Economia

ADSE na alçada da ministra Alexandra Leitão

Subsistema de saúde dos funcionários públicos deverá passar a ser tutelado pelo Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública

A ministra Alexandra Leitão vai passar a ter uma palavra a dizer sobre a ADSE. A tutela do subsistema de saúde dos funcionário públicos, atualmente dependente da Saúde e das Finanças, deverá mudar para o Ministério Modernização do Estado e da Administração Pública (MMEAP), apurou o Expresso. A alteração está para ser publicada, brevemente, em Diário da República constando da Lei Orgânica do Governo, que foi promulgada esta segunda-feira, dia 2 de dezembro, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Segundo várias fontes ouvidas pelo Expresso, o Ministério da Saúde irá deixar a ADSE cedendo o lugar ao MMEAP, permanecendo, no entanto, algumas competências na esfera do Ministério das Finanças. Esta redefinição da dependência da ADSE constará da lei que define o regime da organização e funcionamento do Executivo liderado por António Costa. Contactado pelo Expresso o Ministério da Saúde não comenta estas mudanças porque o assunto “ainda se encontra em processo legislativo”.

A ADSE é um instituto público de regime especial e de gestão participada, integrado na administração indireta do Estado e, desde 2017, tem tutela conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Saúde. O organismo é dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, embora várias sejam as vozes a dar conta de que a instituição tem sido paralisada pelo poder político, sobretudo pelo ministério liderado por Mário Centeno.

As críticas e as avaliações menos positivas do desempenho das tutelas surgem de dentro do Conselho Diretivo da ADSE, através do representante dos beneficiários da ADSE, Eugénio Rosa, por parte do presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, João Proença, bem como do Tribunal de Contas, por exemplo. “Decorridos quatro anos verificou-se que as recomendações do Tribunal de Contas que visavam a sustentabilidade da ADSE não foram implementadas pelos Ministérios das Finanças e da Saúde”, diz uma auditoria recente. Em setembro em declarações ao Expresso, Eugénio Rosa dizia que “em 2019, as Finanças cativaram 50 milhões de euros de despesas de saúde, dinheiro que vai para o saldo das contas públicas e reduz o défice, embora seja da ADSE. Para mexermos num tostão temos que pedir” e, no mesmo artigo, João Proença acusava o Ministério das Finanças de tratar a ADSE “como se fosse a sua quinta: cativa verbas, não permite a admissão de pessoal, o que põe em causa os serviços aos beneficiários”.

Ora, mesmo com esta mexida nos poderes hierárquicos da ADSE, a mão do ministro das Finanças permanecerá no instituto.

Várias frentes de batalha

A missão da ADSE, segundo o site do organismo, é “assegurar a proteção aos seus beneficiários nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação”. Desígnio que se afigura cada vez mais desafiante com a sustentabilidade do subsistema em causa, nomeadamente por causa do envelhecimento dos beneficiários (note-se que pensionistas descontam menos porque as reformas são de valor inferior ao que recebiam no ativo e, por outro lado, consomem mais recursos), sem que se avance com soluções de alargamento a mais contribuidores – como tem vindo a ser pedido pelos representantes dos beneficiários no que respeita à abertura do subsistema aos funcionários públicos com contratos individuais de trabalho.

O instituto também lida com a falta de pessoal, sem que sejam abertos concursos públicos para novas contratações, o que tem gerado atrasos muito significativos nos reembolsos devidos aos beneficiários pelas despesas suportadas ao abrigo do regime livre (em serviços de saúde junto de prestadores que não têm convenções com a ADSE).

Outro desafio é fechar as novas tabelas de preços para o regime convencionado, que estão a ser negociadas com os prestadores hospitalares privados, num processo que se arrasta há largos meses. Serão estas novas tabelas, com preços fechados para praticamente todos os atos médicos e produtos, que vão permitir acabar com os acertos de contas entre os grupos hospitalares privados e a ADSE. As chamadas regularizações são outro dos dossiês complicados para a gestão do subsistema de saúde dos trabalhadores do Estado e estão longe de ser um tema encerrado. A ADSE reclama dos privados a devolução de 38 milhões de euros que terão sido faturados a mais em 2015 e 2016, o que os prestadores contestaram nas instâncias judiciais. Para os dois últimos anos, o valor dos acertos ascende a 21 milhões de euros (que não terá sido ainda notificado aos prestadores de cuidados de saúde), segundo o relatório e contas da ADSE de 2018.

ADSE EM DATAS

1963

Nasce a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE), como um esquema de proteção na doença aos servidores civis do Estado, sob a tutela do Ministério das Finanças.

1979

Passa a haver um desconto de 0,5% nos vencimentos brutos dos beneficiários no ativo.

1980

Transformação da ADSE em Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública.

1981

O desconto para os beneficiários titulares no ativo sobe para 1%.

1985

É permitida a inscrição dos docentes do ensino superior, privado e cooperativo, desde que inscritos na Caixa Geral de Aposentações (CGA) e com contrato a tempo inteiro.

1988

Autorizada a inscrição dos docentes do ensino não superior, privado e cooperativo, desde que inscritos na CGA. É alargada a atividade da ADSE à verificação da doença dos funcionários e agentes da Administração Pública, através da realização de juntas médicas e verificação domiciliária da doença na zona de Lisboa.

2004

São publicadas as tabelas do regime livre.

2006

Torna-se facultativa a inscrição e a possibilidade de renúncia à inscrição, para trabalhadores que iniciaram funções a partir de 1 de janeiro de 2006.

2007

A taxa de desconto volta a subir. Fica nos 1,5% para os beneficiários titulares no ativo e é exigido 1% aos aposentados e reformados com pensão superior a 1,5 vezes a RMMG – Retribuição Mínima Mensal Garantida (valor atualizado anualmente até perfazer 1,5%). É neste ano que os descontos passam a constituir receita própria da ADSE.

2009

É alargado o universo de beneficiários a todos os trabalhadores com funções públicas, bem como a descendentes maiores até aos 26 anos desde que estudantes.

2010

Concedida a possibilidade de renúncia à inscrição a todos os beneficiários. Encargos de saúde dos beneficiários em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) deixam de ser suportados pela ADSE.

2011

Alteração da designação da ADSE para Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas.

2012

Desconto passa para 1,5% para todos os beneficiários titulares aposentados, ficando isentos os beneficiários para quem a aplicação da percentagem resultasse numa pensão de valor inferior à RMMG.

2013

Desconto atinge os 2,25% para todos os beneficiários titulares no ativo e para os aposentados e reformados com reforma superior ao valor da RMMG. É definido o decréscimo das contribuições da entidade empregadora para 1,25%.

2014

Desconto sobe para 2,5% e, posteriormente, para 3,5% para todos os beneficiários no ativo e para os aposentados e reformados com reforma superior ao valor da RMMG.

2015

Transferência da dependência do Ministério das Finanças para o Ministério da Saúde. As entidades empregadoras deixam de pagar a contribuição para a ADSE.

2017

Transformação da ADSE em Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I. P. (ADSE, I. P.), sob tutela conjunta do Ministério das Finanças e do Ministério da Saúde.


2018

São definidas pelo DLEO – Decreto Lei de Execução Orçamental de 2018 metodologias para implementação de preços máximos, no regime convencionado, em relação aos códigos abertos – próteses, medicamentos e procedimentos cirúrgicos.

2019

Grandes grupos privados ameaçam romper os acordos de convenção com a ADSE por causa do processo de acerto de contas relativo a 2015 e 2016 (as chamadas regularizações). A ADSE alega que tem a receber cerca de 38 milhões de euros faturados em excesso, os privados contestam em tribunal. Inicia-se o processo de negociação das propostas de novas tabelas de preços para o regime convencionado que ainda não está fechado.