Economia

Risco da dívida portuguesa caiu 30% em duas semanas. BCE acalmou mercado da dívida

O prémio para aquisição das obrigações portuguesas desceu seis décimas em menos de duas semanas. Juros da dívida pública a 10 anos caíram para 0,6% depois de terem chegado a um pico de 1,6% em 18 de março, antes do pacote aprovado pelo BCE, que promete ‘injectar’ €1,3 biliões até final do ano na zona euro. Comparando com os EUA é pouco

Lagarde, que gosta de se ver como uma ‘coruja’ sábia, arrisca-se a ser o único adulto na sala da crise que lavra na Europa face a falcões que resistem a abrir os cordões à bolsa e hesitantes
epa

A mudança de estratégia do Banco Central Europeu (BCE) a 18 de março já teve resultados positivos.

Os juros (yields) da dívida pública da zona euro desceram no mercado secundário e os prémios de risco das economias mais endividadas desceram. E o volume de dívida pública na zona euro com juros negativos voltou a subir, com a Alemanha a regressar a uma situação em que toda a curva da sua dívida (até 30 anos) regista juros abaixo de zero.

No caso da dívida portuguesa, as taxas de referência a 10 anos desceram de um pico desde início do ano de 1,6% a 18 de março (antes de conhecido o pacote do BCE que seria nesse dia aprovado) para 0,6% no fecho de sexta-feira.

O prémio de risco – que indica o spread que os investidores exigem em relação ao custo de financiamento da dívida alemã, que serve de referência – caiu de 165,5 pontos-base a 17 de março (pico desde o início do ano) para 109,6 pontos na sexta-feira. Um recuo de 34%.

Aqueles picos foram atingidos a 17 e 18 de março em virtude da gaffe de Christine Lagarde, presidente do BCE, ao dar a entender na conferência de imprensa de 12 de março (a última presencial que deu) que o disparo dos spreads no caso da dívida italiana não eram problema do BCE. Uma minicrise das dívidas dos periféricos rebentou com os investidores a ‘testar’ a solidez da zona euro. Lagarde corrigiu o tiro e a crise amainou.

Cada 100 pontos-base desse spread equivalem a 1 ponto percentual, o que significa que, na minicrise provocada pela gaffe de Lagarde, os investidores exigiam um prémio de quase 1,7 pontos percentuais em relação aos juros da dívida alemã.

Uma consequência ainda mais significativa da mudança de estratégia do BCE, foi a redução do preço dos credit default swaps (cds) a 5 anos que indicam o custo de segurar a dívida contra o risco de incumprimento (de um default). Esse custo para a dívida portuguesa caiu de 167,6 pontos-base a 19 de março (quando chegou a um pico desde início do ano) para 89,1 pontos no encerramento do mercado a 27 de março. Uma redução de 47%.

Carteira do BCE em dívida portuguesa pode subir para €60 mil milhões

Se, pelo menos, a chave atual relativa a Portugal for aplicada, o BCE – sobretudo através do Banco de Portugal – deverá adquirir 21 mil milhões de euros em novas compras de dívida portuguesa.

Com um stock atual de dívida pública portuguesa adquirida no montante de 41,8 mil milhões de euros (cerca de 1/3 da dívida obrigacionista) até 20 de março, a carteira do BCE com títulos portugueses comprados desde 2015 deverá subir para mais de €60 mil milhões no final do ano, muito acima dos cerca de €50 mil milhões que ainda se devem do resgate de 2011. Aos 60 mil milhões há que juntar 3,9 mil milhões que ainda restam de títulos adquiridos entre 2010 e 2012 pelo BCE ao abrigo do programa SMP lançado por Jean-Claude Trichet.

Risco continua acima do registado em fevereiro

Mesmo assim, os juros, o spread e o custo dos cds continuam muito acima dos níveis em que estavam no final de fevereiro, antes da epidemia do coronavírus se ter transformado numa pandemia.

E antes de se ter tornado claro que os Estados da zona euro vão ter de avançar, em 2020, com um aumento de endividamento entre 500 a 700 mil milhões de euros em relação ao previsto.

No caso da dívida portuguesa, a 10 anos, os juros (yields) estavam, em final de fevereiro, em 0,3%, o prémio de risco em 90,5 pontos e o preço dos cds em 39 pontos.

O anúncio do novo programa especial de aquisição de ativos no mercado secundário até um montante de €750 mil milhões no final do ano comprimiu os juros e os prémios dos periféricos do euro, mas não os fez descer para os níveis de fevereiro.

O que significa que o programa do BCE não chega para convencer os investidores que não vai haver problemas com muitas economias do euro quando os níveis de endividamento dispararem e a ida aos mercados para financiar a dívida se tornar muito mais cara.

É, neste ponto, que entra a importância de haver uma rede de segurança acordada em comum pelos membros do euro e da União Europeia. Ora, as divergências regressaram às discussões do Eurogrupo e da cimeira dos líderes da União, e o verniz da diplomacia pública estalou na semana passada.

Entre uma rede de segurança baseada em coronabonds (como defendem 9 estados do euro, incluindo Portugal, e vários banqueiros centrais, entre eles Carlos Costa), em dívida mutualizada, e o recurso a uma linha especial do Mecanismo Europeu de Estabilidade, que geriu parte dos resgates da crise anterior, vai um abismo.

A Fed já injectou €1 bilião, o mesmo que o BCE fará até final do ano

Depois do anúncio deste pacote, o BCE prevê ‘injetar’ no mercado da dívida (pública e privada) até final do ano mais 1050 mil milhões de euros através do programa especial agora lançado e do programa normal que está em vigor desde novembro do ano passado. A que se devem juntar 200 mil milhões de euros de reinvestimentos.

Ao todo, são 1250 mil milhões de euros até final do ano, onde um pouco mais de 1 bilião deverá ser aplicado na aquisição de dívida pública em novas compras (cerca de 900 mil milhões) e reinvestimentos (160 mil milhões).

Apesar da intervenção do BCE em novas compras e reinvestimentos representar até final do ano 10,5% do PIB da zona euro, é pouco mais do que os 1,1 biliões de dólares (€998 mi, milhões) que a Reserva Federal norte-americana já injetou desde 26 de fevereiro até 25 de março.

Só desde 11 de março – quando a Organização Mundial da Saúde decretou oficialmente o estado de pandemia para a Covid-19 -, a Fed já injectou 942 mil milhões de dólares (€860 mil milhões).

Larry Kudlow, conselheiro económico da Casa Branca, estima que a intervenção da Fed neste período de emergência se vai saldar em 4 biliões de dólares. Mais do que a injeção de 3,6 biliões de dólares feita entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2015, de resposta à crise financeira de 2008 e à recessão de 2009, nos três programas anteriores geridos por Ben Bernanke e Janet Yellen, os dois antecessores de Jerome Powell, o atual presidente da Reserva Federal.