Após um mês em confinamento, o Governo começou a alargar as medidas de contenção. Prevê-se um processo lento e progressivo, com reavaliações frequentes para medir o pulso ao impacto do vírus – primeiro na saúde, depois na economia. “Reparem bem neste número que vos deixo: o País parado durante dois, três meses poderá ter perdido qualquer coisa como 6 ou 7 mil milhões de euros. Poderá caminhar para uma recessão profunda que não conhecíamos há décadas. Porquê? Porque o mundo não foi capaz de acautelar, prevenir e antecipar o impacto brutal desta pandemia, que nem a crise do Lehman Brothers foi capaz de fazer.” A estimativa de 7 mil milhões de euros é do ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, um dos oradores da conferência “Preparar o Futuro”, que decorreu hoje, em direto, no Facebook do Expresso.
Antes do debate, foi emitida a entrevista ao Secretário de Estado da Saúde, António Sales, que abordou o “novo paradigma” que o surto veio impor nos cuidados de saúde e na assistência hospitalar. Se a questão sanitária ainda está por resolver, a verdade é que a pandemia pode tornar-se uma “oportunidade” para criar novas estratégias e caminhos para o Serviço Nacional de Saúde, a articulação com o sector privado e social. A evolução demográfica, o envelhecimento da população e as baixas taxas de natalidade serão temas estruturantes na reorganização e definição de políticas e novos modelos de saúde pública. As principais conclusões:
Reforçar SNS
A opinião é consensual: será necessário adaptar o SNS a uma nova realidade. “Neste quadro, de uma demografia com uma população envelhecida, vamos precisar de reforçar o SNS”, afirmou o secretário de Estado, acrescentando que “os Orçamentos de Estado não são rígidos”. “São opções”, referiu António Sales. “Não existe boa saúde sem boa economia, e isso vai depender da forma como a economia vai responder.” Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, usa a mesma ideia com uma formulação diferente: “Não temos economia sem pessoas saudáveis”. “Há claramente um tempo novo de orientação estratégica. Investir não apenas em cuidados mas também na investigação científica, para não andarmos todos a correr atrás de uma vacina.”
Novo paradigma
Além da letalidade do próprio vírus na saúde humana, a pandemia tem sido um teste aos vários sistemas de saúde. Unidades de Cuidados Intensivos colapsaram em países como Espanha e Itália, obrigando médicos a escolher quem vive em função dos ventiladores disponíveis. “O mundo não estava preparado, isso é evidente”, disse o ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. A pandemia obrigou hospitais a reorganizarem-se e a experimentarem novos modelos de assistência médica como a telemedicina e consultas por videoconferência.
Privados
Apesar de algumas polémicas sobre a atuação de alguns hospitais privados durante a pandemia, António Sales disse que o sector “tem dado uma grande colaboração”. “Priorizamos o SNS. Temos uma determinada capacidade que queremos melhorar, quando essa capacidade estiver esgotada queremos alargar ao sector privado e social, ao nível do programa cirúrgico, combate a listas de espera”. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, diz que um dos pontos essenciais passa pelo reforço da cobertura do SNS, preparando o sistema para ser mais participado. Uma das consequências do covid-19 na economia passa por uma maior procura de cuidados de saúde, incluindo os efeitos decorrentes do círculo vicioso pobreza/doença, o que reduzirá a capacidade do Estado em angariar receita.
Crise
Os efeitos da pandemia são sentidos na saúde e na economia. Sendo o problema global, prevê-se uma crise sem paralelo nas últimas décadas. Quanto tempo vai durar? O economista Carlos Firme acredita que quanto mais tempo durar o problema sanitário, mais difícil será a recuperação. O FMI aponta para uma queda global do PIB de -3% mas o grande impacto será sentido no segundo trimestre do ano. É por isso que Carlos Firme defende uma resposta política rápida e eficaz sob pena de haver uma destruição em cadeia: o confinamento falha, vacina tarda, investidores em pânico, crise na procura, choque na oferta e uma disrupção nas cadeias de produção.