Bruxelas deu esta quarta-feira um puxão de orelhas a Portugal ao continuar a incluir o país nas oito economias com orçamentos para 2020 que ainda apresentam risco de infringir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Mas a reprimenda a Lisboa é fraca comparando com os riscos que Bélgica, Espanha, França e Itália representam, incorrendo em desvios muito significativos em relação aos objectivos orçamentais de médio prazo e à redução adequada do peso da dívida pública no Produto Interno Bruto (PIB).
Na lista de países com risco de infração das regras em 2020 estão Bélgica, Eslovénia, Eslováquia, Espanha, Finlândia, França, Itália e Portugal, ainda que em graus diferentes. Nos casos da Bélgica, França e Itália, o peso da dívida pública no PIB deverá inclusive aumentar até 2021, em vez de diminuir como sucede nos casos de Portugal e dos outros quatro com risco de desvio.
Apesar da Comissão Europeia continuar a considerar que o projecto de orçamento português para 2020 pode registar "um desvio significativo" em relação aos objetivos de médio prazo, Bruxelas sublinha que Portugal estará em 2020 "mais próximo do objetivo orçamental de médio prazo" no que respeita ao saldo estrutural. Diz também que a redução do peso da dívida no PIB está no bom caminho, apesar de ainda continuar muito acima de 60%.
A Comissão sublinha inclusive que Portugal deverá manter excedentes primários (saldo orçamental sem incluir os juros da dívida) em 2019 (3% do PIB) e 2020 (2,9%) e que projeta atingir o equilíbrio orçamental em 2020 (saldo zero), além de se esperar que cumpra com os objetivos de redução do peso da dívida no PIB em 2019 e 2020.
A apreciação de Bruxelas baseia-se no 'rascunho' de orçamento para 2020 enviado em meados de outubro pelo anterior governo português já na ponta final do seu mandato, após realização das eleições legislativas. Mas antes que António Costa tivesse formado novo governo ou sequer apresentado as linhas gerais do programa do novo governo. Pelo que a Comissão aguarda - tal como, por exemplo, no caso de Espanha, que realizou eleições antecipadas em novembro - o orçamento que vier a ser apresentado por Mário Centeno.
Bruxelas quer redução para zero do saldo estrutural
O vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis, disse na conferência de imprensa de apresentação desta quarta-feira que espera que o novo governo de António Costa apresente uma nova proposta de orçamento que procure corrigir o desvio em matéria de saldo estrutural em 2020.
O saldo estrutural diz respeito ao saldo orçamental corrigido do ciclo económico e não considera medidas extraordinárias tomadas pelo governo.
De acordo com o 'rascunho' de Centeno, enviado em outubro, o défice estrutural deverá baixar de 0,6% do PIB potencial em 2018 para 0,3% em 2019, mas deverá subir em 2020 para 0,5%, em vez de continuar a emagrecer no sentido da meta de equilíbrio (0%). Nas contas de Bruxelas, o défice estrutural em 2019 não descerá tanto e deverá ficar em 0,4%, não se alterando no ano seguinte, se não houver novas medidas no orçamento para 2020.
O esforço para atingir o chamado objetivo de médio prazo - um saldo estrutural de 0% - é agora de 0,4% do PIB potencial, uma décima abaixo do que era pedido em julho. A razão da descida está no facto de a consolidação em 2019 ser um pouco melhor do que Bruxelas previa, o que faz diminuir ligeiramente o objetivo para o próximo ano.
Portugal poderá já no próximo ano atingir o objetivo de médio prazo, mas para isso tem de corrigir o saldo estrutural como pede Bruxelas. E para estar "totalmente de acordo com as regras" deveria fazê-lo já na proposta de Orçamento do Estado para 2020, que deverá estar pronta em dezembro e que deverá ser enviada para a Comissão pelo menos um mês antes da sua aprovação final no parlamento português.
Recorde-se que, em abril, quando Mário Centeno apresentou o Programa de Estabilidade para 2019-2023, o governo previa um excedente estrutural de 0,3% do PIB já em 2020. Ou seja, a meta de Centeno para 2020 foi, depois, cortada em oito décimas.
Os técnicos da Comissão farão uma avaliação totalmente nova da proposta de orçamento para 2020 quando for enviada, a tempo de ser divulgada antes da votação na Assembleia da República que deverá ocorrer já no próximo ano.
Almofada orçamental face ao risco da dívida
Bruxelas não deixa de chamar à atenção para a necessidade de Portugal manter uma almofada orçamental em virtude dos riscos derivados de ter um nível de dívida ainda muito elevado (acima de 100% pelo menos até 2021, o último ano de projeções da Comissão).
Bruxelas realizou, também, uma análise da sustentabilidade da dívida pública das economias da União, sublinhando os "riscos elevados" de médio prazo que enfrentam Bélgica, Espanha, França, Itália e Portugal.