Depois de um crash equivalente a 7 biliões de euros na capitalização das bolsas à escala mundial em fevereiro provocado pelo pânico financeiro gerado pelo coronavírus chinês, os índices dos mercados de ações recuperaram ligeiramente na primeira semana de março, com exceção das praças da zona euro e da América Latina.
O índice mundial MSCI avançou 0,4% nas cinco primeiras sessões deste mês, depois de ter afundado 8% no mês passado, mas as praças da zona euro perderam 0,08%, acumulando uma derrocada de 12% desde o princípio do ano. Pior só a América Latina, com o índice bolsista da região a cair mais 5,1% na semana passada depois de uma derrocada de 12% em fevereiro.
Estas duas regiões revelam-se como os elos mais fracos da atual crise financeira nascente. A par do mercado petrolífero, onde o preço do barril de Brent colapsou 6% numa só sessão, na sexta-feira passada depois do cartel da OPEP e da Rússia não terem chegado a acordo para um corte global na produção do ouro negro. A cotação do barril de referência europeia já caiu 10% em março e 31% desde início do ano. O fim da aliança OPEP+ poderá levar a uma guerra de preços entre Riade e Moscovo.
Lisboa alinha na tendência negativa da zona euro com um recuo de 1,9% do índice bolsista PSI 20 nas cinco primeiras sessões de março. As maiores quedas europeias na semana passada registaram-se em Atenas, Milão e Madrid.
Em contraste, os índices para a Ásia Pacífico (apesar de ser a região epicentro da epidemia do novo coronavírus) e para Nova Iorque (onde se localizam as duas bolsas mais importantes do mundo) registaram ganhos neste princípio de março, de 0,6% em ambos os casos. Uma recuperação ligeira face a perdas em fevereiro de 6,1% e 8,3% respetivamente.
10 bancos centrais já cortaram taxas
Esta recuperação modesta é atribuída ao efeito provocado por alguma coordenação de cortes de taxas diretoras por parte de 10 bancos centrais nesta primeira semana de março, com destaque para a Reserva Federal norte-americana (50 pontos-base) e para os bancos centrais do Canadá (50 pb), Arábia Saudita (50 pb), Hong Kong (50 pb), Austrália (25 pb) e Argentina (200 pb, ou seja, 2 pontos percentuais, de 40% para 38%).
No plano orçamental, alguns países (nomeadamente Coreia do Sul, Itália e Estados Unidos) e organizações internacionais (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) avançaram com um pacote global de 110 mil milhões de dólares (€97 mil milhões), uns modestos 0,1% do PIB mundial.
A resposta europeia (da zona euro e do Reino Unido) e do Japão está ainda em suspenso. O Eurogrupo só deverá tomar decisões na reunião de 16 de março. O governo alemão deverá anunciar medidas na segunda-feira.
A reunião de política monetária mais aguardada na próxima semana realiza-se em Frankfurt quando o conselho do Banco Central Europeu (BCE) discutir a resposta à atual inesperada crise que veio baralhar a "pausa" anunciada por Christine Lagarde que esperava ter o ano de 2020 para realizar a revisão estratégica da política monetária ... sem sobressaltos.
O foco de atenção dos investidores vira-se para quinta-feira quando a francesa explicar o que os 19 bancos centrais do euro decidiram. O BCE reúne-se num quadro de alastramento da epidemia na Europa (com Itália a colocar em quarentena 16 milhões de habitantes), queda da inflação para 1,2% e ausência de resposta conjunta da Comissão Europeia e do Eurogrupo.
Comparando com novembro de 2011 quando seis bancos centrais do G7 coordenaram a ação na política monetária face à crise que lavrava na zona euro, a resposta atual é muito fraca apesar do Fundo Monetário Internacional (FMI) ter, em apenas duas semanas, revisto em baixa por duas vezes a sua previsão de crescimento mundial em 2020 avançada em janeiro.
Na reunião do G20 em Riade a 22 de fevereiro, o FMI ainda convenceu os presentes de que a crise seria passageira e se comportaria em "V" implicando uma correção de apenas 0,1 pontos percentuais na previsão de crescimento de 3,3% que havia sido avançada em janeiro. Na semana passada, para a reunião do G7, a diretora-geral do Fundo apontou para um corte no crescimento de mais de quatro décimas, admitindo que o PIB mundial poderá crescer até menos do que os 2,9% de 2019, o ritmo mais fraco desde a recessão mundial. As previsões de primavera do Fundo só serão avançadas na reunião - pela primeira vez com sessões virtuais - de 13 a 19 de abril. Até lá, muita água vai correr ainda debaixo das pontes num quadro mundial em que convergem choques no lado da oferta e da procura mundiais.
Os primeiros dados da China, conhecidos este fim de semana em Pequim, são preocupantes. As exportações caíram 17,2% (em dólares) nos primeiros dois meses do ano, segundo a Autoridade Aduaneira chinesa. De um excedente comercial de 46,79 mil milhões de dólares em dezembro do ano passado passou para um défice acumulado de 7 mil milhões em janeiro e fevereiro, o primeiro desde 2012. Os navios de contentores parados à escala mundial registam um máximo histórico, envolvendo 2 milhões de TEU (unidade padrão para calcular o volume dos contentores) em meados de fevereiro, acima do ocorrido no ano da recessão mundial de 2009, segundo a consultora francesa Alphaliner.
Pânico financeiro continua
A volatilidade voltou a disparar esta semana em Nova Iorque e nas bolsas da área da moeda única europeia atingindo novos máximos desde 2011, aquando da crise das dívidas soberanas dos periféricos do euro. Os índices VIX, que medem a volatilidade diária nas bolsas e dão uma dimensão do pânico financeiro, marcaram novos máximos de nove anos na semana passada - o VIX para o índice S&P 500 de Wall Street chegou a 54,39 e o relativo ao índice Eurostoxx 50 (das cinquenta principais cotadas da zona euro) atingiu 46,6.
No mercado da dívida pública, os sinais de pânico continuam. Os investidores continuam a corrida aos valores refúgio, como as obrigações alemãs e os títulos do Tesouro norte-americano, 'pagando' para as deter (em virtude de taxas negativas, no caso germânico) ou pela primeira vez aceitando juros positivos cada vez mais baixos (no caso dos EUA) . As yields dos títulos alemães a 10 anos caíram para mínimos negativos de -0,75%. Nos EUA, as taxas dos títulos a 10 anos fixaram novos mínimos históricos em 0,6% e no prazo mais longo, a 30 anos, colapsaram para um mínimo abaixo de 1,3%.
Em sentido contrário, o prémio de risco dos periféricos do euro - incluindo Portugal - tem registado subidas em relação ao período anterior ao choque do coronavírus chinês. Na próxima quarta-feira, o Tesouro português realiza um leilão de obrigações a 5 e 10 anos, com as taxas no mercado abaixo das registadas nas últimas operações realizadas nesses prazos pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). O leilão a 10 anos é o primeiro da nova linha de obrigações lançada no início do ano através de uma operação sindicada em que o Tesouro pagou um juro de 0,499%.
Na segunda-feira, vai registar-se o primeiro default parcial por parte de um Estado nesta era do coronavirus. O Líbano vai entrar em incumprimento em 1,2 mil milhões de dólares (mil milhões de euros).
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