se como uma oportunidade em várias frentes”, nomeadamente porque Portugal poderá criar um cluster industrial. “Em 2008 Portugal lançou um projeto para 1200 MW de energia eólica, com investimentos de 1,5 mil milhões de euros nos parques eólicos, e nós fizemos parte de um dos consórcios. Foi possível fazer investimentos de 100 milhões de euros em indústria, com mais de 60% de incorporação nacional, e ainda hoje Portugal exporta mais de 300 milhões de euros por ano em equipamentos de produção de energia eólica em Aveiro e Viana do Castelo”, recorda o empresário.

Para a Bondalti, de Estarreja, a aposta no hidrogénio é um passo acertado. Diogo Mendes, director técnico da empresa química, realçou, na conferência desta quarta-feira, que “a estratégia é uma excelente oportunidade para alavancar negócios”, e no caso da Bondalti poderá permitir, de forma mais limpa, usar hidrogénio como matéria-prima nos seus processos industriais e também tentar evitar importações de amoníaco, passando a produzi-lo localmente com hidrogénio verde. Diogo Mendes ressalvou, todavia, que “um dos grandes entraves” é o investimento que será necessário, que se soma ao desafio das tarifas de eletricidade.

Arlindo Carvalho, da Solvay Portugal, nota que a empresa já usa caldeiras que trabalham com hidrogénio. “Um dos desafios em cima da mesa é reduzir a pegada ecológica do hidrogénio”, afirmou. A própria Solvay tem em curso projetos de investigação e desenvolvimento no domínio do hidrogénio.

Paulo Rocha, diretor de sustentabilidade da Cimpor, reconhece como “bastante interessante” a possibilidade de vir a usar hidrogénio como combustível, mas o caminho até lá chegar “será lento”. “Este desenvolvimento dificilmente decorrerá a uma escala comercial até 2030”, aponta o mesmo responsável. E quanto à injeção de hidrogénio na rede de gás natural, Paulo Rocha mostrou-se de acordo… “desde que a competitividade dos preços do gás naturais seja assegurada”.

Esse é um ponto transversal nas preocupações das indústrias que são consumidores intensivos de gás natural: a aposta no hidrogénio não pode implicar um agravamento do custo da energia.

José Sousa, diretor-geral da Efacec, nota que na tecnologia do hidrogénio verde “os números ainda não fecham em termos de capex (investimento) e opex (custos operacionais)”. “É preciso um empurrãozinho. Tem que haver subsídios”, frisa. E deixa ao Governo um apelo: “Temos de criar as condições para que a indústria nacional participe nesta oportunidade”.

Na Vista Alegre a aposta no hidrogénio é vista com igual dose de interesse e preocupação. Marco Correia, o porta-voz da empresa na auscultação feita esta quarta-feira pelo Governo, notou que uma das preocupações da Vista Alegre é não saber, para já, que adaptações e investimentos terá de fazer nos seus equipamentos e nos fornos para poder passar a usar gás misturado com hidrogénio em vez de apenas gás natural.

Do lado da CIP, Jaime Braga deixou também as prncipais preocupações que a confederação industrial tem em relação ao hidrogénio. “Boa parte das tecnologias ainda não estão maduras e em mercado”, alertou. Segundo Jaime Braga, a estratégia apresentada pelo Governo deverá explicitar melhor os custos e fundamentos económicos da aposta no hidrogénio, que recorrerá a eletricidade de origem renovável para fazer a eletrólise da água.

“A sustentabilidade passa pela matéria-prima. A água é um recurso escasso. Convinha que a estratégia explicitasse melhor os custos relativos ao tratamento da água”, apontou Jaime Braga, notando que entre as empresas associadas da CIP “há muitas interrogações sobre a competitividade desta indústria” e alguma preocupação sobre a subsidiação que será feita, uma vez que uma das opções apresentadas pelo Executivo é a canalização de verbas do Fundo Ambiental para co-financiar a aposta no hidrogénio. “E quem alimenta o Fundo Ambiental? É a própria indústria”, alertou Jaime Braga.

António Andrade Tavares, da Renova, foi outro dos participantes na conferência promovida pelo Governo. Assegurou que “a Renova está comprometida com as energias renováveis”, estando a investir numa central de 4 megawatts de energia solar fotovoltaica. Mas não deixou de salientar que a Renova consome mais de 20 milhões de metros cúbicos de gás natural, pelo que a empresa precisa de ter garantias de que o gás não vai encarecer por passar a ter incorporação de hidrogénio. “Estamos muito longe ou não da neutralidade do preço do hidrogénio face ao gás natural? Eu no documento da estratégia [em consulta pública] não vi referências a esse ponto”, sublinhou o representante da empresa portuguesa, frisando, todavia, que o projeto de aposta no hidrogénio parece globalmente “muito positivo”.

No final da conferência, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, realçou ser vontade do Governo criar "um fórum permanente" de diálogo com a indústria sobre a implementação da estratégia do hidrogénio, notando ainda que em matéria de custos o país tem de ponderar também o custo da inação. "O custo de não fazer nada tem de ser incluído em todas as análises financeiras", notou João Galamba, alertando que a Comissão Europeia poderá vir a impor multas aos países que não cumpram os objetivos de descarbonização até 2030.

A estratégia nacional para o hidrogénio está em consulta pública até 6 de julho no portal Participa. A "espinha dorsal" dessa estratégia passa pela criação de um projeto industrial de produção de hidrogénio verde em Sines, com até 2 gigawatts (GW) de capacidade de eletrolisadores, que usarão energia solar para fazer a eletrólise da água, podendo o hidrogénio ser exportado e consumido internamente.