“A economia mundial está agora numa desaceleração sincronizada. Prevemos um crescimento mais fraco em 90% do mundo. Isto significa que, este ano, o crescimento vai cair para o nível mais baixo desde o início da década”, referiu esta terça-feira Kristalina Georgieva, a nova diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A última previsão do Fundo para 2019, publicada em julho, apontava para um crescimento mundial de 3,2%, denotando o pessimismo crescente dos técnicos da organização então ainda liderada por Christine Lagarde.
Essa taxa avançada em julho já era a mais baixa desde a grande recessão de 2009. O crescimento mais fraco da economia mundial, desde a última recessão global até 2018, registou-se em 2015 e 2016, com as taxas em torno de 3,4%.
Sem adiantar os novos números para o crescimento da economia mundial em 2019 e 2020, a economista búlgara, que substituiu este mês a política francesa à frente do Fundo, adianta que a organização “vai rever em baixa”, de novo, aquelas previsões. O FMI está, agora, ainda mais pessimista que há, apenas, três meses atrás.
Uma aproximação da previsão a 3% para 2019 - uma taxa considerada como linha vermelha por muitos economistas - será um sinal de alerta. Neste século, o crescimento mundial caiu para menos de 3% em 2001 e 2002, dois anos de forte desaceleração, e situou-se na linha vermelha em 2008, no ano da crise financeira.
Risco de bancarrota de €17 biliões no sector empresarial
O novo quadro macroeconómico mundial só será revelado na próxima semana quando for publicado o World Economic Outlook (WEO), o documento fundamental de previsões e recomendações do Fundo que será apresentado no início da assembleia geral conjunta da organização e do Banco Mundial que decorrerá em Washington entre 14 e 20 de outubro. Desde a anterior edição do WEO, em outubro do ano passado, o Fundo já cortou em meio ponto percentual a previsão para o crescimento mundial; de 3,7% para 3,2%.
Uma das consequências de uma derrapagem na economia mundial pode ser um choque no sector empresarial. A diretora-geral do FMI avisa que, “se uma grande desaceleração acontecer, a dívida empresarial em risco de incumprimento subirá para 19 biliões de dólares (mais de €17 biliões), cerca de 40% do total do endividamento total em oito grandes economias”. “Este valor está acima dos níveis observados durante a crise financeira”, acrescenta.
As “fraturas” vão ter um impacto que vai durar uma geração
As revisões em baixa das previsões feitas desde julho do ano passado, quando o FMI apontava para uma aceleração da economia mundial para perto de 4% em 2019, foram sendo impostas pelo agravamento do que Georgieva chama de “fraturas” na economia mundial.
A economista búlgara refere a guerra comercial desde o verão passado entre os Estados Unidos e a China como “uma das grandes fraturas”, mas acrescenta-lhe um conjunto “de fendas” que “poderá levar a mudanças que vão durar uma geração”. Nessas "fendas" inclui o efeito negativo sobre as cadeias de fornecimento mundiais ligadas à globalização e “um novo ‘Muro de Berlim’ digital forçando os países a escolher entre sistemas tecnológicos”, mais uma dimensão da guerra fria global entre Washington e Pequim. Como sublinha a diretora-geral do FMI, mesmo que a economia mundial volte a acelerar a partir de 2020, o impacto das "fraturas" e das "fendas" que já ocorrera vai ser de longo prazo.
A fatura da guerra comercial vai ser, agora, atualizada pelo FMI. A diretora-geral aponta para um efeito acumulado de cerca de 700 mil milhões de dólares em 2020, ou seja, uma perda de 0,8% do Produto mundial. “A chave é melhorar o sistema [de comércio internacional], e não abandoná-lo”, apela Georgieva, face a um quadro em que Washington já impôs taxas alfandegárias mais elevadas a 550 mil milhões de dólares (€501 mil milhões) de importações provenientes da China e Pequim respondeu com novas taxas sobre 185 mil milhões de dólares (€168 mil milhões) de importações vindas dos EUA.
A assembleia geral do Fundo vai decorrer precisamente numa semana em que os EUA vão avançar com um agravamento das taxas aduaneiras em relação a quase metade das importações vindas da China e provocar uma escalada na guerra comercial com a União Europeia, impondo uma taxa de 10% sobre os aviões europeus e 25% sobre produtos agrícolas e industriais importados da Europa.
Governos têm um papel central no combate à desaceleração
Face a esta quadro de enfraquecimento económico e de guerras comerciais, o Fundo volta a apelar a que os governos, que disponham de margem orçamental, intervenham nas economias dos seus países.
Com a política monetária expansionista dos bancos centrais a perder eficácia, Georgieva, na linha de Lagarde, apela a que “a política orçamental desempenhe um papel central”. “Agora, é a altura dos países com espaço nos seus orçamentos avancem – ou estejam prontos para tal – com o seu poder de fogo orçamental”, sublinha a diretora-geral do Fundo, com a Alemanha e a Holanda como destinatários do recado na Europa, e a Coreia do Sul na Ásia. “Na verdade, as taxas de juro baixas [em virtude da política monetária expansionista] podem dar aos governantes dinheiro adicional para gastar”, refere a economista búlgara. Recorde-se que a Alemanha e a Holanda, com excedentes orçamentais e externos, se financiam atualmente com taxas negativas em todos os prazos do seu stock de dívida pública.
Georgieva vai ainda mais longe. No caso do abrandamento global piorar mais do que o esperado, “pode vir a ser necessária uma resposta de política orçamental coordenada” à escala mundial. Tal como o G20 fez em 2009, recordou. "Um abrandamento sincronizado exige uma resposta política sincronizada", sublinhou na intervenção.
“Ainda não estamos nessa situação. Contudo, a nossa investigação mostra que mudanças na despesa pública são mais eficazes e têm um efeito multiplicador quando os países agem em conjunto”, concluiu a diretora-geral. Kristalina Georgieva intitulou sintomaticamente a sua primeira intervenção na preparação de uma assembleia geral de "Desaceleração do crescimento exige aceleração na ação".