Economia

Porto de Lisboa enfrenta nova greve e perda de quota de mercado

Os estivadores começam hoje três semanas de greve em Lisboa. Consultora EY alerta para risco de insolvência da empresa de trabalho portuário A-ETP e diz que na ultima década, o Porto de Lisboa passou de uma quota de mercado de 17% para 12%. Entre 2008 e 2018, foram emitidos aqui 123 pré-avisos de greve, acrescenta o grupo Yilport. "“A A-ETPL tem sido objeto de uma gestão ao longo dos anos" , denuncia o SEAL

Horacio Villalobos/Getty Images

O SEAL - Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística iniciou hoje uma greve parcial no Porto de Lisboa, A decisão de manter a greve foi tomada depois de uma reunião com responsáveis da empresa de trabalho portuário A-ETPL, que manifestaram a intenção de passar 34 trabalhadores efetivos a eventuais e evidencia o braço de ferro entre as duas parte em conflito num Porto que tem vindo acumular perda de competitividade ao longo da última década.

Um estudo da consultora EY, citado na edição do Jornal de Negócios desta quarta-feira, refere uma perda de quota de mercado de 17% para 12% em Lisboa, um nível de absentismo "historicamente elevado", acima dos 30% em 2019 e fala de "uma situação de insolvência iminente" da Associação - Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (A-ETPL), que tem como foco a cedência temporária de mão de obra para a movimentação de cargas e descargas na capital e é controlada pelos grupo Yilport, ETE e TMB.

A performance financeira da A-ETPL "reflete uma situação crítica, com margens operacionais negativas, devido a uma elevada estrutura de custos fixos face ao seu atual nível de atividade", com um recuo de 4,1% só em 2019, diz o relatório citado pelo Negócios no dia em que a greve começa.

"Numa década, o porto de Lisboa perdeu 31,2% das escalas de navios e a percentagem sobe aos 37,1% quando as contas são feitas para um período de 15 anos. “Era o maior porto nacional e agora está à beira do terceiro lugar do ranking nacional”, sublinhava António Belmar da Costa, diretor executivo da AGEPOR - Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, num artigo publicado pelo Expresso em novembro de 2018.

Uma proposta que aumentou a tensão

E já no final de janeiro, num sinal de que a tensão no Porto de Lisboa estava para durar, a Associação - Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (A-ETPL) desafiou o Seal a aceitar uma redução salarial de 15% e a eliminar as progressões de carreira automática, apontando o exemplo de Vigo onde os estivadores aceitaram baixar os ordenados até 15% em 2019. Isto, em cima da convocatória pelo SEAL de uma greve ao trabalho extraordinário de 3 e 17 de fevereiro, na empresa de estiva Sadoport, em Setúbal que poderia ter impacto em Lisboa no caso de haver desvio de cargas.

A fundamentar esta proposta, a A-ETPL que tem sete empresas de estiva associadas, seis das quais afetas aos dois maiores grupos económicos do Porto de Lisboa - Yilport (3) e ETE (3) - alega a situação difícil da empresa, “à beira da falência técnica”, depois de fechar 2019 com um prejuízo de meio milhão de euros, adiantou, então, Diogo Marecos, do grupo Yilport, ao Expresso.

Numa carta data de janeiro, a A-ETPL já explicava as dificuldades financeiras que enfrentava e referia "um árduo trabalho de gestão quer da Direcção da Associação, quer da Direcção Técnica, que tudo têm feito desde 2016 para reduzir ao minimo indispensável a estrutura de custos da própria A-ETPL". Depois, acrescentava: "foi feito um trabalho significativo de redução de custos fixos: - Diminuição do espaço utilizado pela sede da A-ETPL – ano 2013 – redução de 47%; - Renegociação do Seguro de Saúde dos trabalhadores portuários – ano 2016 – redução de 30%; - Renegociação do valor de Assessoria em comunicação – ano 2016 – redução 50%; - Nova renegociação do valor da renda da sede da A-ETPL – ano 2017 – redução 19%; - Redução da retribuição dos trabalhadores administrativos da A-ETPL - entre 2014 e 2018 – redução 28% - Cessação do contrato de Assessoria em comunicação – 2020 – redução de 100%; - Ausência de substituição dos trabalhadores administrativos que cessaram o seu contrato de trabalho".

"O Porto de Lisboa que em 2011 era o N.º 1 em Portugal, é hoje o N.º 3; 2",sustenta a empresa, apontando como causas o facto de os clientes, sobretudo de carga contentorizada, terem alterado as suas cadeias logisticas e deixado de escalar Lisboa, passando a utilizar outros Portos devido à sucessão de greves e pré-avisos de greve em Lisboa. Assim, "A A-ETPL deixou, por redução da actividade das empresas suas clientes, de facturar os mesmos valores que facturou durante ano", diz a carta.

A A-ETPL assumia, ainda, "carecer de medidas imediatas, para que a sua sustentabilidade volte a ter lugar. Entre estas medidas apenas a diminuição de gastos com pessoal pode procurar assegurar tal sustentabilidade, o que pode ser feito através de um corte dos postos de trabalho, bem como com a diminuição da massa salarial", dizia a empresa.

Sindicato fala de estrategia da Yilport para ter taxas mais baratas

Mas a versão do sindicato é completamente diferente. A A-ETPL quer “apostar numa situação de pré-insolvência”, como ja disse à Lusa António Mariano, presidente do SEAL, Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística, denunciando o “incumprimento dos acordos assinados, o não pagamento atempado dos salários, a apresentação de propostas inaceitáveis aos trabalhadores e os sucessivos desvios de cargas para outras portos nacionais”.

“Não sei se o Governo português vai continuar a assistir, impávido e sereno, a estas manobras de desvio de cargas em território nacional, por razões que, provavelmente, visam apenas a destruição da organização do trabalho tal como existe e aumentar ainda mais os níveis de precariedade nos portos nacionais, como hoje nos foi proposto, com a passagem de 34 trabalhadores efetivos a contratos precários”, diz

E deixa uma nova hipótese de leitura do que se passa em Lisboa e na A-ETPL no ar , considerando que os turcos da Yilport até anunciaram a disponibilidade para investir 122 milhões de euros no Porto de Lisboa e que estão em negociações para prorrogação do prazo de concessão do terminal de Lisboa: Estarão a utilizar o conflito com os trabalhadores para exigir ao Governo taxas mais baratas, alegando que há muitas greves e poucas cargas no porto de Lisboa?, questiona.

Aliás, o SEAL, logo no início de fevereiro, como noticiou o Expresso, disse não ter dúvidas de que “A A-ETPL tem sido objeto de uma gestão ao longo dos anos (…) subsumível no conceito de “gestão danosa”, sendo agora claro que o trabalho prestado pelos trabalhadores da AETPL – que há 17 meses que têm salários em atraso, por não serem pagos atempadamente – tem servido para as empresas tirarem benefícios financeiros diretos, sem que estas suportem os custos reais de tal trabalho”.

Assim, o SEAL, mandatou o seu departamento jurídico para acionar as empresas por valores em dívida aos trabalhadores que, só no Porto de Lisboa, atingem vários milhões de euros e vai estudar a possibilidade de accionar, civil e criminalmente, os membros da Direção da AETPL e os sócios/únicos clientes da mesma. Porquê? “pelo facto de terem permitido que esta os beneficiasse enquanto obteve lucros e que agora não estão na disposição de repor o seu equilíbrio financeiro através do pagamento dos custos reais do trabalho que lhes é prestado pelos trabalhadores da A-ETPL"

Agora, nos termos da greve convocada para Lisboa, de 19 a 28 de fevereiro, os estivadores só trabalham para a Liscont, Sotagus e Multiterminal (do grupo Yilport) e a TMB (Terminal Multiusos do Beato) no segundo turno, e de 29 de fevereiro a 9 de março não haverá qualquer prestação de trabalho para essas empresas. Estrategicamente, o SEAL deixa de fora o grupo ETE uma vez que o seu representante não subscreveu a carta da A-ETPL, o que interpreta como sinal de "futura boa fé negocial".