Economia

Banca está mais bem preparada para a crise? Esta é a fotografia do final de 2019

Os indicadores que o sector bancário apresenta são melhores do que em 2010, na antecâmara da crise da dívida, e do que em 2015, quando começou a recuperação

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal
Patricia de Melo Moreira/Getty Images

Muitas têm sido as vozes que indicam que o sector bancário está, atualmente, mais bem preparado para enfrentar uma crise do que no início da década, quando o país deixou de conseguir pedir dinheiro para financiar as suas despesas. O Banco de Portugal revelou os números que mostram a situação da banca no final do ano passado. Efetivamente, os dados mostram que tem mais capacidade para emprestar e também mais capital para enfrentar dificuldades. Mas ainda não é eficiente. A dúvida atual é se esta sua nova posição será suficiente para fazer face a um choque como o que está aí devido à pandemia de covid-19. E quais as consequências no futuro de uma paralisação económica cuja extensão ainda se desconhece.

À banca pede-se para agilizar as linhas de crédito (na sua maioria protegida por garantias estatais), mas também se obriga, por determinação legal, que suspenda por um período até seis meses a cobrança de prestações de créditos à habitação e a empresas. Os supervisores também recomendam que deixe o pagamento de dividendos aos acionistas para o futuro, bem como os bónus para os seus gestores. Em contraponto, flexibilizou-lhe algumas das exigências que normalmente tem de cumprir.

Mas que banca é a que Portugal tem?

Margem para emprestar

No final do ano passado, o número dos créditos correspondia a 87,3% dos depósitos, segundo o relatório Sistema Bancário Português: Desenvolvimentos Recentes, que o Banco de Portugal divulga trimestralmente e que, neste caso, diz respeito ao fim de 2019.

Esta diferença entre créditos e depósitos é o rácio de transformação e este é um dos indicadores para onde os banqueiros mais podem apontar para mostrar que a banca está de boa saúde. Como muitos bancos têm vindo a desfazer-se de créditos (sobretudo por conta da necessidade de vender créditos malparados), este rácio tem vindo a descer.

No início de 2010, os empréstimos representavam mais de 155% do total de depósitos, ou seja, o montante que os bancos emprestavam a empresas e particulares era bastante superior aos montantes que captavam em depósitos junto dos seus clientes. A banca foi obrigada a reduzir esse peso e, em 2015, houve um equilíbrio (100%). Agora, há menos créditos do que depósitos – o que mostra que não está esgotada a capacidade de emprestar.

Também há um indicador que melhorou face a 2015: o rácio de cobertura de liquidez. Este indicador mostra o peso dos ativos de qualidade elevada que o banco tem face às saídas de fundos “durante um período de 30 dias após uma situação de stress”. Em 2016, estava em 151,5%. No ano passado, escalou até aos 218,4%.

Malparado continua a cair

Não só no campo da liquidez a banca mostra melhores números do que nos difíceis anos de crise da dívida. No final do quarto trimestre do ano passado, houve também uma melhoria da qualidade dos ativos.

“No 4.º trimestre de 2019, observou-se uma diminuição de cerca de 4,5 mil milhões (20,9%) dos empréstimos non-performing. Esta evolução traduziu-se numa redução do rácio de NPL, para 6,1% (-1,6 pp).”, indica o Banco de Portugal. Em 2015, o rácio estava nos 17,5% e tem sido uma das áreas em que a banca mais tem sido obrigada a atuar, desde logo porque ter créditos malparados obriga a que tenha capital para cobrir e, assim, este não pode ser utilizado em novas operações de crédito saudáveis.

Havia 17,2 mil milhões de euros de crédito não produtivo nas carteiras dos bancos no quarto trimestre. Três meses antes, estava nos 21,7 mil milhões. O que mostra a voragem da banca em reduzir esta mochila pesada.

Contudo, a atual crise pode vir a aumentar este rácio, já que se antecipa mais incumprimentos e mais desemprego (e, portanto, mais dificuldade em pagar os créditos à banca). Foi para evitar isso que foi criada uma moratória que suspende o pagamento de créditos, cuja implementação não pesará, à partida, nos bancos. Mas nem todas as empresas e nem todas as famílias terão acesso a essa possibilidade.

E, no atual contexto, também se torna mais difícil a redução do malparado que já existe em carteira. É claramente um dos rácios que a banca mais teme.

Mais capital

Os bancos também podem argumentar que o seu capital melhorou, tendo mais capacidade para absorver choques. “No 4.º trimestre de 2019, o rácio de fundos próprios totais e o rácio de fundos próprios principais de nível 1 (CET 1) situaram-se em 16,7% e 14,1%, respetivamente, aumentando ambos em 0,3 pp. Para esta evolução contribuiu essencialmente a diminuição dos ativos ponderados pelo risco (-1,8%)”, aponta o supervisor comandado por Carlos Costa.

Em 2015, o rácio CET1 estava nos 12%.

E, agora, os bancos foram já autorizados pelos supervisores a sacrificar uma parte do capital para poderem ter capacidade para financiar a economia.

Trabalho a fazer na eficiência e na rendibilidade

Mas nem tudo mostra uma melhoria clara face aos anos de crise.

A rendibilidade do capital próprio aumentou para 8,1% no final do ano face a 7,1% um ano antes, só que, pese embora tenha havido retorno negativo nos anos da crise (período de prejuízos), o indicador está ainda abaixo dos valores da década anterior, quando superava os 10% - o número que o próprio Banco de Portugal considera mínimo para salvaguardar a banca e garantir o interesse de acionistas em continuar a capitalizar as suas instituições.

Há ainda uma nota sobre o rácio de eficiência, e, aqui, o sector tem ainda um trabalho pela frente. O rácio de cost-to-income, que compara os custos fixos com o produto bancário (as receitas), tem caído, mas ainda não para níveis que o afastem dos dados de 2010.

O rácio situou-se em 59,2% no fim do ano. Em 2015, estava na casa dos 60%. Em 2010, nos 57,6%. Quanto mais baixo, menor o peso dos custos no volume de receitas.