Economia

A filantropia pode ser a solução para os media? É só um dos caminhos

A responsabilidade social e os modelos alternativos de financiamento aos media foi o tema em destaque na última mesa redonda da conferência organizada pelo Sindicato dos Jornalistas, com o alto patrocínio da Presidência da República

Foi num tom emotivo e sem rodeios que Ricardo Esteves Ribeiro, do projeto “Fumaça”, desafiou esta terça-feira os gestores e diretores dos maiores grupos de comunicação social, que no dia anterior tinham debatido os “Modelos de negócio e de gestão” dos media, criticando o facto de alguns terem mostrado preocupação ou relutância em relação ao financiamento do Estado aos meios de comunicação social, no geral, ou apenas em relação aos apoios diretos, em particular.

E nem o secretário de Estado do Cinema, do Audiovisual e dos Media escapou. “O secretário de Estado Nuno Artur Silva aproveitou a sua intervenção de ontem para admitir que não acredita na subsidiação direta do Estado. A ideia que devem ser os cidadãos ou os jornalistas a resolver os problemas do jornalismo tem na base as mesmas ideias de sempre”, atira.

E continua o seu discurso apontando que muitas das medidas referidas durante a conferência – como incentivos à leitura, vouchers para os cidadãos, incentivos fiscais – “podem ter um efeito, sim, sobretudo paliativo. Mas têm o mesmo fim: continuar a fazer o mesmo de sempre. Estas propostas querem resolver o problema do modelo de negócio dos media, não a sustentabilidade do jornalismo.”

Desafios dos media

A economista Susana Peralta abordou os desafios dos media, lembrando que em 2015 a Google e a Facebook ficaram com quase dois terços do negócio de publicidade online que valia 60 mil milhões de dólares. Destacou também as histórias de sucesso no sector dos media, ressalvando que esse sucesso acontece em projetos que “abrangem o mercado global”. Por exemplo, no "New York Times" 15% dos subscritores são estrangeiros.

Se noutros países há uma tendência decrescente para o uso do Facebook como fonte de notícias, em Portugal cerca de metade das pessoas ainda usa esta estratégia de informação. Remeteu para vários exemplos de apoios que já são concedidos noutros países, sendo a Finlândia a campeã dos apoios.

Já Filipe Alves, diretor do "Jornal Económico", defendeu a criação de fundações jornalísticas e apresentou um possível modelo de organização destas entidades. Recorreu ao exemplo do jornal britânico "Guardian", que passou a ser propriedade do Scott Trust. Uma mudança que teve como objetivo preservar a independência editorial ao longo de 83 anos e manter o investimento no jornal. Mas não só: “o fundador do Scott Trust optou por este modelo porque pretendia assegurar a viabilidade e o futuro do 'The Guardian' mas também porque queria que os herdeiros não tivessem de pagar o imposto sucessório”, disse o jornalista.

“O interesse próprio anda de mãos dadas com a filantropia, para incentivar a segunda, temos de atender ao primeiro”, acrescentou, propondo entre outras medidas um reforço dos benefícios fiscais para os mecenas.

Diversificar as fontes de financiamento

A Fundação Calouste Gulbenkian esteve na conferência do Sindicato dos Jornalistas, pela voz de Luís Proença, apresentar um conjunto de soluções que podem ajudar à discussão sobre o financiamento e a sustentabilidade dos media. Mas, como nota o responsável, “medidas há muitas; faltam é formas de medição do impacto que as tornem efetivas”.

Além do apoio através de estágios, bolsas de estudo ou bolsas de investigação jornalística, torna-se cada vez mais relevante “promover o ensino do jornalismo noutras áreas do saber”, nomeadamente ao nível da formação para seniores.

E, num contexto em que a digitalização “multiplica o número de gatekeepers” e de fontes, torna-se essencial dar apoio aos media “na área de consultoria tecnológica”. “Identificámos outro cluster em prol da verdade: certificadores digitais independentes, desenvolvidos com a finalidade de identificar um rating e a segurança das informações online, com o objetivo de avaliar a idoneidade dos meios de comunicação”.

Concretamente, sobre as possíveis fontes de financiamento dos media, Luís Proença diz que o caminho passa por um modelo complementar de fontes de financiamento, com diversificação da sua origem para garantir a sua sustentabilidade e independência: publicidade, desenvolvimento de ferramentas de certificação tecnológica, subscrições, apoio ao endividamento, fundos de investimento de impacto social, doação direta através de consórcios de fundações, entre outras.

Num contexto de degradação do jornalismo, como sublinhou João Garcia (referindo o excesso de mediatismo excessivo dado à saia do assessor da deputada Joacine Katar Moreira como um sinal do jornalismo atual), são necessárias soluções – como as bolsas jornalísticas da Fundação Calouste Gulbenkian.

Mas, neste contexto, é necessário garantir “a total independência do júri”, que deve financiar jornalistas e não projetos – como fez numa das últimas edições, alerta o antigo presidente do júri das bolsas de investigação jornalística. E deixa um alerta para o jornalismo dos tempos modernos: “o objetivo é que o jornalista vá à procura da notícia e não que a notícia vá à procura do jornalista, como hoje acontece muito”.

Aposta na literacia mediática

De pouco servirão os apoios que o sector dos media possa vir a ter se o cidadão comum não perceber – e reconhecer - a importância da comunicação social. Por isso o Sindicato dos Jornalistas tem vindo a desenvolver um projeto na área da literacia em escolas. Assinou um protocolo de cooperação com o Ministério da Educação através do qual promoveu a formação de 78 jornalistas e avançou com um projeto piloto que chegou este ano a 5 escolas de norte a sul do continente português, explica Isabel Nery, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas. Este ano já foram formados mais cerca de 60 jornalistas para o segundo projeto piloto, que chegará no próximo ano também às ilhas. “É um projeto de sucesso que se justifica continuar”, defendeu.

“Sendo verdade que os poderes públicos podem estar mais atentos e tomar medidas, também é certo que os jornalistas não se podem alhear da solução para problemas que põem em causa a sua sobrevivência – e até existência”, afirmou a jornalista.

“O Sindicato dos Jornalistas pode e deve estar na linha da frente pela busca de soluções”, acrescentou Isabel Nery, defendendo que “num mundo a transbordar de informação, a literacia para os media vai ser tão ou mais importante do que qualquer outra disciplina”.

“A literacia é, ao mesmo tempo, um meio para ajudar a perceber o que é o jornalismo e para compreender a importância da saúde financeira das empresas de meios de comunicação, como garante da independência jornalística”, disse ainda.